quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Cuidado com as bruxas

Crescemos a ouvir falar do Halloween nos filmes e séries que vamos consumindo. “Doce ou travessura?”, perguntam as crianças, mascaradas de algo fantasmagórico, batendo de porta em porta. O objetivo é angariar-se a maior quantidade possível de doces e guloseimas, sendo que o anfitrião corre o risco de, caso não tenha nada para oferecer aos “convidados”, ser brindado com partidas indesejadas. No final da noite, vemos as crianças contabilizarem os sacos arrecadados, com um sorriso rasgado. Na casa ao lado, vemos, no entanto, adolescentes e adultos, elas vestidas com roupas provocantes, justas e geralmente reveladoras, eles vestidos de vampiros, padres ou mortos-vivos. Aí, as teias de aranha e as abóboras espalhadas pela casa são apenas a decoração obrigatória numa festa que se assemelha, se esquecermos as roupas mais improváveis dos convivas, a qualquer outra. Os ingredientes habituais estão lá: música, álcool, dança e muita vontade de divertir. O Halloween é só um pretexto.

Por cá, a moda atravessou o Atlântico e parece que, à semelhança do Dia dos Namorados, veio também para ficar. No entanto, se antes tínhamos o feriado no dia a seguir e que vinha facilitar a adoção do costume americano, agora a festa tem que passar sempre para o fim-de-semana a seguir, sob pena de ir tudo trabalhar no dia seguinte ainda vestido de Drácula, bruxa, fantasma ou vampiro. Quanto a mim, já fui a algumas festas com esse tema e confesso que me diverti a cortar abóboras e desenhar-lhes caretas, a espalhar aranhas pela mesa, teias de aranha fictícias pelos candeeiros, e a vestir-me do mais assustador que me lembrava. A tradição não é nossa? Ok, mas quando o pretexto é festa, quem é que quer saber do porquê? Não tenho o patriotismo de tal forma desenvolvido que me impeça de festejar dias que não tenham sido criados por Afonso Henriques ou pelos seus descendentes. Por isso, se virem uma bruxa a passear Sábado à noite não se assustem. Posso muito bem ser eu. Sim, porque as bruxas não existem… mas que “las hay, las hay!”*.

*E assim me despeço, que hoje é dia de aula de Espanhol. ;)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A arte de não educar

O filho teria uns 3 anos e passeava no supermercado ao colo do pai. “Burro! Burro!”, gritava-lhe. A mãe não gostou – “pede lá desculpa ao pai!!” – ouviu-se, em tom ríspido. “Burro! Burro!”, insistia o rapaz, cada vez com mais força. O pai ria-se e dava-lhe beijinhos “váaa, pede-me lá desculpa!!”. “Buuuurrro!! Buuuurrro!!”. E o riso continuava – “vá, estou à espera do pedido de desculpa!” – e mais um beijo. A mãe, chateada talvez, abanou a cabeça, como quem dá o caso por perdido, e foi escolher fruta.
Atrás deles, eu fazia por não ouvir a conversa alheia, mas era impossível evitar. E, sinceramente, apetecia-me agarrar o miúdo e dar-lhe dois berros. Então qual é a piada de chamar nomes ao pai em frente a toda a gente? Mas pior que isso estava a ser, para mim, o comportamento passivo do pai, que passava uma mensagem com as palavras e outra com os gestos. Pedia desculpas enquanto se ria e dava beijos. Que puto não ficaria confuso? Acho que esse é o problema de muitos pais: têm coragem com as palavras, mas temem afastar-se dos filhos, por isso vão dando mimos enquanto passam os raspanetes. Não foi a primeira vez que vi e com certeza não será a última. E faz-me tanta confusão…
Os meus pais nunca me bateram – até porque fui uma criança muito calma, sei disso – mas lembro-me bem dos olhares que me faziam quando me portava pior, principalmente depois da adolescência. Lembro-me das palavras duras que ouvi e das expressões faciais que as acompanhavam. Digam o que disserem, para mim, esses olhares ou tom de voz doíam tanto como dois estalos. Magoavam também, à sua maneira. Sei que a história que contei envolve uma criança e não um adolescente ou jovem adulto, mas não dizem que é de pequenino…? Que criança vai respeitar o pai se sabe que, mesmo a portar-se mal e a fazer asneiras, é brindado com mimos e beijos?... O cérebro vai é responder aos estímulos positivos dos gestos, ignorando as palavras, certo? Deviam inventar um Cesar Millan para crianças, até eu reservava já "consulta" para daqui a uns anos.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Parabéns. Trinta e uma vezes parabéns.

Hoje faz anos a minha amiga mais antiga. E por antiga não se entenda “idosa”. É a minha amiga mais antiga, porque é aquela que conheci há mais anos, nos tempos em que saltávamos das salas do colégio para os jardins no intervalo, esfolávamos os joelhos, sujávamos as batas, passávamos horas a falar não faço ideia do quê, dávamos as mãos e posávamos para mil fotografias sempre juntas - desconfio que, nalgumas fotos, a roupa era até combinada. Era a minha melhor amiga e isso era o que se fazia à melhor amiga: não se largava nem um segundo. À conta disso, acho que as restantes caras daquela turma me parecem ainda hoje um pouco nebuladas: só existia a minha melhor amiga e o resto não interessava. Tínhamos grandes planos de vida as duas, grandes teorias e explicações para tudo. Até que a minha mudança de cidade nos deu a volta aos nossos projetos todos. Chorámos, não queríamos acreditar, vimos o mundo a acabar. Eu ia mudar de cidade e de escola, mas prometemos que íamos ser amigas para sempre e que íamos escrever todas as cartas que conseguíssemos. Assim foi. Só voltámos a ser da mesma turma muitos muitos anos depois, mas esses anos não passaram pela amizade. Foi sempre o meu porto de abrigo, a amiga com que desabafava ao telefone, horas sem fim, a amiga com que estava aos fins-de-semana e relatava toda a minha vida. Mesmo quando o grupo de amigos foi alargando, mesmo quando começaram a aparecer os namorados, ela foi sempre uma constante. Íamos de férias juntas, continuávamos com os planos de vida, as mil teorias, as histórias intermináveis que não nos deixavam adormecer, mesmo quando a luz do candeeiro se apagava, mais cansada que nós. Havia sempre muito para contar, tanto… As mãos já não se davam, éramos adultas, mas a voz, essa, nunca se cansou. E nem a faculdade, o Erasmus, os namorados, as mudanças de cidade, nada separou o que aquela promessa no jardim juntou: íamos ser amigas para sempre.

Podemos não estar juntas todos os dias nem falar tanto como gostaria, mas quero que saibas que sou o que sou, hoje em dia, em grande parte graças a ti, às nossas conversas, às nossas teorias, à tua paciência para me ouvir sempre, ao teu carinho e também à tua perseverança, porque sei que foi também graças a ti que nos mantivemos sempre amigas. Naquele colégio, com dezenas de crianças saltitantes e gritantes, de bata e joelhos esfolados, podia ter escolhido qualquer amigo, mas tive sorte de principiante e escolhi a melhor pessoa que podia ter escolhido. Escolhi-te a ti. E cada vez tenho mais certeza da boa amiga que és e que me inspiras a ser também. Parabéns. E venham lá os trinta e um.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Não percebo a Liliane Marise

Eu sei que talvez fosse preciso acompanhar a telenovela em que ela entrou. Eu sei que talvez fosse preciso ir seguindo a evolução da personagem e vê-la contextualizada na história. Eu sei que talvez fosse necessário assistir primeiro a alguns vídeos no youtube. Eu sei que talvez fosse até preferível ir ao concerto para perceber. Talvez. Mas como não consigo ver os vídeos todos – vi só dois –, como não segui a personagem nem fui ao concerto, digo apenas, do alto da minha total ignorância (assumo): não percebo a Liliane Marise. Primeiro, porque as músicas me parecem básicas e sem qualquer especial requinte ou até marotice. Depois, porque não consigo ver a personagem sem me lembrar da pessoa por detrás daquele papel. Acho também que uma cantora pimba que se preze tem que ser curvas e ser mais “cheiinha” que a Maria João Bastos. Pode parecer redutor, mas geralmente são caraterísticas associadas, se pensarem bem numa Ruth Marlene, numa Ágata, se pensarem numa Micaela ou numa Romana. Depois, porque associo uma cantora pimba a uma voz de bebé, muito suave. Associo cantoras pimba a uma sensualidade de menina, mesmo quando já podem votar e tirar a carta há mais de uma década. A Maria João, feliz (para ela) ou infelizmente (para a personagem) não reúne estas características. Sei que se pretendia algo novo, mas a mim a personagem nunca convenceria. Precisava de um ar mais roliço, uma voz mais de menina e um ar mais rústico que a Maria João nunca terá. Talvez me tenha passado ao lado alguma coisa, mas não percebo a personagem, não percebo. Só que, a acreditar nas notícias de ontem, sou a minoria. 7.500 pessoas, a acreditar no que li nos jornais, quiseram vê-la na Meo Arena. Não houve uma casa cheia, tal como a ênfase dada pelos jornalistas da Tvi de cinco em cinco minutos parecia fazer crer. No entanto, mesmo que o concerto tenha, afinal, enchido em pouco mais de um terço da capacidade total (de 20.000), continua a ser um fenómeno inexplicável, para mim. Se alguém me quiser explicar, sou toda ouvidos.

