terça-feira, 2 de dezembro de 2014

BoyHood - ou as mulheres bonitas demais

Tinha um amigo que era apaixonado por uma amiga nossa em comum (entretanto lembrei-me que até já contei essa história aqui). A nossa amiga em comum, verdade seja dita, era (é) uma das mulheres mais bonitas que conheço. Cara muito simétrica, olhos separados um do outro com a distância correta, muito grandes e expressivos, pele impecável, dentes de anúncio, sorriso rasgado, pele de porcelana, cabelos fortes e brilhantes, alta, magra, sempre muito bem vestida e com uma voz muito suave. O meu amigo era completamente apaixonado por ela e estava sempre a repetir o perfeita que ela era. Foi apaixonado por ela muito e muito tempo. Até que um dia me disse que tinha conhecido outra rapariga e que tinha começado a namorar. Tivemos um diálogo parecido com este:
- Então não eras apaixonado pela...?
- Era. Ela é perfeita.
- Pois.. e nem sequer fazes nada quanto a isso? Vais deixá-la escapar?
- Vou. Ela é perfeita, é uma mulher lindíssima, mas nunca conseguiria namorar com ela. Cansava-me. Prefiro mulheres menos perfeitas. Há mais surpresa. Não cansam tanto.

Quando, no sábado, comecei a ver o novo filme do Richard Linklater, "Boyhood", comecei a ver com a expectativa de estar prestes a ver um dos melhores filmes dos últimos anos. Não só é ele o realizador de uma das minhas trilogias preferidas - os "Antes" -, como também a ideia por trás da história e todas as críticas que já tinha lido elevavam as minhas expectativas para os píncaros. Sim, estava certamente perante uma obra-prima, com uma ideia nunca antes vista de gravar cenas durante 12 anos para os atores acompanharem verdadeiramente o crescimento das suas personagens na ficção. No entanto, quarenta minutos depois de começar a ver a obra-prima, já eu dormia enquanto os anos da história (e os longos minutos do filme) passavam. Continuei a ver o filme no dia a seguir. Vi até ao fim, mas tive que me esforçar por não adormecer outra vez. Eu sei que tenho uma filha que não me deixa dormir e que pode ter sido isso a justificar o meu desinteresse pelo filme, mas não consigo deixar de comparar o filme à mulher perfeita do meu amigo. O filme é um espetáculo visual. É mesmo. Ver os anos da história a passarem, e os atores a mudarem também, é de mestre. Sem dúvida. Mas é só isso. O filme é uma mulher bonita, simétrica e esteticamente perfeita mas desinteressante, no sentido em que a ideia por trás dele é tão boa, que nem parece ter havido grande esforço extra para tornar a história profunda. Algo do estilo "a ideia é boa que nem temos que nos esforçar".

A ideia é realmente ótima, mas a história não tem profundidade, não nos desperta emoções, não nos faz rir ou chorar, não mexe connosco. Gostamos de olhar. É maravilhoso ver, de quinze em quinze minutos, as personagens a tornarem-se mais velhas e assistir ao crescimentos dos atores. É maravilhoso sentir que somos espectadores convidados da vida alheia e que podemos acelerar o tempo alheio, como se fôssemos pequenos deuses. Mas é só isso. Não mais. Os diálogos não são tão complexos como seria de esperar. A música não é tão boa como podia ser. Mesmo os atores parecem estar só a meio gás. Sim, o filme é maravilho. Mas, tal como a seguir o meu amigo escolheu a mais feia, também nós vamos preferir outros filmes, porque, mesmo com mil defeitos, têm mais interesse e piada. No caso do filme, continuo a preferir os "Antes", com todas as suas imperfeições. Pelo menos, fizeram-me sonhar. Este filme apenas me deu sono (o que também permite sonhar, mas não, não é a mesma coisa)...

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