quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Não sabemos o que queremos

"Manual sobre as Mulheres: como funcionam, como conseguir agradar-lhes e fazê-las feliz."
Volume I já à venda.
Eles queixam-se que dizemos uma coisa e queremos outra.
Que damos sinais contraditórios.
Que umas vezes gostamos de mimos e outras vezes de paixão mais assolapada.
Que às vezes rimo-nos. E que, por vezes, a mesma coisa nos irrita.
Tenho noção que sou assim e admito-o.
Ontem, perguntou-me se achava bem que fosse até casa dum amigo jogar um jogo da Playstation em que andam todos os amigos viciados (eu cheguei a tentar jogar, mas desisti... achei mau demais!). Olhei para ele, meio tristinho com o resultado do jogo de futebol a que tinha acabado de assistir, a fazer olhinhos de bambie e lá lhe disse, sem pensar duas vezes: "claro que sim! Vai, que sempre animas um bocadinho e eu aproveito e adianto trabalho para amanhã". "E qual é o limite de hora que me dás?". Pergunta-me sempre isto, como se eu fosse mãe. Eu acho piada. Às vezes negociamos. O que é certo é que, diga a hora que disser, ele cumpre sempre, religiosamente, feito relógio suíço. A maior parte das vezes até é ele que se auto-impõe um tempo limite e aparece antes da hora. Muito bem educadinho, o rapaz (e não, não foi por mim. Já me foi entregue assim, domesticado. Parabéns, sogrinha!).
Lá foi ele, feito puto, e eu a sentir-me espectacular por ser tão compreensiva e só me preocupar com a felicidade dele. A hora limite ontem, dita por ele, era meia-noite e meia, o que lhe dava duas horas de pura matança na Playstation. Eu atirei-me ao computador, no silêncio da casa, a trabalhar.
Quando olhei para o relógio já era uma da manhã. O mal das pessoas pontuais é este (e por isso é que eu não sou, coff coff): quando se atrasam, estranhamos. Comecei a ficar irritada e com pensamentos como "é sempre o mesmo, não chegou ter passado duas horas a ver futebol, ainda se vai embora no fim, ter com os amigos. Que lata.." e a linha de pensamentos ia sempre piorando.
Lá chegou.
- Então? Muito bem, que pontual, ironizei.
- Oh... gozas sempre comigo por até vir antes da hora! Algum dia tinha que me atrasar.
- Mas não percebo: tens sempre sono. Hoje que estavas com os teus amigos já não te deu o sono, foi?
- Deu-me o sono, mas o jogo não acabava. Correu mesmo bem! Batemos os records todos!! Vamos para a cama?
- Nãa nãa. Se não tens sono para os teus amigos, também não tens sono para mim! Vou pôr música e temos que dançar e aproveitar que estás tão desperto!
Pus a música nas alturas. Ele ria-se, enquanto vestia o pijama. Lá me ri também e percebi que realmente nunca sei o que quero. Gosto que ele esteja com os amigos e incentivo-o sempre a marcar coisas e a ligar-lhes, porque é que já estava irritada? Gozo-o por chegar sempre antes da hora e hoje ia chatear-me? Insisti para que fosse, toda compreensiva, e agora ia amuar? Lá desliguei a música.
- O que te vale é que ao menos admites que és incoerente e ris-te de ti própria. E sabes que eu te acho piada, dizia-me ele, enquanto apagava a luz.
Pronto, é o que me vale. Desliguei a música.