As vantagens de ser imprevisível

Eles queriam dar a boa nova ao jantar. Antes disso, ficaram parados no carro a discutir a melhor forma de a dar, a distribuir as deixas por cada um para parecer mais natural, e a tentar antecipar a reacção que a noticia iria desencadear em cada um dos "surpreendidos".
- Ele? Vai chorar, não tenho dúvidas.
- E ela? Acho que vai rir-se e dar os parabéns de forma muito mais controlada.
- Sim, sim, sem dúvida! Vai rir-se muito e dizer "eu já desconfiava".
- Pois, vai dizer isso!!
- Mas só ele é que vai chorar, não achas?
- Sim, ele mostra muito mais as emoções.
- Escreve aí tudo para depois não nos esquecermos de comparar com as nossas previsões e vermos se acertámos.
- Já está. Mas já sabemos que acertámos em tudo. Conhecemo-los tão bem...
No dia a seguir, reviram as suas notas e riram. Por muito que pensassem que conheciam cada uma daquelas pessoas como a si próprios, nunca se consegue antever a reação de ninguém. E, naquele dia, tal não foi exceção: nenhuma das pessoas a quem contaram a notícia reagiu como esperavam. Cada pessoa os surpreendeu exatamente pela forma como... se surpreendeu. E foi nisso que pensaram no fim do dia: conhecer alguém a 100%? Tretas. Somos todos mil caras e reações. Somos todos mil pessoas numa só. Experimentem fazer este jogo com alguém que acham que conhecem mesmo bem: contem algo e escrevam antes a reação que antecipam. Muito dificilmente acertarão, se correr como na história. Mas depois contem-me lá o resultado... ;)

sábado, 26 de outubro de 2013

A minha avó no Facebook

A minha avó materna é uma mulher moderna. Mesmo com o problema de saúde que teve há um ano, mantém sempre o seu ar jovem e despachado. E mantém também a sua página no Facebook. A minha avó escolheu as suas fotografias preferidas, tiradas aquando da publicação do seu livro, há uns anos, e definiu uma delas para fotografia de perfil. A minha avó às vezes escreve no seu estado "bons dias, meus amigos". Quando uma vez a apanhei com o chat ligado e perguntei por onda andava, a minha avó respondeu-me "no facebook, querida" e desarmou-me completamente. A minha avó adicionou amigos de infância e falam sobre as suas famílias. Para ela, o Facebook é uma forma de matar saudades da sua infância. E uma forma de ser criança também.

O meu antigo colega de trabalho era também avô. Quando nós despedimos, trocámos emails pessoais e prometemos que iríamos escrever a dar notícias. Um certo dia escreveu-me um email que dizia só assim "olá, querida amiga. Estás online?". E eu achei genuinamente enternecedor alguém perguntar aquilo por email.

A minha antiga "chefe" também me pediu o email pessoal. Quando ainda hoje escreve emails, escreve "lol" a cada passo, para minha completa surpresa, e põe bonecos. Escreve como se fosse uma jovem de quinze anos, quando afinal podia era bem ser minha mãe.

Estes são três exemplos de pessoas que começaram a usar a internet numa idade mais avançada e que, talvez por isso, não atingiram ainda a maturidade a esse nível, são como crianças em frente a um computador. No entanto, em vez de me rir, fico mesmo contente por estes exemplos de pessoas que insistem em acompanhar as novas tecnologias e que não viraram as costas ao "comboio" da evolução. Espero um dia conseguir fazer o mesmo. Se for o preço a pagar para acompanhar filhos e netos, assim será. Pelo menos assim espero...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Alguém me arranja um buraquinho para me esconder?

O email era importante. Muito importante. Mas nunca mais teve resposta. Eu achava aquilo estranho. Ele costumava ser tão rápido a responder. Costumava ser tão profissional... Os dias iam passando e eu ia matutando naquilo. Por que não terá respondido ainda...?

Hoje finalmente percebi. A minha caixa de entrada indicava que tinha um email por abrir. Fui espreitar. Era o "tal". Uma resposta simples e cordial. O tom profissional era o mesmo de sempre. Desculpava-se pela demora com trabalho. Respondia à minha questão. Tudo normal. Até que vi o que tinha acontecido. E não sabia se devia rir ou chorar. Eu tinha-lhe enviado o email normal, com os cumprimentos de sempre, e a desenvolver o tema, mas tinha escrito um "subject" que não tinha nada a ver com aquele tema, e que dizia respeito a um email mais "romântico" que estava a escrever em simultâneo. Agora imaginem o que terá sido receber um email profissional com o título "saudades. muitas". Fiquei para morrer. Aliás, acho que ainda estou corada. Alguém me arranja um buraquinho para me esconder? Nunca mais me digam que nós, mulheres, conseguimos fazer mil coisas em simultâneo. Podemos conseguir, mas tenho para mim que em metade dos casos acontece algo assim...

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Vou passar para o Modo-Casa-dos-Segredos

Hoje retomei as aulas de Espanhol, que tinha deixado pendentes há algum tempo. É irónico, não é? Uma pessoa queixa-se de falta de tempo, mas aproveita todos os minutos livres para quê? Para os preencher. São aulas, é desporto, é um cinema aqui, um jantar ali. Como se tivéssemos medo do tédio e no não fazer nada… Adiante. Retomei as aulas de Espanhol e, depois dos "holas!" iniciais, cheios de vida, cada um teve que se apresentar. Resultado? Quando chegou a minha vez, senti-me subitamente tãaaao desinteressante. “Olá, tenho 31 anos, faço isto, tirei este curso,…”. Acabei de falar e vi as caras de tédio nos restantes. Ainda pensei pedir para repetir e dizer “estava a brincar! Sou astronauta. Cheguei agora duma missão no Espaço e, nos tempos livres, faço escalada, treino Russo e toco violino.” Ou então, podia ter-me apresentado em modo-Casa-dos-Segredos: “Olá, sou a Pippa C. Sou frontal, amiga do amigo, gosto de me manter morena todo o ano, não me separo dos meus vernizes e sou viciada em desporto. Estou solteira e ando à procura do amor!”.

Tenho que treinar a minha apresentação. Seja em Espanhol, seja em Português, seja em Mandarim.

Ok, talvez em Mandarim não vá treinar muuuuuuito…

Tenho uma nova leitora muito especial

A minha mãe saiu-se ontem com uma frase que me intimidou um pouco “tenho-te lido”. “Tens o quê?”. “Tenho lido o teu blog. Ando a ler os teus textos”. Naquele momento, ia sozinha na rua, mas acho que corei e acelerei o batimento cardíaco. Quando criei o blog contei aos meus pais que tinha um novo “hobby”, mas nunca pensei que começassem a ler, porque não são muito frequentadores da internet. Quando escrevi textos dedicados a eles, nos anos deles, imprimi os textos e dei-lhes, pois sabia que, de outra forma, nunca os iriam ler. E sempre que escrevi aqui, escrevi a sentir-me 100% livre, sempre que falei neles, falei porque me apetecia muito, não porque pensei que iriam estar a ler. Ontem, no entanto, fiquei envergonhada. E porquê? Porque, em última análise, é aos pais que queremos agradar. E não sei muito bem o que hão-de pensar ao ver-me divagar sobre futilidades ou disparates, como muitas vezes acontece. Senti-me como sentia quando entregava uma composição ao Professor de Português – adorava o meu Professor de Português, era o meu ídolo e uma inspiração, mesmo sendo tão exigente e perfeccionista – e ficava ali a vê-lo ler, a franzir os olhos, durante minutos que, naquela espera, me pareciam intermináveis. Naquele momento, tal como acontece agora sempre que entrego qualquer trabalho, sentia que tinha feito a maior porcaria do mundo, questionava tudo, sentia-me mínima perante a grandeza do meu “revisor”. Ontem aconteceu o mesmo, enquanto a minha mãe me revelava a sua nova fonte de leitora – senti-me pequenina e ridícula.
- Mas sabes uma coisa? Gostei muito. São textos muito bem escritos, mas ao mesmo tempo com uma linguagem muito descontraída. O blog és mesmo tu. Escreves como és.

Não me comparou a Camões (como há tempos um colega meu dos tempos do secundário disse que foi comparado). Não disse nada que me coloque na linha de candidatos ao Nobel. Não disse nada que deva ser bordado numa tela e colocado à entrada de minha casa. Mas, para mim, deu-me o maior elogio do mundo: gostou. E isso foi o melhor que podia ter dito. Ainda bem que gostaste. Sabes perfeitamente que foste tu que me incutiste o gosto pela leitura, ao ler-me primeiro, todas as noites, noite após noite, sem te cansares. Ao incentivar-me depois a ler os autores clássicos portugueses – “foi com eles que cresci”, disseste-me –, fosse Eça de Queirós, fosse o Camilo Castelo Branco, fosse o Almeida Garrett, fosse o Júlio Dinis. Ao comprar-me livros, tantas vezes. Ao levar-me contigo para o trabalho, quando estava de férias, e deixar-me usar a máquina de escrever, naquele gabinete só meu, toda a tarde. “Escreve o que quiseres, podes usar essas folhas todas”. Foste tu que discutiste Gramática comigo e me puxaste a pesquisar porque é que se devia ler “m(e)nistro” e não “ministro”. “Anciões” ou “anciães”? Para ti, o português sempre foi um desafio e não um dado adquirido. E foi também por tudo isso que este elogio me soube tãaaaao bem.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Ele era um homem com "H" grande. No cinto.

Hoje cruzei-me no elevador com um homem daqueles a que nenhuma mulher consegue ficar indiferente. Pele bronzeada, com ar de bem cuidada, rosto barbeado, fato azul escuro impecavelmente ajustado – quase diria feito à medida – aos seus ombros largos e cerca de 1,85m, sorriso Pepsodent e diria que com 40 anos. Só que, no tempo que demorávamos a subir, comecei a reparar nalguns detalhes em que não reparei à primeira vista: usava cinto Hermès (aquele “H” é inconfundível) e, tinha também um lenço que, pelos ares de seda que tinha, podia muito bem ser da mesma marca. Cheguei ao meu andar, despedi-me e vim a pensar nisto: o homem tinha ares de modelo, quase. Mas será que as mulheres não se sentem intimidadas à sua volta? Será que as mulheres gostam de competir com um homem nas marcas e acessórios? Imagino que será algo de adorar ou odiar, sem meio termo. Ou a mulher adora falar de roupa, cuidados a ter, moda, marcas e produtos de beleza – e encontrou, assim, a cara-metade -, ou a mulher vai sentir o seu território invadido e vai cansar-se de ter outra pessoa a partilhar os mesmos temas e preocupações. As dúvidas matinais passarão a ser em duplicado:
- O que hei-de vestir?
- Tu? E eu? O que hei-de eu vestir? Tenho o armário cheio de fatos e não gosto de nenhum. Tenho que ir às compras.

Por outro lado, acredito que as respostas serão também mais rápidas:
- Fica-me bem?
- Sim, mas eu imagino esse vestido antes com aquele colar e aquele cinto. Experimenta.

E isso é capaz de não ser mau de todo. De qualquer maneira, digam-me lá de vossa justiça, a mim, que nunca tive nenhum namorado muito vaidoso ou preocupado com roupa: ter alguém assim é um bálsamo ou é de fugir?

