quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Faltam-me as Palavras


Ainda me lembro de, há uns anos - talvez 2010 -, ter o hábito de acordar e ir logo ler, duma assentada, os blogs todos que seguia. Tinha cerca de 10 blogs de eleição e, apesar os mesmos não incluírem fotografias e não conhecer a identidade dos seus autores, utilizava a imaginação para preencher o que a ignorância não sabia nem tinha maneira de saber. Talvez fruto desse quase-anonimato, os blogs eram também mais transparentes. Partilhavam-se dramas, desejos, pensamentos e desabafos, quase em modo diário, pois viam-se os leitores como amigos e não como comentadores anónimos maliciosos. A escrita era partilha, em que o blogger escrevia sobre um tema e os leitores muitas vezes respondiam com a sua visão do mesmo. Não havia cá medos da crítica gratuita, até porque os blogs eram ainda um mundo mais ou menos fechado, em que só ia, praticamente, quem seguia o autor, o apreciava e queria conhecer o seu percurso.

Gradualmente, os blogs começaram a evoluir e a permitir a inclusão de fotografias, de forma cada vez mais apelativa. Nasceram então as Chiaras Ferragnis (à data, ainda muito à sombra da marca “The Blonde Salad”) e as Alexandras Pereiras (à data, também debaixo do nome “Lovely Pepa”) e deu-se a junção entre o texto e a moda. Começou a ser comum a partilha de várias fotografias com o look do dia e textos a acompanhar, mais ou menos pessoais, incluindo as marcas das vestimentas. Contudo, os textos estavam lá sempre. E o que me continuava a agarrar era exatamente isso: não queria ver (só) a roupa, queria saber onde é que a roupa ia e porque é que ia. Queria conhecer a história por trás das fotografias. Voltando à Chiara e à Alexandra dos exemplos, por exemplo, conheci os namorados de cada, entretanto ex, acompanhei os desgostos de amor, as novas paixões, as finais dos cursos, conheci os pais e os amigos.

Até que a Instagram nasceu e, com ele, a migração em massa. As bloggers de moda tinham ali uma plataforma mais rápida, acessível no telemóvel, de consumo mais imediato. Para quê escrever longos textos que, tantas vezes, nem se conseguia ler bem no telemóvel, se os textos se podiam agora resumir a uma legenda da fotografia com o look do dia? Inicialmente, aceitei bem a mudança e aderi logo. Eu própria ia partilhando fotografias e perdendo cada vez mais tempo a ver fotografias maravilhosas de paisagens paradisíacas e de looks que eu imaginava só ser possível nas revistas de moda. Foram tempos criativos. Até que todas as fotografias começaram a ser iguais. A mesma cor sépia. As mesmas poses desprevenidas. As mesmas comidas. Os mesmos lugares. Às bloggers juntaram-se anónimas mais ou menos magras e mais ou menos fotogénicas, que nunca tinham escrito uma linha, mas sabiam tirar fotografias e gostavam de roupa ou de viajar. Continuo a ser consumidora da aplicação, mas noto que a imaginação e os textos cada vez mais escasseiam.

Em simultâneo, o Youtube começou a ganhar mais adeptos, com novas personalidades expansivas e extrovertidas a partilharem dicas de tudo e mais alguma coisa. E nova migração em massa dos bloggers.

Depois, os Podcasts. Para quê ler se podemos ouvir as mesmas palavras enquanto andamos, corremos, conduzimos ou fazemos o jantar?

Mais recentemente, o TikTok, com as instagrammers a começarem a dançar e a fazer vídeos curtos, numa espécie de Youtube versão fast food.

E os blogs? Esses, ficaram como as aldeias do interior, quando os seus habitantes emigram todos para o Porto ou Lisboa: vazios, com os seus anciães a guardarem as memórias e a dar indicações aos turistas que por ali passam, quase em modo decorativo. Os blogs ficaram quase vazios.

Por isso, sinto falta de ler. Mas textos bons, intimistas ou sarcásticos, opinativos e sinceros. Adoro moda e as fotografias do Instagram inspiram-me. E aderi também aos Podcasts, que me fazem companhia a correr, por exemplo. Adoro a novidade e acompanho a evolução da tecnologia com atenção e proximidade, não me interpretem mal.

Mas…. E as palavras? Sem ser em papel, onde lemos agora bons textos por aqui, por este sítio começado por htpp? Não lemos, certo?