Vêem o livro da imagem em cima? Realmente são precisos muitos livros daquele tamanho para se perceber estas confusas cabeças femininas. ;)

Uma paixão corrosiva

Esta é uma daquelas história que têm que ser contadas ao contrário: do fim para o início. Primeiro, sabemos como terminou e só depois, aos poucos, vamos tendo acesso a todos os pormenores que nos fazem recuar no tempo até chegar àquele primeiro ponto onde tudo começou.
Neste caso, a verdade só foi desvendada naquela Terça-feira fria de Inverno, em pleno julgamento, perante o choque do juiz, procurador, advogados e testemunhas.
Mas, para chegar a esse dia, meio ano foi preciso esperar. Seis meses de dúvidas, acusações várias, insultos, carrinhas destruídas, teorias da conspiração sussurradas em todos os cantos daquela terra conservadora. E mal sabia aquela gente que a imaginação de todos juntos não chegava perto da verdadeira história.
Pois recuemos então para o dia em que tudo começou: aquela jovem loira, de madeixas impecavelmente feitas, pele queimada pelo sol, um pouco forte e voz grave acordou a sua rua, naquela manhã quente de Agosto, com um choro descontrolado. "O que aconteceu? O que aconteceu??", acudiram prontamente os vizinhos. "A minha carrinha foi destruída! Está sem tinta, cheia dum líquido estranho! O que vai ser de mim? Vou ficar sem a minha carrinha! Vou levá-la à oficina a ver o que podem fazer. Vai custar-me os olhos da cara, aquele estrago!!"
Perante aquele choro transtornado, ninguém se lembrou sequer de pedir para ver a carrinha. Teria-a guardado, pois claro, para não se estragar ainda mais sob aquele sol tórrido. As dúvidas começaram prontamente: "quem seria capaz de tamanha maldade?".
A jovem tinha, no entanto, a resposta: uma testemunha tinha assistido a tudo, apontado a matrícula da viatura de onde saíram os vândalos e ela ia descobrir a quem pertencia a referida viatura. O advogado iria ajudá-la. Reuniram-se e ela contou-lhe da nota deixada na sua carrinha dizendo, apenas "Sei quem fez isto ao seu carro. A minha morada é XXX" e do encontro que teve com a testemunha, uma senhora que nunca tinha visto na vida, mas com grande sentido de dever cívico. Descreveu ao advogado a marca da viatura, cor e matrícula. Tal como a jovem desconfiava, juntos apuraram que era exactamente a pessoa que tinha em mente: uma antiga colaboradora sua que tinha lidado mal com a não renovação do contrato de trabalho.
O advogado tinha a vida facilitada, portanto. Tinha testemunhas, tinha o orçamento da oficina, e tinha a identificação de quem tinha, alegadamente, causado os estragos. Teve também conhecimento de que muitos outros processos com aquelas mesmas partes existiam já.
A história parecia simples: como tantas vezes acontece, os trabalhadores não reagem bem ao fim do contrato e revoltam-se contra a entidade empregadora. Não havia ali nada transcendente.
No dia do julgamento, a arguida chegou cabisbaixa, vestida com uns jeans gastos e um casaco de ganga também, cabelos castanhos bem tratados e voz hesitante. Parecia nervosa com o confronto com a sua antiga empregadora. Os presentes pensavam todos sensivelmente o mesmo, quando olhavam, ora para uma, ora para outra: "infelizmente, com o desemprego que há, percebe-se que as pessoas não lidem bem com isto". A arguida, nervosa, tremia. Até que, quando foi ouvida, a sua voz ergueu-se, segura, e, com confiança, revelou um dado até aí não revelado: "tivemos uma relação".
- Como?
- Tivemos uma relação.
- Uma relação de trabalho?
- Não. Agora é legal, não é? Pode-se dizer... uma relação...
- Relação... Eram namoradas, é isso que quer dizer?
- Sim. Pode-se dizer isso em Tribunal, não pode?
E foi nesse dia que a verdadeira história se soube e as peças do puzzle se juntaram. Uns dias depois, relatos afirmam tê-las visto juntas a almoçar, sorridentes, e de mãos dadas debaixo da mesa.
O que tinha acontecido, afinal? A ex namorada tinha-lhe destruído o carro? Não. Mais rebuscado: a morrer de ciúmes de uma nova amiga, a namorada acabou tudo. Depois, arrependida, tentou reatar. Como não conseguiu, começou a fazer tudo o que podia para chamar a atenção do amor da sua vida.
A carrinha? Nunca tinha sido destruída, daí não haver registos fotográficos.
O orçamento? A oficina apresentou um orçamento para um hipotético arranjo que nunca se efectuou.
A testemunha? Era uma amiga que, sem saber bem o que fazer, aceitou participar naquela história rebuscada de amor.
Não houve qualquer carrinha com líquidos corrosivos derramados. O único líquido derramado nesta história foram lágrimas. Muitas lágrimas. Que, segundo os mais recentes relatos, já estavam totalmente secas.
A paixão pode ser violenta. E corrosiva.