Terapia de compras

Em tempos de muito trabalho, chuva, vento e pouco tempo para descanso e almoços ao ar livre, há um pequeno gesto muito muito simples que resolve tudo. Podia estar a falar dum beijo. Podia estar a falar de castanhas assadas compradas a caminho de casa. Podia estar a falar duma música especial que passa na rádio e que começa no momento exato em que carregamos no "play". Podia estar a falar dum banho quente com espuma e sais. Podia estar a falar dumas massagens. Qualquer uma dessas hipóteses seria uma solução e até encaixaria no conceito de felicidade, tal como falei de manhã. Mas, para o efeito, estava a pensar apenas num tipo de terapia: compras. Digam o que disserem, conheço poucas formas de uma mulher esquecer todo o stress em menos dum minuto e voltar a sorrir. Compras... Tão simples! Ainda dizem que somos um bicho complicado... ;)

Quanto a mim, não faço compras há algum tempo (não pensem que virei bem-comportada e poupada, é apenas excesso de trabalho), mas quando me dá a febre das compras faço terapia à distância, pesquisando sites de marcas. E, de entre todo os sites de marcas que gosto, aquele que me faz perder mais tempo é o da Zara, porque anda sempre em cima do acontecimento e atualiza-se a um ritmo alucinante, com preços mais acessíveis que outras marcas que gosto. Por isso, já ando a piscar o olho a meia dúzia de peças que ficariam bem no meu dia-a-dia. Sei que já tenho para aí dez saias em modelo clássico, mas nunca consigo resistir. Ficam bem com tudo! Quanto ao resto... Enfim, quem resiste à Zara? Deixo aqui alguns preferidos, sem nenhuma ordem e sem necessidade de serem conjugados entre si:
Adoro as duas peças. E imagino a saia com t-u-d-o.
Igual. Adoro tudo.
Sim, são clássicos. Mas não tenho nada parecido e imagino a ficarem bem com as saias de cima.
Já vi este modelo em algum lado, mas custava mais de 3 dígitos...
Gosto da saia e da camisola. Mas, se fossem minhas, não conjugava com as botas.
Uma saia colorida em plena chuva e conjugada com neutros é capaz de resultar... Não conjugava com as botas.
Mais uma vez, esta mala parece-me familiar, mas prefiro de longe este preço.
Este casaco não é muito clássico, mas imagino a ficar lindamente com roupa mais formal e camisas por baixo.
Gosto deste peplum tímido.
Outra saia. Este é o ano das saias. Gosto da zona dos cotovelos.
O burgundy/ cor-de-cereja já não é surpresa, mas continuo a adorar a cor.
Este é daqueles casacos que adoro ver noutras mulheres se forem loiras ou muito morenas. Eu estou
no meio termo, por isso infelizmente acho que não vou gostar em mim. Vou parecer doente.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

22 passos para a felicidade

Felicidade. Todos os dias, ao chegar ao trabalho, cruzo-me com uma pequena frase, “grafitada” por alguém inspirado, que me ordena “sê feliz”. Alguns interpretarão como um conselho. Outros poderão ler como uma sugestão. Eu vejo como uma ordem, e gosto que seja assim – “hey, tu aí!! Sê feliz. Já!”. E, sinceramente, gosto mesmo destas duas palavrinhas que alguém desconhecido me resolveu deixar, a mim e a todos os que por ali passam. “Sê feliz”. E eu aceno, compenetrada, e faço por isso. De qualquer maneira, nem de propósito, ontem uma amiga minha dizia-me que tinha lido um texto com 22 passos para a felicidade e que tinha concluído que não cumpria todos. “Então quais são esses passos?”, quis saber. Resumiu-me os que se lembrava, como termos sempre os mesmos horários, vermos os problemas como desafios, termos a capacidade de sonhar em grande, praticar frequentemente exercício e estarmos rodeados de bons amigos. “Parece-me fácil”, respondi-lhe.
- Fácil? Eu ando com os horários trocados. Não tenho feito desporto nenhum. Qualquer problema é, para mim, uma tempestade. Não podia estar mais longe da felicidade. Para ti é mais fácil, porque és uma otimista.
De qualquer maneira, comecei a pensar naqueles “passos” e pareceram-me demasiado abrangentes e pouco concretos. Para mim, tratam-se, isso sim, de requisitos mínimos para uma vida saudável. Os pilares duma vida mais ou menos normal. A felicidade, para mim, passa por detalhes mais específicos, como ouvir boa música, ler bons livros, ver bons filmes e séries, chegar a casa e ser brindada por saltos e lambidelas pela minha cadela, namorar, viajar, escrever, jantar com os amigos, dançar, ir à praia, uma boa refeição, fazer desporto acompanhada, estar com a família… “Não guardar rancor”, “tratar todos com bondade”, “ver problemas como desafios”, “expressar gratidão pelo que já tenho”, “não procurar culpados”, “viver o presente”…. Digam-me: não fazem parte, isso sim, do mínimo indispensável para uma vida razoável? Ser feliz é, para mim, mais que isso. É cultivar a alma. É cultivar o coração. É desenhar sorrisos. E a vocês, o que vos faz realmente felizes?

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Profissões de sonho

Há dias conheci uma rapariga que tinha duas profissões: uma na área da saúde, que era aquela para que tinha estudado, e outra na área da representação e publicidade. Dizia ela que, se algum dia conseguisse ocupar todo o seu tempo com a segunda profissão, abdicaria da primeira sem pensar duas vezes. Contava-me ela que a representação era o seu sonho de criança e que nem acreditava que esse sonho se tinha finalmente concretizado, ainda que apenas de forma esporádica. Acrescentava, no entanto, que, infelizmente, essa profissão era incerta e que, por isso, tinha tido sempre um plano B e tinha tirado um curso para garantir o futuro. Depois, perguntou-me qual era a minha profissão de sonho quando era criança. Resumi-lhe a história e disse que sonhava ser bailarina. Ela sorriu-me de volta, talvez perante a surpresa. A verdade é que sonhava ter várias carreiras em simultâneo: queria ser escritora, pintora, música e bailarina. Sim, podem rir-se. As crianças são férteis em sonhos e eu não era exceção. Hoje em dia, no entanto, tenho pena quando penso que a minha profissão não poderia estar mais longe de qualquer um desses sonhos. Apesar de escrever muito, sou obrigada a adotar uma escrita muito formal e pouco criativa. Por isso, à parte o que acontece neste blog, em que tento escrever tudo o que me apetece e ser um pouco "escritora", todos os outros sonhos foram ficando para trás...

Por que será que os nossos "eu"s crianças se afastam quase sempre tanto do nosso "eu" adulto? Será que perdemos os nossos sonhos algures na viagem até à vida adulta? Será que nos esquecemos do que já fomos e de tudo o que queríamos realmente ser? Ou será que, simplesmente, aprendemos a ser práticos e realistas?

domingo, 20 de outubro de 2013

Afinal o que é ser sexy?

Hoje fui ao ginásio dar a corridinha da praxe. Por norma gosto de ficar em tapetes colocados em frente a televisões em que esteja a dar um canal de séries, mas hoje estavam todos ocupados, por isso, fui obrigada a ver a Mcm (canal de música) durante quarenta minutos. Foi uma corrida engraçada: ouvia a minha música nos phones enquanto via videoclips sem som. Esta experiência permitiu-me ver videoclips que nunca tinha visto, sem música, e permitiu-me analisar com todo o tempo do mundo artistas como a Lady Gaga, Miley Cyrus, Fergie e até a Britney Spears que, pelos vistos, tem nova música. E concluí, nesses produtivos quarenta minutos de suor e análise, que apenas as últimas são realmente mulheres sexy. Sei que estamos perante conceitos muito subjetivos, mas uma miúda sem curvas, corpo de rapazinho, e cabelo curto, por muito despida que esteja, por muito ar provocante que faça e língua de fora que ponha (no caso da Miley) nunca integraria o conceito de "sexy", para mim. Falta-lhe feminilidade, falta-lhe saber deixar à imaginação, acho-a demasiado esforçada e evidente. Quanto à Lady Gaga, mesmo com as suas curvas mais definidas, parece-me um pouco andrógina, mais preocupada com as suas roupas de artistas mil que com a sua sensualidade. Entra no conceito de verdadeira artista, mas não na ideia de sexy. E aqui entram a Fergie e a Britney Spears. Digam o que disserem das duas, se sabem ou não cantar, se têm ou não músicas de qualidade, o que é certo é que eu própria estava a correr e a babar-me em cada videoclip.

Para mim, sexy não é uma mulher despir-se completamente, dançar nua agarrada a uma bola de discoteca, não é lamber martelos com ar libidinoso. Ser sexy é um equilíbrio entre o que se vê e o que se quer ver. Ser sexy é um equilíbrio entre o que o olhar parece dizer e o que queremos que o olhar diga. Ser sexy é um equilíbrio entre o ser ousada e deixar à imaginação. Mas isto acho eu, que sou mulher...

sábado, 19 de outubro de 2013

Já conhecem a Summer?

O filme deve ser conhecido de muitos. Eu própria já o tinha visto há uns anos, voltei a ver o ano passado e hoje apanhei-o a dar na TVI, durante a tarde. As reações que tive em cada uma das vezes foi diferente, talvez por também estar diferente o meu estado de espírito. Já adorei pelo ator (o Joseph Gordon-Levitt é tãaaaao bom ator), pela banda sonora e referências culturais (um filme que fala dos The Smiths, dos Beatles, do Graduate, de arquitetura, que tem a Sweet Disposition, Pixies e Carla Bruni como banda sonora tem que ser especial), pela surpresa da história de amor invulgar... Mas já odiei também exatamente por este último motivo, pela invulgaridade da história de amor.

Para aqueles que nunca viram, estou a falar do "500 days of Summer". A Summer é uma rapariga especial: veste-se com um estilo muito original, um pouco anos 60, tem um gosto apuradíssimo para música e cultura pop, e é, acima de tudo, alguém descrente do amor e independente. O Tom não demora nem dois segundos a apaixonar-se por ela. Só que a Summer diz desde o início que não quer nada sério, até porque, para ela, o amor não existe, é uma fantasia. O Tom diz que não se importa e que pode viver com isso. Mas a Summer dá-lhe a mão no Ikea. A Summer beija-o em pleno local de trabalho, junto às impressoras. A Summer dorme em casa dele. A Summer convida-o a dormir em casa dela. A Summer conta-lhe coisas que - sublinha - nunca contou a mais ninguém. A Summer ri-se do que ele lhe conta. A Summer fá-lo rir como ninguém. A Summer beija-o e faz-lhe festinhas com ternura. A Summer quer ir ao cinema com ele. A Summer quer ir jantar. E os dias passam. Mas a Summer também repete que não quer namorar, porque está bem assim. Se acabam juntos? Não posso revelar, não quero estragar a surpresa. 

Mas fico sempre a pensar nas Summer que há por aí. A Summer está por todo o lado, em cada mulher que a dada altura gostava de alguém, mas não o suficiente para namorar. A Summer está em cada mulher que, sem querer, magoou alguém que até tinha esperanças que ela mudasse. A Summer não é homem nem mulher. A Summer é toda a gente que já esteve com alguém sem certezas ou sem estar apaixonadíssima. A Summer irrita-me um pouco. Talvez porque eu própria já fui a Summer algures na minha vida. E sei que já magoei alguém mesmo quando achava que estava a agir bem. Ai as Summer... De qualquer maneira, já sabem: quando vos vierem com a conversa do "ai estamos bem assim, para quê complicar e namorar? Para quê dar nomes?" ou "amor? Não acredito em nada disso".... Fujam! Quem vos diz isso só quer passar um bom bocado e vai trocar-vos quando realmente se apaixonar. Fujam desse discurso. A menos que realmente queiram só um amor... de Verão.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Não sou uma Super Mulher

No outro dia, a conversar com um amigo, percebi que a mulher dele, mesmo tendo uma profissão demasiado absorvente, consegue ser uma super mulher. A mulher dele cozinha bem e deixa-lhe comida feita para o almoço, a mulher dele passa a ferro a roupa dela e a dele e deixa tudo sem vincos, a mulher dele mantém a casa impecável, a mulher dele lembra-se dos compromissos dela e dos dele, liga-lhe a lembrar tudo, a mulher dele é querida e meiga, a mulher dele faz-lhe surpresas e ainda tem voz doce. E tudo isto percebi pelo teor da conversa que estavam os dois a ter ao telefone.
- Fizeste-me o almoço? Ohh obrigado! …Sim, vesti-a, vi-a na cadeira de manhã. Está impecável, obrigado. ….Pois, eu sei, é às 19h. … Exato, lembraste-te! … Também eu… muito muito. Beijinho até logo!
Eu estava maravilhada e só me apetecia gritar-lhe: “adotem-me por favor!!!”

Mas agora ando com essa imagem em “repeat” na minha cabeça: vejo-a inúmeras vezes a passar a ferro e a sorrir, sem dores de costas ou cansaço, enquanto mantém ao lume um risotto divinal, numa cozinha a brilhar de limpa. E quanto mais a imagem se repete mais ela se torna perfeita, impecável, a passar a ferro e a sorrir cada vez mais, enquanto ele a abraça por trás e diz “és perfeita”. Esta imagem de perfeição tortura-me principalmente quando chego a casa, muitas vezes depois das 9 da noite. E a imagem tortura-me enquanto atiro os saltos para o armário do calçado e ando descalça pela casa, prendo o cabelo num rabo de cavalo e despacho um jantar em três tempos, sem grandes requintes ou elaborações. A imagem tortura-me quando reparo que a camisa dele não está passada a ferro e o máximo que faço é apontar-lhe o dedo para a lavandaria, para o ferro de engomar. A imagem continua a torturar-me, quando, no fim do jantar, olho para a pilha de loiça que ficou e o máximo que faço é apontar-lhe o dedo para a máquina de lavar. Num mundo perfeito era suposto eu gostar de fazer tudo isto, e ainda sorrir e falar com voz de bebé por cima? Num mundo perfeito eu devia passar a ferro e nem ficar com dores de costas, certo?

Mas este não é um mundo perfeito. Chego a casa a más horas, se consigo ainda correr, contar piadas e preparar algo comestível para o jantar, já me sinto uma grande mulher. Ok, sei que não sou a super mulher, mas não percebo como é que elas conseguem, a sério que não. Há alguma bebida que nos deixe assim? Alguma vitamina? Digam-me, por favor…

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A interrupção.

Há muitos e muitos anos, corria o ano da graça de 1998, debatia-se acesamente, neste pacato país virado para o mar, se a interrupção voluntária da gravidez realizada até às primeiras dez semanas de gravidez, e por opção da mulher, deveria ser penalizada (ie, constituir crime e ser punida) ou não. Eu, menor de idade sem grande conhecimento da vida, achava aquilo tudo um absurdo e era totalmente contra a despenalização. Porquê? Porque a minha tenra idade levava-me a acreditar que só engravidava quem queria, que a vida humana era sagrada e todos os seres humanos tinham o direito à vida desde a sua conceção. A minha opinião era desprovida de sentido prático – acho que temia apenas que todas as mulheres desatassem a interromper voluntariamente as suas gravidezes, o que me parecia totalmente contra natura. Nesse ano, a pergunta acabaria por ir a referendo e o não à despenalização ganhou com uma margem mínima – 51%. Os portugueses estavam divididos.

Muitos e muitos anos depois, corria o ano da graça de 2004, já eu maior de idade e a viver sozinha, o telefone tocou às 2h da manhã. Era uma amiga que conhecia há pouco, mas que sabia que confiava bastante em mim:
- Preciso de ajuda.
- Que se passa?
- Preciso mesmo de ajuda. Por favor anda buscar-me e já te explico tudo.

Saí a correr. Peguei nela, que tremia de frio ou medo, não sei. A história era triste, muito triste: mesmo a tomar a pílula, um antibiótico tinha “anulado” o efeito do contracetivo e ela tinha engravidado do namorado. Só que, perante a notícia, o namorado reagiu mal e pediu-lhe que abortasse, pois eram novos e não tinham condições para sustentar uma criança. Ela acabou por viajar até Espanha, sozinha, onde, numa clínica habilitada a realizar IVG, se submeteu a todos os procedimentos. Contou-me tudo o que passou, tudo o que teve que pagar sozinha, tudo o que chorou e a dor que ainda sentia. E contou que, depois disso, a relação nunca mais ficou igual. Nesse dia, tinham tido uma discussão mais feia que a levou a sair de casa. Ouvi a história e fiquei revoltada por ela, pelo namorado, pela forma como teve que viajar clandestinamente até Espanha, pelo dinheiro que lhe cobraram, pela forma como o assunto tinha que ser tabu, porque era tão mal visto, por tudo… Ela estava a sofrer e eu sofri também com ela. Naquele dia, parte de mim mudou.
Três anos depois, em fevereiro, houve novo referendo, desta feita com 59% dos votos (o meu incluído) a favor da despenalização. Apesar de o número de votos não ter sido suficiente para tornar o referendo vinculativo, a lei acabou por ser aprovada, estipulando-se um período de reflexão de três dias entre a consulta e o procedimento, proporcionando-se à mulher acompanhamento psicológico, para evitar decisões precipitadas ou pouco ponderadas.

Hoje lembrei-me deste assunto, porque em conversa com a minha irmã falávamos duma amiga dela que tinha sido mãe aos 18 anos.. Dizia-me a minha irmã:
- …Conclusão: neste momento, a mãe da criança é a avó, porque a mãe está a estudar e nunca está com a filha.
- E o pai?
- Não sei, mas tenho ideia que não estuda nem trabalha.
- Achas que deviam ter tido o filho, assim nessas condições?
- É difícil dizer. Um dia até podem dizer que valeu tudo a pena. Mas, sinceramente, acho que foi uma irresponsabilidade terem a criança. Se não tinham condições para a ter, foi um ato de egoísmo colocar uma criança no mundo. Eu não conseguia ter.

Olhei para a minha irmã e fiquei ali uns segundos a pensar naquilo. Não sei se é por a minha irmã ter feito 18 anos num país que já tinha a despenalização da IVG aprovada, mas o que é certo é que a minha "pequenina" é muito mais prática do que eu era até àquele telefonema, tantos tantos anos atrás. Talvez sem esse telefonema, esta conversa fosse hoje diferente e eu tivesse discutido acesamente a opinião dela. Hoje em dia, no entanto, a opinião dela, que é muito mais liberal que a minha opinião há dez anos atrás, coincide. Acredito que é uma decisão que apenas faz parte da decisão ponderada de cada mulher. Uma criança não é um brinquedo que se possa “experimentar” e tem que ser muito desejada. Se esta maneira de ver as coisas entra em conflito com a minha religião? Não sei, mas gosto de acreditar que as mulheres que lutam por uma vida melhor merecem tanto quanto as outras um lugar no céu. Porque, no fundo, é disso que se trata – ponderar quando há realmente condições para se ter uma criança. Se hoje em dia defendo com unhas e dentes a decisão de alguém optar por realizar uma IVG? Não defendo nem critico. Defendo que é opção de cada mulher/casal, que devem poder fazê-lo em qualquer hospital de forma acessível e sem clandestinidade ou olhares que julgam, porque saberão sempre ponderar os prós e contras. A verdade é que nunca conseguimos realmente opinar até nos calhar a nós uma decisão deste calibre, não é?... O que acham do tema?

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Eles não sabem surpreender

Ontem recebi uma surpresa. Ou, melhor dizendo: ontem fizeram-me o que sugeri. Se conta como surpresa? Gosto de acreditar que sim, que também entra no conceito amplo de “surpresa”, caso contrário, há muito que teria deixado de receber qualquer tipo de surpresas. Há algo nos homens que, após a primeira surpresa mal sucedida, lhes incute medo e os impede de renovar o ato – após o primeiro erro, nunca mais haverá surpresas. Comigo, aconteceu com uns óculos há muitos anos. Tinha feito anos numa Quinta-feira e vivíamos separados por umas centenas de quilómetros. Sabia que era improvável que estivéssemos juntos no meu dia de anos, porque ambos trabalhávamos, mas decidi tirar a Sexta-feira e, assim, passar o final do dia junto dele e o resto do fim-de-semana perto de quem mais gostava. No entanto, a dúvida mantinha-se: ele apareceria de surpresa ou não para me dar um beijinho de parabéns? Pelo sim, pelo não, tratei de tomar um banho no final da Quarta-feira, ao chegar a casa, vesti uma roupa mais gira, maquiilhei-me um pouco e pus-me a ver televisão. O mais certo era não aparecer ninguém, mas pelo menos não começava o dia de aniversário de pijama e cabelo desalinhado, e eu saberia sempre disso. Era uma questão minha. Às dez, uma chamada:
- Então? O que estás a fazer?
- A ver televisão.
- Sem sono?
- Sem sono nenhum!!
- Olha, hoje não sei o que se passa. Talvez tenha sido por causa do jogo de futebol, mas estou a morrer de sono. Ando para aqui a arrastar-me, por isso já vou dormir.
- Já?
- Sim. É cedíssimo, não é? Mas estou a morrer… Ah… pus o alarme para a meia-noite, por isso ainda falamos.
- Claro, claro.