Tampa-uér

Aprendi esta palavra corria o ano da graça do Senhor de 2000.
Enquanto meio mundo debatia se tinha, afinal, entrado ou não num novo século e milénio, e o outro meio mundo debatia se o Marco tinha sido justamente expulso do Big Brother por ter dado o pontapé, eu e a rapariga com que partilhava casa, debatíamos as lides domésticas.
Eu tinha entrado em Setembro na faculdade e decidido experimentar partilhar casa com uma colega em vez de ir directamente viver sozinha - acabei por fazê-lo um ano e meio depois.
No início, tudo parecia perfeito demais. Sabem quando estão no início de um filme de terror e percebem logo que a coisa vai descambar, porque o céu está demasiado azul, os sorrisos são de demasiada felicidade e até a música é demasiado radiante? Era isso, sem tirar nem pôr, que me estava a acontecer. Fomos juntas ver a casa que ela tinha comprado e partilhou comigo todo o processo da escolha, da compra, as decisões quanto à cor das paredes e dos móveis, o porquê do valor da renda, a felicidade que tinha por estar no curso que queria, etc. Eu sentia, naquele momento, que éramos amigas desde sempre, apesar de só nos termos conhecido no último ano do liceu, numa viagem que as nossas turmas fizeram. Mais: sentia que podíamos ser amigas para sempre, tal era o entusiasmo que ela demonstrava em estar comigo, em ir viver comigo. Sentia-me um casal recém-casado versão amigas-que-entram-na-faculdade.
Até que os primeiros sinais iam aparecendo... devagarinho, silenciosos...
Um dia, depois duma festa, levei uma amiga para dormir lá em casa comigo. Coisas normais no primeiro ano de faculdade, em que ficamos todos amigos ao fim de dois dias. No dia seguinte, a minha colega chama-me:
- A tua amiga dormiu aqui?
- Sim...
- Na mesma cama que tu?
- Sim...
- Há quanto tempo a conheces?
- Há uns meses...
- E como sabes se não tem doenças ou é cleptomaníaca? Trazes assim para casa ao fim duns meses?...
- Ela é minha amiga. Confio nela. E claro que não tem doenças, que horror.
- Nunca se sabe... conheço uma pessoa que foi roubada na própria casa e foi uma história parecida.
- Ok...
- E é melhor mudares os lençóis.
Eu estava em choque. Mas afinal agora tinha uma segunda mãe?
Outro dia, começaram os post-its. Por tudo e por nada. Era preciso papel higiénico, escrevia um post-it e punha à porta do meu quarto. Era preciso pagar uma conta, post-it. Era preciso alterar o horário das nossas limpezas, post-it. Sim, porque tínhamos que limpar sempre a casa em determinado dia da semana, das x às x horas. Se eu quisesse faltar, começava a resmungar. Um dia, o melhor post-it chegou: "Reparei que deixaste o arroz guardado num tacho. Sugiro que passes a guardar num tampa-uér, porque conserva melhor as suas propriedades." Um tampa-quê??! Mas o pior é que, no dia seguinte, repetiu aquilo em voz alta umas mil vezes. Eu queria ficar chateada, mas só tinha vontade de me rir.
Outro dia depois, veio ter comigo a dizer que precisava de ter uma conversa muito séria. Primeiro, porque tinha reparado que eu tinha cometido a falha grave de trocar dois esfregões de sítio. Depois, porque reparou que o meu peixinho dourado tinha morrido e queria dizer-me que tinha que ter maior consideração pelos seres vivos. Foi a gota de água. Literalmente. Saí de casa e acabei por ir viver sozinha, sem tampa-ueres, post-its e desconsiderações por seres vivos.
Adoro animais. E o único animal que percebi que tratava bem demais era realmente ela. Pensei: deixa estar que já ficas sem ração! Digo, renda... Renda. Vim embora feliz por deixar aquele inferno e mudei-me para a casa que mantive sempre e que muitas alegrias me deu.
Quanto à minha colega, será que devia ter desconfiado que não era normal quando me confessou, no auge dos seus 19 anos, que todos os dia tinha alguma peça de roupa do Mickey nem que fosse a roupa interior? Será que devia ter desconfiado que não era normal quando me confessou que se queria casar em cima dum cavalo, vestida com um colete por cima do vestido e um chapéu à cowboy? Será que devia ter desconfiado por se enfiar no quarto, todas as noites, com uma manta, a jantar na cama? Talvez... O que sei é que, a partir daí, passei a estar muito mais atenta, no início dos filmes que vejo, a todos os indícios. Raramente nos enganam!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os limites das ofensas