Pisquei o olho para o telefone. Achei aquilo tão mal disfarçado. Era óbvio agora, para mim, que ele estava a caminho. Nunca ia para a cama às 10h, por isso, era claramente um disfarce. Sorri e comecei a dar um jeitinho à casa, que se ia receber uma surpresa, queria ser surpreendida numa casa à altura do acontecimento. À meia-noite já eu estava a pé à espera da campainha. Trrrrim!!
- Sim?
- SURPRESA!!!

O choque. A voz não era dele. Eram vozes femininas, apenas.
- Suuu…baaaam….
E elas subiram: amigas e vizinhas, sorridentes e de braços abertos. Ainda espreitei por detrás delas. Ele não estava lá. Abracei-as. O telefone tocou:
- Parabéeeens!!
- Obrigadaa….

- Que vozinha é essa?
- A campainha tocou e eu, feita estúpida, estava com o pressentimento que eras tu. Aliás: estava mesmo convencida que eras tu.
- Oh porquê? Eu amanhã trabalho, tu sabes… E tu também. Como é que ia aparecer aí?
- Sei lá, podias vir aqui fazer uma surpresa e voltar de manhã cedo… Disseste que ias dormir às 10h e pensei que era um disfarce mal feito. Sou estúpida, pronto.


E lá fui sair com elas. No dia seguinte, no fim do trabalho, tive a sorte de ter um casal de amigos meus a fazer a mesma viagem, por isso, fomos juntos. Só que eles namoravam há duas semanas, o que resultou numa viagem cheia de beijos, e mãos, e olhares, e juras de amor, perante a minha cada vez maior solidão proporcional aos quilómetros que fazíamos. No final da viagem, eu era a pessoa mais solitária do mundo. Era dia de aniversário, e no dia de aniversário tudo o que sentimos multiplica-se pela idade que fazemos. Quando chegámos, eram 23h59. Saí e fui recebida por uns braços e beijos, e parabéns e mil mimos, mas o buraco gigante ainda não estava preenchido. Por isso, quando recebi os óculos como presente, ainda eu era todo um Donut humano e não estava apta a demonstrar calor e emoções. Podia ser o melhor presente do mundo, mas primeiro precisava de ser preenchida com amor. Ele nunca percebeu isso e ainda hoje esse episódio é recordado inúmeras vezes para justificar o facto de ter optado por não "inventar" mais surpresas:

 - Lembras-te quando decidi inventar e te dei aqueles óculos? Qual foi a tua reação? Disseste que parecias uma mistura dum Basset hound deprimido com o Cristiano Ronaldo com aqueles óculos.
- Eu disse isso?
- Sim. Mas o pior é que realmente parecias. Eu não sei surpreender-te. Quando tento inventar algo que penso que podes gostar, para te surpreender, nunca acerto. Nunca.
- Oh… Os óculos até eram giros. Só não me ficavam bem.
- Ficavam péssimos, podes dizer frontalmente. Não sei surpreender-te.


Desde aí, tive que o guiar sempre. Ontem aconteceu outra vez. Qual estrela polar, guiei-o: “tens que ir ali, eu saio às X horas, podias ir buscar-me… depois podíamos…. blábláblá”. E assim foi. Sem grandes surpresas, fui surpreendida. Os homens perdem a capacidade de surpreender, após o primeiro erro. Mas eu nunca hei-de perder a vontade de o tentar continuar a guiar. Tudo na esperança que um dia ele volte a andar sozinho. Pelo que vejo do meu pai, de vez em quando ainda volta a tentar surpreender a minha mãe, mesmo que a medo, e mesmo depois de já ter errado. Digam-me lá: nós, mulheres, somos mesmo um bicho assim tão difícil de ser agradado? Somos um bicho assim tão difícil de perceber?

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Somos transparentes

Dizias-me que não podia mentir, porque a minha cara mudava e percebias logo.
- Há algo em ti que fica diferente quando mentes. Basta olhar para aí e sei logo se estás a mentir ou não.
Lembro-me não só deste diálogo, mas do sítio em que ele ocorreu. Da cara que me fizeste ao dizer-me isto. E até do calor que senti dentro de mim. Eu era transparente, para ti. E tu vias dentro de mim. Talvez por isso, nas piores alturas da minha vida, se não te conseguia contar o que se passava, se estava preocupada e não te queria preocupar também, fugia. Aproveitava o facto de estudar noutra cidade para deixar de telefonar um ou dois dias, e fugir às vossas grandes conversas. Mas nem aí...! No dia do meu exame mais importante, meti-me em casa a estudar e decidi que só ia contar no fim, para não vos preocupar (sempre foram tão pais-galinha...). Telefonema certeiro teu, na véspera:
- Andas tão caladinha... Diz-me só 'sim' ou 'não' e eu não faço mais perguntas: o teu exame é amanhã?
Novamente o tal calor dentro de mim. Como é que me estavas a ver através do telefone? Este é só um episódio, mas toda a vida pareceste ter um dom: ver dentro de mim e saber sempre aquilo em que estava a pensar ou aquilo que me preocupava em cada momento.

Este fim-de-semana algo aconteceu novamente. Uma conversa muito estranha que puxaste à mesa e que o fez rir, ao meu lado, e dar-me pontapés debaixo da mesa:
- Um dia que queiram ter filhos já sabem que podem contar connosco para tudo,
não sabem? Vocês trabalham muito, mas nós podemos levar ao infantário, ir buscá-los, ficar com os vossos filhos uns dias. Sabem disso.
Nós tínhamos estado a discutir os nossos horários de trabalho e a incompatibilidade com crianças antes daquele almoço, precisamente, e com alguma tristeza, claro. Eu tinha chegado à conclusão que um dia, com as horas que trabalho, ia ser uma mãe ausente e ia ter filhos criados quase sozinhos.

O calor. Lá estava o calor dentro de mim. O sentir que estava a ser vista por ti como se fosse transparente. Tens um dom. Tens mesmo um dom. Será que ser mãe é isto - ver através dos filhos?

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Os solteiros também são boas pessoas

Desabafava hoje uma colega mais nova, muito convicta “não há homens solteiros! Não há. Todos aqueles que conheço estão comprometidos. Todos, todos, sem exceção!” Eu disse-lhe que devia viver num meio muito pequeno, porque eu por acaso conhecia imensos homens solteiros.
- Homens de jeito?
- Sim, claro.
- E então porque é que ainda estão solteiros?

- Oh… Então tu não és uma mulher de jeito?
- Sou… Tenho as minhas manias, mas acho que sim. Só sou é demasiado exigente,
disse-me a rir.
- Vês? Eles também. Por acaso estão solteiros, mas isso não quer dizer nada quanto a serem de jeito ou não. Não podes ser assim.

 E dei por mim a pensar que, infelizmente, hoje em dia se confunde muitas vezes qualidade com o facto de alguém estar comprometido.
- Namora? É casado? Ah, então é um homem de família, às direitas e de qualidades humanas inquestionáveis.
Não sei quando é que houve encontro de algo semelhante a uma Comissão Internacional das Jovens e Doutas Solteiras, na qual se estabeleceu esta regra internacional que estabelece que homem solteiro é sinónimo de traste. Só sei que, se me fosse permitido participar em tal debate, à data, teria dito que não há, para mim, qualquer ligação entre o estado civil de alguém e a falta ou ausência de qualidades .
Pensem comigo: quantos homens comprometidos conhecem que não quereriam para vocês nem por todo o dinheiro do mundo? Quantas mulheres impossíveis de aturar conhecem que – até elas! – se casaram, tiveram filhos e vivem uma vida feliz e harmoniosa, com direito à casinha branca com cerca e tudo, mesmo que toda a vida tudo levasse a crer que iriam terminar sozinhas? Não: o facto de alguém ter começado a namorar ou até ter-se casado não equivale a nenhum atestado de espectacularidade passado a ninguém, sejamos realistas. Os mal humorados mantêm-se mal humorados, não passam a comer algodão doce e a andar de carrocéis ao fim-de-semana, enquanto sorriem por tudo e por nada. As mulheres insatisfeitas não vão passar a aceitar um vale de compras no Continente, pelo seu aniversário, só porque se casaram. Ser comprometido não altera ninguém (salvo raras e abençoadas exceções, ok), por isso, o contrário também nada significa.
Pessoas solteiras, façam um favor a vocês mesmas: desliguem frases como “ah os bons já estão todos casados”. Não é de todo verdade. Casaram-se os bons e os maus, tais como os bons e os maus continuam à procura de alguém que os preencha. No fundo, nem há bom nem mau: todos temos pancas e defeitos, e manias e dias maus. O que há é que encontrar alguém que até nos ache piada nesses dias. E que esteja para nos aturar. Ah e cereja no topo do bolo – que nem chame a isso “aturar”, mas sim “namorar”. Por isso, deixem-se de manias e de pessimismos, e de generalizações e fatalismos. Sim? E agora vou comer algodão doce e andar de carrocel, que tornei-me uma pessoa cor-de-rosa e sempre a sorrir. Mentiiiiiraaaa. Adoro carroceis e algodão doce, mas tenho dias de muita "resmunguice". Só que, por sorte, há alguém que até gosta disso.

domingo, 13 de outubro de 2013

Estou oficialmente velha

Ontem, depois do reencontro e de toda a tarde juntos, tínhamos combinado sair com uns amigos. A ideia era encontrarmo-nos todos depois do jantar, sendo que o jantar deles estava um pouco atrasado e nós às 10h já tínhamos despachado o nosso sushi. Passámos bons momentos todos juntos este verão, a viajar, a conhecer praias e restaurantes, a dançar, a conversar sobre todos os assuntos possíveis e imaginários, e a dar uma de Tom Cruise no Cocktail e a experimentar cem novas receitas de gin tónicos - sim, muitos gins se beberam este verão. Éramos um grupo fresco e jovem! É assim que me lembro de nós este verão.

Ontem era suposto irmos sair e sermos jovens outra vez. Mas, como estávamos adiantados, sugeri-lhe procurarmos um filme engraçado e irmos matando o tempo de espera com uma sessão de cinema caseiro. O que aconteceu? Antes da meia-noite já eu dormia encostada ao ombro dele, embalada pelo "Bling Ring" (Sofia, onde é que estás neste filme? Foste mesmo tu que o fizeste? Até o Gossip Girl consegue ter mais intriga, suspense e emoções nos primeiros dez minutos de cada episódio). E nem me lembro de ir para a cama. Quando hoje acordei, tinha mensagens e chamadas no telemóvel dos nossos amigos. "Falhei!", pensei logo, em sobressalto. "Falhei mesmo!" Até que depois falámos ao telefone: afinal os meus amigos também estavam cansados e não saíram. E ligaram por isso: iam avisar-nos que estavam mortos e que tinham que ir dormir no fim do jantar.

E eu fiquei a pensar: para onde foram aqueles jovens tão radiantes e energéticos? Não sei. Mas aqui realmente não estão nem faço ideia onde se meteram. Se os encontrarem, olhem: divirtam-se com eles que são bem-dispostos e nunca estão cansados. Fazem uns gins tónicos como ninguém e adoram boa vida. Se quiserem jogar xadrez e falar de como é bom jantar às 18h e ver a Júlia, aí já podem contar comigo. Estou velha.

sábado, 12 de outubro de 2013

Saudade. Matar cada partícula de saudade.

Foi e continua a ser a minha tarefa do dia de hoje: matar cada partícula de saudade que ainda exista no meu corpo. Matar todas, uma a uma, que as sacanas ainda eram muitas e reproduzem-se a uma velocidade vertiginosa aqui por estes lados. E porque é que tinham gerado tantas? Porque o meu menino andou longe, bem longe em trabalho e só voltou hoje. E enquanto eu esperava e antecipava o reencontro no aeroporto, sentia-me estranhamente irritada, por isso dei por mim a lembrar-me de algo que a minha mãe me contou muitas vezes. A minha mãe (que tem repetido, nos últimos anos, o quão parecida com o meu pai estou a ficar) contou-me várias vezes que, enquanto estava na faculdade (estava noutra cidade) o meu pai ia buscá-la ao comboio sempre com ar de chateado. Diz que, no início, aquilo a perturbava e que não conseguia entender. Diz que não percebia porque é que algumas amigas saíam do comboio e tinham namorados sorridentes e saltitantes, cheios de dentes e braços, e ela tinha apenas um namorado um pouco carrancudo e que mal a fitava. E acrescenta que só mais tarde percebeu, ao procurar no olhar dele, que ali não havia frieza nenhuma: havia uma fortaleza que tentava segurar algumas lágrimas certamente formadas de saudades.

Hoje senti-me o meu pai. As saudades todas da semana criaram um muro imenso que hoje me tornou só uma palerma meia irritada sem saber sequer porquê.
- É esta a receção?
- É. Temos que sair daqui rápido, porque o carro está mal estacionado e há polícia lá fora.
Só em casa, horas depois, senti o muro a cair. Ele abraçou-me do nada e desatei a chorar sem explicação aparente. E chorei, chorei, chorei naquele abraço até sentir que estava tudo bem, que o momento era real e palpável. Sou uma palerma com as saudades. Mas porque sinto-as duma forma que não desejo a ninguém. E agora vou matar mais algumas que ainda aqui ficaram. Até amanhã.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Umas mãos do passado

Depois de ter tido esta semana o carro bloqueado por ter excedido o tempo de parqueamento (“adeus, € 95!!”), depois de terem surgido jantares com que não contava, ter sido confrontada com o Imposto único de circulação para pagar e outros mil gastos com que não contava, uma mão invisível veio diretamente do passado e resolveu cuidar d€ mim. Pois então hoje, ao vestir um casaco em que já não pegava há imenso tempo (pelos vistos, desde o Natal!), senti algo estranho num bolso que fui averiguar. O que era? Umas simpáticas notas dadas pela minha avó na altura do Natal que estavam ali há minha espera, pacientemente, há uns meses. Tirei-as e apeteceu-me enchê-las de beijos. A verdade é que muitas vezes, no meio da confusão do Natal, nem damos a devida importância a cada presente, individualmente. Tudo se torna um todo. Hoje, dez meses passados desde esse dia, aquele envelope que, na altura, foi "mais um", tornou-se hoje um Euromilhões para mim. Bem me diz a minha mãe que devia aprender a ser poupada: tem toda a razão, é que afinal sabe mesmo bem descobrir dinheiro que tínhamos guardado (ainda que de forma negligente).

PS: Sim, se me estás a ler, prometo que vou passar a ser mais poupada! É um grande defeito meu não o ser, bem sei...

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Primeiras impressões

Fui à máquina de café tirar um espresso. Enquanto esperava, alguém chegou e encostou-se, mas tentei não olhar diretamente. Optei por tentar espreitar pelo canto do olho, mas o sacana estava fora do meu ângulo de visão lateral e só conseguia ver-lhe a sombra e sentir-lhe a respiração. Tirei o café, rodei e finalmente vi quem era: um feliz desconhecido, que tinha decidido ficar atrás de mim, praticamente encostado às minhas costas, à espera. Não se mexeu.
- Com licença.
- Olá! Acho que ainda não nos conhecemos.
- Pois... acho que não.
- Prazer. X de Y e Z. (sim, era um nome pomposo e composto por "de" e "e")
- Prazer.
E eis que ele se atira e dá-me um beijo.
- Não ouvi o teu nome, acrescentou.
- Porque eu não disse.
- Ahah. Certo. Mas eu já sei o teu nome. És nova, é fácil saber.
- Pois...
- Olha: se precisares de alguma coisa, já sabes, ok? Estou ali. (e apontou para o lugar onde trabalhava)

Fui embora a achá-lo um parvalhão. Um convencido com a mania que era o maior. Um engatatão. Odiei o estilo com todas as forças. "Palerma!", fui a pensar. Até que, de tarde, voltámo-nos a cruzar, desta vez estava eu a conversar com duas colegas.
- Oláaaa!, disse-me enquanto piscava o olhos, num "olá" bastante mais longo que o necessário. E desapareceu. Não resisti e comentei com elas:
- Aquele tipo não tem a mania que é o maior aqui do sítio?
- Não!, disseram-me as duas em coro.
- Sou muito amiga dele, gosto muito da maneira de ser dele. O único defeito é que é muito tímido, mas acho que agora está melhor, disse uma delas.
- Tímido??
- Sim. Ele é super tímido. E então com mulheres...
- Não achei nada tímido, mesmo. Apresentou-se logo e pareceu ter imensa lata.
- Oh ele comentou comigo que te achou imensa piada. Mas se teve coragem para se apresentar devia estar nervoso e por isso é que o achaste parvo. Ele é muito fixe.
- Achou-me piada?
- Sim. Disse que eras meeeesmo gira.
E sorri. Eu, que me sentia irritada, gorda, cheia de olheiras e peso na consciência por não andar a fazer desporto nenhum, senti-me, por momentos, uma mulher renascida. "Gira". Uma palavra apenas e foi quanto bastou para me animar o dia. Sou uma fácil. Aliás, sou uma fácil de fácil e fácil. Até trabalhei com outro ânimo. Por isso, querida empresa, já sabes o que tens que fazer para me pôr a trabalhar das 8h às 22h sem "ai" nem "ui": manda uns anónimos funcionários atirar uns elogiozinhos de vez em quando (muitos não, que ainda me habituo) e vais ver a minha produtividade e felicidade a aumentar de dia para dia.

Alice no país dos livros

Alice Munro nasceu no dia 10 do sétimo mês do calendário gregoriano. E foi também no dia 10 do décimo mês que, 82 anos após aquele dia 10 do seu nascimento, recebeu o galardão máximo da Literatura, o Nobel. Sim, Alice Munro sagrou-se hoje uma escritora mundialmente (re)conhecida, e terá provado aos professores da faculdade que abandonou que o curso de Jornalismo e Inglês afinal se revelaram dispensáveis. Sagrou-se uma escritora mundialmente (re)conhecida e terá provado aos seus vizinhos que ter crescido numa quinta, com um pai agricultor e que cria raposas, não foi impedimento para nada. Mais: tudo terá até contribuído para que hoje lhe fosse atribuído o prémio de € 925.000,00. Viram bem: novecentos e vinte e cinco MIL euros. Novecentos e vinte e cinco mil euros pelo seu estilo de “Chekhov canadiano”, como os críticos a descrevem, descrevendo ainda os seus universos muito próprios, a partir de personagens aparentemente vulgares, em geral adolescentes, mulheres, com histórias muito complicadas pela vida moderna, pelas ruturas amorosas, pelas crises familiares, ao qual consegue dar uma dimensão trágica e simbólica e atribuir-lhes um destino e um amor simbólico. Novecentos e vinte e cinco mil euros.

Para mim, este dia contribuiu para descobrir quem é Alice Munro (confesso a minha ignorância). Pesquisar na internet tudo o que existia sobre os seus livros e biografia. Decidir que no final do dia passo na Fnac a comprar um destes livros: "Fugas", "O amor de uma boa mulher", "A vista de Castle Rock", "Demasiada felicidade", "O progresso do amor" ou "Amada vida", porque estou curiosa. Para me apetecer chorar de revolta pelo Murakami ainda não ter ganho. Será por ser mais novo e ter ainda muitos anos pela frente? Ah, e para sonhar eu também com os novecentos e vinte e cinco mil euros. Ou só novecentos e vinte mil euros. Sim, cinco mil seriam para pegar na malta toda que me lê e irmos todos comer e beber para festejar. ;)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O confronto animal

Descobri! Descobri! Descobri algo que sou mais corajosa que o meu homem. Pensei que ia morrer sem ter vivido esse dia, mas afinal ele chegou e até bem cedo. Pois então... Em que sou mais corajosa? Para perceberem, têm que recuar comigo uns anos. Não sou pessoa de grandes fobias (à exceção da terrível aversão a andar de avião, como já contei mil vezes), por isso enfrento todo o tipo de contactos animais sem grandes gritos ou saltinhos. Na verdade, confesso que cheguei a simular alguns gritos, perante a histeria feminina coletiva, quando era mais nova e via todas as minhas colegas guincharem e saltarem quando se falava de cobras ou aranhas. Gritava e saltava, no entanto, por pura simpatia e para não destoar do grupo - nessa idade só queremos ser iguais a todos os outros, não nos queremos destacar por motivo nenhum. Por isso, mesmo que me fosse absolutamente indiferente saber que ali estava uma aranha, eu abria a boca e reproduzia o mesmo som, e mostrava o mesmo esgar de medo que todas elas, sem pensar muito. Cá dentro, nunca senti medo nenhum. Se estava sozinha, brincava com aranhas, apanhava abelhas com camisolas grossas, levava bichos da seda em caixinhas para casa, tentava encontrar cobras nos campos e só não gostava realmente das centopeias e das baratas, por achar mais estranhas. Por isso, nunca passei por nenhum daqueles momentos em que fui, enquanto donzela em perigo, protegida por um rapaz após o confronto com um animal feroz. O único animal de que me podiam proteger era dum avião, mas nunca o souberam fazer.