Nunca percebi aquelas pessoas que, perante o insulto "és-um-filho-da-...", partem para a violência, enquanto gritam "ninguém insulta a minha mãe!!". Parece-me óbvio que apenas se pretende insultar a pessoa que está perante nós. A expressão é infeliz, mas não é para ser levada à letra.
Se repararem bem, este é o ponto de partida para grande parte das agressões entre jogadores de futebol durante os jogos. O guião é sempre semelhante: um dos jogadores chama "filho-daquela" ao outro, este sente-se ofendido em nome da sua progenitora e decide que tem, obrigatoriamente, que defender a honra de quem ali não está.
Sou, portanto, totalmente contra moralismos exagerados.
Do mesmo modo, quando, no Domingo à noite, li no blog A Pipoca mais Doce, os comentários mais ou menos positivos que esta ia tecendo sobre as vestimentas de quem estava presente na cerimónia dos Óscares, houve um que me chamou particularmente a atenção, mas apenas pelo facto de a pessoa em questão ser Portuguesa e ser tão nova. "Quem será?", pensei na altura. "Portuguesa, tão nova e nos Óscares... será que entrou nalgum filme que não reconheço?".
Fiquei, por isso, com a imagem daquela jovem na memória. Na altura, confesso que pensei também "oh é tão nova, tem desculpa para se vestir assim... eu com a idade dela vestia-me pior", mas não mais que isso.
O comentário era este: "E pronto, não é preciso procurar mais, está escolhido o terror da noite. Esta pequena, de seu nome Sofia Alves (podia perfeitamente ser a nossa Sofia Alves, que também é uma bimbalhona do pior) teve um surto de febre e, em delírio, decidiu apresentar-se assim na passadeira vermelha. Collant opaco, saia da Pimkie, uma camisola básica da H&M e o gorro do irmão mais velho que assalta carros à noite. Estou de boca aberta."
Quando a polémica "estalou" é que percebi - a rapariga em questão, a Ana Sofia Alves, encontrava-se nos Óscares a convite da fundação Make-a-wish. Li entretanto que, em Agosto, após descobrir que tinha um tumor na clavícula, iniciou os tratamentos no Instituto Português de Oncologia e foi aí que lhe sugeriram uma candidatura a um desejo pela Make-a-wish. Desconheço se a Ana Sofia já conseguiu ver-se livre do cancro - espero sinceramente que sim - mas, pelas imagens, parece-me uma jovem feliz a viver o seu sonho.
Ora, o problema aqui foi esse: sendo a Ana Sofia uma jovem vítima de cancro, as pessoas revoltaram-se em massa contra aquelas críticas à sua indumentária.
E há que esclarecer que, daquilo que tenho lido, as pessoas revoltaram-se por motivos variados: ora porque se chamou 'bimbalhona' à actriz Sofia Alves; ora porque se chamou 'bimbalhona' indirectamente à jovem Ana Sofia Alves; ora porque se criticou as marcas que aquela usa; ora porque se disse que o irmão mais velho assalta carros à noite.
Quanto à actriz, acho que a mesma é maior e vacinada e, se quer processar a Ana Garcia Martins, autora do blog em questão, o problema resolver-se-á judicialmente. Quanto a crítica ao irmão, acredito que seja uma não-questão: como é óbvio, a Ana Martins não conhece o irmão e apenas quis criticar o gorro, a indumentária da jovem e não a família. O mesmo se passou com as marcas das roupas: o que foi aqui criticado foi a escolha e não as marcas, e isso parece-me claro. Por fim, relativamente à jovem Ana Sofia Alves, julgo que o assunto estará resolvido. A Ana Martins tirou de imediato aquele post e veio pedir publicamente desculpas à visada, no seu blog.
Foi um momento infeliz? Foi. Mas as críticas à indumentária foram apresentadas com o intuito de criar mal-estar à jovem? Não. Foi reconhecido de imediato o erro e apresentado pedido de desculpas? Sim. A jovem visada sentiu-se ofendida? Desconheço. Acredito, no entanto, que, com o sorriso rasgado que demonstra nas fotografias, dificilmente será este episódio que a fará esquecer a alegria daquele dia. Espero sinceramente que assim seja.
O meu desejo é que tudo isto sirva para que Fundações como a Make-a-wish e a Terra dos Sonhos sejam mais conhecidas e que, consequentemente, os apoios aumentem. Admiro imenso as pessoas que estão por trás destes projectos e só espero, do fundo do coração, que esta história venha contribuir, pelo menos, para se publicitar mais estas histórias que todos os dias nos passam ao lado: crianças com doenças graves, mas que continuam a sorrir, todos os dias, optimistas, e a viver um dia de cada vez.
Eu própria, inscrita na Terra dos Sonhos desde a sua constituição, praticamente, confesso que fiquei sensibilizada com esta história e concluí que também eu nada fiz ainda, além da minha inscrição e preenchimento do respectivo NIF na Declaração do IRS. Não estará na altura de ajudar mais?
Foi isso que retirei desta história.
Espero que mais pessoas consigam retirar algo parecido, em vez de gastarem energias negativas desnecessárias em críticas. Vamos ser um bocadinho melhores que isso.