Assim, cheguei até hoje sentindo-se sempre em pé de igualdade com os homens perante o mundo animal. E com o meu em particular, que também não tem medo de bicheza nenhuma. Bem, achava eu que não tinha. Já nos metemos com todo o tipo de animais e nunca tinha detetado nele qualquer fobia estranha. Até agora. Estávamos num café a comprar duas águas e aproveitei para ir ao WC. O que vi? Uma cauda na sanita. Sim, na sanita. Uma cauda cor-de-rosa gigante a mexer-se. E não, eu não estava drogada nem sob o efeito de medicamentos em doses exageradas. Saí do WC e fui chamá-lo, qual criança traquina, porque achei que ia achar piada à descoberta.
- Anda cá comigo.
- À casa-de-banho?
- Sim, quero mostrar-te uma coisa.
Ele veio a sorrir, talvez convencido que fosse alguma proposta mais marota. Nem olhou para a frente, vinha a sorrir para mim, agarrado à minha mão.
- Ora espreita!, pedi-lhe.
De repente, ele desapareceu. A minha mão ficou vazia em menos dum nano-segundo.
- Hey!
Ele estava a metros, já, e pálico.
- Estás maluca?? É um rato!! Que nojo!!!!
Sim, o meu homem não tem medo de bicheza nenhuma. Exceto ratos. Venci. No reino animal, Pippa 1. Homens 0.

Posso fantasiar com ela?

A rever um episódio da 5a temporada do "How i met your mother"/ "Foi assim que aconteceu", deparei-me com um diálogo entre a Lily e o Marshall de que me lembrava vagamente: o Marshall revela a Lily que a única forma de fantasiar com outras mulher é matá-la. Dito de outra forma, o Marshall só consegue imaginar-se com outra mulher num mundo em que a Lily morreu e em que ele, triste viúvo, se vê obrigado a concretizar o desejo da sua falecida: estar com outra mulher. Marshall explica que só assim consegue viver a sua fantasia em plenitude, sem pesos de consciência. E estava a ver isto e a rir, perante a ingenuidade do Marshall e perante mais este pormenor engraçado da relação deles. Estava a ver isto e a rir "ahah qual é o mal dele fantasiar com outras? É só fantasia, não é real. Não é traição nem nada...".

Só que acabei de pensar nisto, parei dois segundos e pensei melhor: quem é que quero enganar? Toda a gente quer ter um Marshall na sua vida, mesmo que negue. Ninguém gosta de saber que, por vezes, a pessoa com quem estamos pode fechar momentaneamente os olhos e imaginar-se com alguém que não nós. É daquelas coisas que podemos fazer às escondidas e de forma não assumida, mas não podemos sonhar com que ele/ela também o faça. Verdade? É estranho pensar... Por isso... Já decidi o que quero: um Marshall. Alguém que seja fiel até em pensamentos, sonhos e fantasias. Porque claro que eles nunca vão assumir perante nós que às vezes se imaginam com outra pessoa, mas a natureza humana é mais forte e a dada altura eles hão-de o fazer. Eles todos... menos o Marshall, claro!


Por isso, tu, se me estás a ler, se quiseres imaginar algo indecente com alguém que não comigo, primeiro coloca-me estrategicamente a morrer, nessa tua fantasia, e só depois do funeral é que podes dar asas à imaginação, ok? (Ah... Com sorte, a minha morte corta-te a pica toda. Ah. Ah. Ah.)

Duas semanas e Meia

E, após duas semanas e meia, tenho a informar quem continua a ler este blog moribundo que.... que... estou de volta! E em força! Não me vou repetir com tudo o que já disse - novo trabalho, blábláblá -, mas vou acrescentar outro facto que ainda não tinha revelado: também andava sem internet em casa e sem wifi no trabalho. Conclusão: no meio disto tudo, o pacote de dados que subscrevi para o telemóvel foi ao ar ao fim de meia dúzia de dias de utilização compulsiva, pelo que aqui a vossa querida amiga andava praticamente desligada do mundo. Nada de Facebook, nada de ler blogs, nada de ver o email pessoal, nada de espreitar sites. Nada de nada: aqui a je foi praticamente obrigada a concentrar-se apenas no trabalho, porque a verdade é que nem nos momentos de pausa podia ir à internet. Ah... porque é preciso acrescentar que tenho praticamente todos os sites bloqueados durante o dia, se tentar  aceder pelo computador profissional. Assim sendo, eu, que passei o último ano praticamente mergulhada neste mundo virtual, vi-me dum momento para o outro expulsa destas lides e atirada de forma cruel para esse mundo palpável (e mais cinzento, há que admitir).

Se foi agradável concentrar-me no tal mundo palpável e real? Não! Foi apenas cansativo. Muito cansativo... Depois de nos habituarmos a estas leituras e escritas diárias, custa muito vermo-nos desligadas de tudo. Por isso, sinto que hoje reavi parte da minha vida: voltei a ter internet em casa, voltei a ligar o meu computador que tanta falta me fazia, e estou a tentar recuperar tudo o que perdi nestas últimas duas semanas e meia. A leitura dos meus blogs preferidos volta hoje à velocidade de cruzeiro. Quanto à inspiração e a vontade de escrever de forma compulsiva também continuam por cá, como sempre. Só que, se agora não tinha o meio de a colocar em prática, hoje recuperei todas as minhas armas. We're back. Eu, o meu computador, e a internet. E estávamos cheios de saudades vossas.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O Sr Zé

Hoje cruzei-me, por coincidência, com uma pessoa que não via há um ano e que foi meu vizinho durante algum tempo. Corrijo: foi praticamente parte da família durante algum tempo. O Sr Zé tinha, quando o conheci, 78 anos, mas em genica fazia ver a muitos adolescentes. O Sr Zé subia os lances de escadas a correr até ao seu andar, evitava elevadores e percorria quilómetros por dia, de carro e a pé. Acredito que a maioria dos quilómetros seriam percorridos a pé, porque o Sr Zé não tinha paciência para o trânsito e gostava de fazer ver a toda a gente a energia que tinha para dar a vender. No entanto, mais que a energia, ao Sr Zé interessava-lhe verdadeiramente era vender os seus suplementos alimentares de que era representante em Portugal e líder de inúmeras equipas de vendas. O Sr Zé acompanhou o percurso duma tal marca americana no nosso país a trabalhar em esquema de pirâmide, e encontrava-se, hoje em dia, bem lá no topo, conforme o seu carro - topo de gama, a ostentar orgulhoso autocolantes atrás - o bem demonstrava.

O Sr Zé repetia-me muitas vezes "nós somos o que comemos! Olhe para mim!". E mostrava-me sempre, nestas alturas, uma fotografia dele com alguns anos e muitos quilos em cima. "Vê? Eu era assim. Com estes produtos fiquei dez anos mais novo e com mais energia. Pergunte lá à minha mulher!" E a mulher (mais concretamente, segunda mulher e visivelmente mais nova) sorria e acenava que sim, com um sorriso maroto. O Sr Zé queria tanto que eu experimentasse os produtos que às vezes tocava-me à campainha logo pela manhã e entrava-me pela casa a sorrir e com dois batidos "para começar o dia com mais energia!!". Confesso que passado alguns meses comecei a cansar-me do Sr Zé. E a evitar falar tanto com ele, porque começou a tornar-se repetitivo.

A dada altura, no entanto, o brilho no olhar dele mudou: estava chateado com o neto. E, por isso, nenhum batido do mundo o iria pôr bem. Chegou ao ponto de usar o elevador, certo dia. E ainda tentar disfarçar quando o vi. Aí tentei reaproximar-me dele e ajudá-lo, mas o Sr Zé tinha recuperado quilos perdidos, desta vez em formato de tristeza, e nada o conseguia ajudar. Foi assim a última vez que o vi, antes de nos termos desencontrado até hoje.

Hoje, quando o revi, senti um frio no estômago: o Sr Zé! O olhar estava límpido de novo. O passo ágil. Chamei-o. Virou-de logo para mim. Um abraço sem pensar. Contou-me que estava outra vez bem. Estava novo.
- E os batidos, Sr Zé?
- Sempre! Nunca me esqueço dos meus produtos todos. Somos o que comemos!
- E lá em casa, tudo bem?
- Sim, finalmente. Sabe... Arrisco-me a dizer que, mais importante que todas estas tretas de que lhe falo (eu sei que a canso!) é mesmo a família. Preze sempre a sua!
- Eu prezo...
- Somos a família que temos.

O Sr Carvalho está um homem novo. E tinha saudades dele como nunca pensei. Raio do homem que era um chato, mas que me pôs a gostar tanto tanto dele...

Age sempre como...

A discussão não foi lançada por mim, foi lançada por uma amiga, mas achei o tema tão interessante que eu própria fiquei a pensar nele alguns dias. Pois então dizia-me a minha amiga que o lema duma pessoa conhecida era "age sempre como se estivesses a ser observado", mas que ela defendia o lema oposto, isto é, "age sempre como se não estivesses a ser observado". Dizia-me então a minha amiga que o primeiro induzia-nos a uma vida de teatro, a uma vida educada e cheia de boas maneiras, mas, por outro lado, uma vida muito pouco honesta e real, dado que estaríamos sempre a ver-nos aos olhos dos outros e a contar com julgamentos alheios. Já o segundo iria levar-nos a uma vida talvez mais primitiva, desarrumada e com menos modos, mas iria permitir-nos sermos sempre autênticos e com a nossa própria moral e princípios, alheios às críticas de terceiros.

Inicialmente fiquei inclinada para o primeiro lema, que me parecia mais apropriado em todas as ocasiões. Na dúvida quanto a algum gesto, pensar "se alguém me estivesse a ver agiria como?" pareceu-me uma ótima bússola moral. E poderia ser utilizado em todo o tipo de situações, desde o quotidiano, às demais tarefas em casa, até ao trabalho, passando pelas relações. No entanto, perante aquela exposição da minha amiga, comecei a pensar melhor e concluí que realmente este lema de vida pode levar-nos a viver um teatro. Pode levar-nos a agir assim por receio das opiniões dos outros, apenas. No entanto,
 a nossa verdadeira natureza só será atingida se agirmos sempre como se ninguém nos estivesse a ver. Se soubéssemos que ninguém saberia, o que faríamos? Isso sim, revelará a nossa essência. E quem conseguir agir sempre de forma correta de acordo com este lema recebe, sem dúvida, todo o meu apreço e admiração.

sábado, 5 de outubro de 2013

Dias de coração cheio

Não sou de depressões ou grandes tristezas, mas estas duas semanas custaram-me para caramba. O ter que me impor num sítio novo, o próprio trabalho novo, pessoas novas, tudo aliado a dias de doze horas em frente a um computador deixaram-me a sentir vazia nos espaços em branco. Deixaram-me a sentir tristonha. Deixaram-me muito mais em baixo que o normal. Como se no final tivesse ficado tudo no trabalho, todo o meu suor e concentração, e cá fora fosse só apenas uma sombra intermitente. Andava a sentir-me assim... 

Ontem à noite, no entanto, algo aconteceu. Terá sido o fim-de-semana à porta? Terá sido o jantar num restaurante que me é tão especial, a sentir-me na Argentina, mas com uma vista perfeita sobre a cidade? Terá sido o pós-jantar, o ir beber um copo nas alturas e a sentir-me acima de todos os problemas (quem quiser ter uma noite especial, sem pensar tanto na carteira e ver Lisboa doutra perspetiva, tem que ir experimentar um bife de chorizo ao La Paparrucha, junto à janela, e a seguir ir dar um salto ao Silk)? Hoje o dia amanheceu também feliz, cheio de abraços, beijinhos, sol e com direito a almoço em cima da praia. Precisava disto: dos beijinhos, do sol e de recuperar energias. Precisava de viver fora de quatro paredes, de ver pessoas diferentes, de ver o mar, de ir a sítios bonitos, de rir, de falar de palermices, das minhas pessoas... Sim, não sou de depressões e grandes tristezas, mas às vezes todos vamos abaixo e não há nada como dias destes para recuperarmos.

Ps: no meio disto tudo nem a Casa dos Segredos consegui ver ainda! Nem um segundo! Estou a perder muito?

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A minha Gaiola

Ontem o dia terminou com a “Gaiola Dourada” – sim, finalmente sinto-me “pessoa!”, pois devia ser o único ser vivo em Portugal que ainda não tinha visto o filme. Se me ri até chorar? Não. Mas sorri umas vezes. E ri com vontade outras. Não considerei o humor brilhante, mas nem estava à espera que fosse (para quem adorava o “Seinfeld” com todas as forças praticamente todo o período pós-série é de luto e de desilusão). Aliás, confesso que até aconteceu o contrário: o sentido de humor até me surpreendeu, porque esperava pior. Para quem já teve vergonha alheia em filmes com a Jennifer Aniston, Ben Stiller ou o Adam Sandler, em momentos rústicos e primitivos de humor que envolvem quedas, problemas intestinais ou personagens completamente caricaturadas, este filme nem teve muitos momentos desses. Dispensava a parte do cunhado da Rita Blanco a praticamente morrer na casa-de-banho, dispensava a Maria Vieira* a cortar o frango e a intimidar o patrão, dispensava a Maria Vieira a dançar em cima da mesa com a patroa, dispensava falar-se tanto de “bacalhau”, mas vi a sala inteira a rir-se com estas passagens, por isso julgo que se conseguiu o expectável: divertir a maioria.

Se houve demasiados “clichés”? Talvez. Mas sei que esta geração de emigrantes é diferente da nova vaga “cool” de emigrantes, que se sentem mais cidadãos do mundo que propriamente Portugueses, e que nem levam essa ideia da “portugalidade” tão a sério. Há uns anos, conheci uma comunidade de emigrantes portugueses de Elizabeth, uma cidade americana pertencente ao estado de New Jersey. Estes emigrantes viviam a dois passos de Manhattan, bastaria meterem-se no metro para, em meia hora, estavarem em plena Times New Square. No entanto, viviam ali, de forma orgulhosa e teimosamente portuguesa, lendo os seus jornais da Comunidade Portuguesa, comparecendo nas reuniões e festividades do Clube Português de Elisabeth, e ostentando com orgulho símbolos da sua saudosa pátria. As mulheres exibiam penteados que foram um “hit” nos anos 80, plenas de volume Elnett e franjas ripadas. Os homens vestiam camisas com padrões iguais àquele que encontramos nos nossos pais nos álbuns de família da nossa infância. Eles tinham parado no tempo. Ouviam rancho e fado procurando manter-se iguais ao que eram quando cruzaram o Oceano, há décadas atrás. Viam o Benfica com a mesma fé. Os filhos, Jennifer Pereira ou John Ribeiro, eram 100% americanos, mas eles recusavam-se a “americanizar-se”, como se isso simbolizasse uma ofensa à pátria. Acreditem que, ali, senti-me eu própria pouca Portuguesa…

E tudo isto para dizer que acreditei, portanto, no filme. Acreditei na história destes portugueses que saíram em busca de uma melhor vida, mas que tentam manter aquilo que associam às suas origens. Acreditei na história destes portugueses que querem voltar, mas cujos filhos se sentem já desligados daquele país de que os pais falam. Achei comovente e credível o namorado da filha levar mais a sério o “ser português” que ela própria. O filme pode não ser brilhante. Mas fez-me acreditar na família. Se senti vergonha de ser portuguesa? Não, não senti. Senti-me até orgulhosa destes portugueses que, mesmo estando longe, gostam tanto do seu país. Pode ser um país diferente daquele que vejo, um pouco mais “kitsch”, cheio de imagens da Amália, dos pastorinhos, cheio de Benfica, bacalhau e fado, mas, apesar de tudo, é o país deste tipo de emigrantes. E é um filme melhor que 99% dos filmes com atores portugueses que vi até hoje.


*Obrigada, pessoas atentas que me chamaram a atenção - sim, tinha escrito "Maria Rueff". É bom ver que estão mais acordados que eu. ;)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Estive no paraíso e voltei.

Desde que comecei esta nova fase profissional andava cansada. Aliás, cansada era pouco: andava de rastos. Não gosto de me queixar (mas já o fazendo), só que neste caso era inevitável. É que não foi só o cansaço “psicológico”, foi também o cansaço físico, o mudar livros, e dossiers, e montar mesas, e cadeiras, e viajar, o ter que falar com pessoas novas, ter que refazer hábitos, descobrir sítios. É cansativo e é lixado. Hoje de manhã falaram-me dum massagista que faz massagens de vinte minutos no próprio escritório.
- Não tens que sair daqui. Ligas-lhe e ele vem cá ter.
Sim, porque o ideal é manterem-nos bem pertinho. Felizes, mas perto, não vá sermos precisos a qualquer momento.
Sei que estes mimos funcionam como os telemóveis dados pelas empresas ou como os computadores – tratam-se de presentes envenenados, são presentes que primeiro nos alegram a boca, mas depois sabem a amargo. Primeiro, o telemóvel sabe bem. Tem internet, a câmara até é boa, podemos ir espreitar o Facebook à custa da empresa… Só que, depois, vem o reverso da medalha: as chamadas a qualquer altura (e a obrigação de se atender), emails por tudo e por nada, com dúvidas “rápidas” ou “pequenas”, mas que cada vez se vão tornando mais constantes e insistentes.
Isto das massagens é semelhante. Eu sabia que era, mas não resisti. Duas mãos chamavam por mim, meigas e vigorosas, num cocktail perfeito de prazer e descontração. Lá fui eu, quase a salivar. As mãos não desiludiram: eram realmente suaves e, simultaneamente, fortes. Aquilo estava a saber-me pela vida. Fechei os olhos, senti-me nas nuvens. De repente, todas as dores começaram a estar longínquas. Todo o cansaço desapareceu. Eu só sentia as nuvens, fofas e aconchegantes. Tão aconchegantes. Eu voava para longe de tudo, num plano em que os problemas não conseguiam chegar. Eu… eu estava a dormir. Eu estava a dormir em pleno de dia de trabalho e no escritório.
- Pronto. Por hoje ficamos por aqui, ouvi dizer num mundo à parte do meu.
Nem sei se respondi. Ouvi apenas um grunhido, seria o meu?
Deixei-me ficar mais uns segundos. Tão perto de tudo… e, ao mesmo tempo, tão longe. Voltei pronta para trabalhar a duplicar. Sim, o mal dos presentes envenenados é isto: a seguir, queremos agradecer a duplicar. E eu sei que hoje não páro de trabalhar tão cedo, tamanha é a gratidão que sinto. Quem é que me mandou a mim gostar tanto de presentes (mesmo destes)?

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Contacto com Deus

Primeiro contacto com “Deus” – calma, não estou louca… os colegas é que tratam assim a figura máxima da hierarquia por estes lados. Trata-se de uma figura desconcertante, segundo me dizem, e capaz de deixar qualquer pessoa atrapalhada ao primeiro olhar. Cruzo-me com “Deus” no corredor.
- Olá, bom dia!
- Bom dia!
- Então como corre a adaptação?
- Bem, obrigada.
- Já tem muito trabalho?
- Sim. Muito trabalho, mesmo.
- Pois, e habitue-se, porque aqui nunca falta trabalho.
- É bom sinal, não é?...
- Pois. Sempre a trabalhar das 9h às 10h, ou 11h…

- Ai sim?
- Sim, habitue-se.

- Trabalhar das 9h às 10h parece-me fácil. É uma hora, deve passar rápido.
- (Risos forçados. Momento em que o sorriso se fecha e o vejo a pensar “será burra ou estará a fazer uma piada? Na dúvida, deixa-me explicar-lhe”). Pois, antes fosse 10h da manhã. É 10h da noite.
Risos forçados de parte a parte. Palavras impercetíveis e um “até já”.

O meu primeiro contacto com “Deus” teve, nitidamente, um balanço negativo. Ou me acha burra ou com a mania das piadinhas. E eu estava só desarmada e atrapalhada ao vê-lo. (Ou será "vê-Lo"?) Maldita timidez.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Numa cave às 4h da manhã

Acontece-me muitas vezes quando ando em alturas de maior stress ou de grandes mudanças: começo a ter sonhos estranhíssimos, acordo metade das vezes a meio da noite a tentar sair de grutas e de caves minúsculas onde me prenderam e o ar escasseia, e de manhã desperto totalmente antes do despertador com a cabeça a mil a fervilhar de planos, ideias e “to-do lists”. E odeio a sensação. Esta noite voltou a acontecer: às 4h da manhã já eu estava presa numa cave exígua, sem luz e quase sem ar. Sabia que ia viver ali para sempre, mas estava desesperada e queria fugir o quanto antes. Consegui: pus-me a pé, acendi a luz do candeeiro e acordei a tremer e transpirada. O subconsciente é tramado! Hoje preciso de correr novamente, quer chova ou faça sol, a ver se estes fantasmas que me visitam em sonhos ficam para trás. Não tenho feito desporto nenhum – zero! – e o corpo ressente-se, já me pede que o ponha à prova, que o canse. É que, para mim, nunca houve nada melhor para combater uma cabeça cansada que um corpo também cansado. Conhecem mais segredos para combater pesadelos?