O carro é o espelho de quem o conduz

O título deste post é uma frase que o meu pai me repete desde os meus 18 anos. O meu pai tem muitas frases típicas dele, umas mais engraçadas que outras, mas esta é daquelas que me lembro mais vezes.
De cada vez que entro no meu carro e começo a reparar nas garrafas de água, nos mil cds, nos jornais no banco de trás, nas caixas de óculos, surge-me sempre esta frase a ecoar no meu cérebro, com uma voz sábia, mas tenebrosa: "o carro é o espelho de quem o conduz!!". Arrumo logo tudo, organizo os cds, deito fora as garrafas vazias e os tickets todos que vou guardando e troco o ambientador.
"Ai é? Se o meu carro vai espelhar quem sou, então que seja arrumado e bem-cheiroso!!".
A verdade é que esta frase tem um fundo de razão. Custou-me inicialmente admitir, porque é sempre difícil admitir que os pais têm razão, mas realmente sempre passei muito tempo no carro, sempre viajei dezenas de kms por semana e o que é certo é que o carro sempre acabou por ser um pouco a minha segunda casa. Os cds que oiço representam um pouco aquilo que sou. Os livros ou jornais e revistas no banco de trás representam aquilo que leio e que me vai marcando. Até o ambientador do carro vai acabar por ficar associado a determinada fase da minha vida.
Sim, o meu carro espelha um pouco do que sou: por vezes um pouco desorganizada, sim. Cheia de mil planos em simultâneo. Por vezes um pouco desarrumada. Mas sempre com boa música e boa disposição, ou, no meu caso, sempre optimista.
Sim, o meu carro é parte do que sou.
E, por isso mesmo, hoje vou aproveitar e lavá-lo, porque anda particularmente sujinho e não quero que isso me espelhe de alguma forma. ;)

Substituta para o sexo

On seeing a sex surrogate, no original, foi o artigo publicado por Mark O'Brien, em 1990, sobre a forma como os encontros que teve, sete anos anos, com uma "substituta para o sexo" (uma espécie de terapeuta sexual devidamente certificada) mudaram totalmente a sua vida. O artigo deu ainda origem ao recente filme The Sessions/ Seis Sessões.
E quem é Mark?
Poderíamos dizer apenas que Mark é um poeta e jornalista. Domina as palavras como ninguém. Mark é capaz de tocar no ponto mais profundo duma mulher só com palavras. Arrebata-as com o dom da escrita, de uma forma que nenhum outro homem alguma vez conseguirá.
Poderíamos também dizer que Mark tem um óptimo sentido de humor. Um sentido de humor duro e realista que não deixa ninguém indiferente.
Ou então poderíamos também descrever Mark como um jovem de 38 anos ainda virgem, com fantasias sobre o amor, capaz de se apaixonar com cada sorriso que se cruze com ele, capaz de sonhar com cada perfume que sente ou cada voz que lhe sussurrem.
Poderíamos ainda optar por dizer que Mark é um católico fervoroso e que, apesar de fantasiar com o amor, a ideia de ter sexo lhe soa a algo intolerável, carregado de pecado e de proibição. Perante uma Bíblia em que a ideia mais repetida é o sexo e a carga negativa que o mesmo transporta, e educado por uma família rígida e conservadora em que tais assuntos jamais se debateram, Mark encontra na Igreja o único local possível para encontrar a absolvição dos seus demasiados pensamentos profanos.
Mas Mark é também um jovem preso a uma cama, com os músculos do seu corpo atrofiados, e dependente de respiradores artificiais. Aliás, para muitos, ele será só definido por esta última frase.
No entanto, este é apenas um aspecto da sua vida e não é isso que o caracteriza. Mark é muito mais que isso e percebemos a sua complexidade logo nos primeiros momentos do filme, quando o mesmo é filmado, para um canal de televisão, no dia da cerimónia de graduação.
Mark não é uma vítima. Tinha tudo para se sentir assim, mas preferiu utilizar a religião e o sentido de humor como instrumentos que o ajudem a suportar tudo com optimismo. E é ouvi-lo dizer, a dada altura: "I believe in a God with a sense of humor. I would find it absolutely intorable not to be able to blame someone for all this."
Acontece que, por vezes, o lado de poeta dotado de um óptimo sentido de humor e capaz de atrair qualquer mulher confronta-se com o lado de jovem virgem e católico. A verdade é que sente a poesia a correr-lhe nas veias e tem vontade de sentir também no corpo as sensações que apenas imagina. Quer sentir na pele tudo aquilo que é capaz de dizer por palavras.
A meio desta viagem junta-se-lhe o padre, a quem conta que precisa de sexo. "Sem casamento?!", pergunta o padre, primeiro indignado. "Eu tentei ir por aí, mas não resultou", explica Mark. Depois de alguma hesitação, o padre dá-lhe "carta branca" em nome de Deus.
"Go for it!".
E assim começam as sessões. E, simultaneamente, uma nova vida para Mark.

No fim do filme, demos por nós a debater a história:
- Por que choraste?, perguntou-me. O filme não dava para chorar assim. É um filme optimista. Ele era feliz. Se pensares bem, o filme é sobre todas as partes boas da vida dele!
- Acho que o que me fez chorar foram exactamente todas as partes que estão entre as partes boas. Foram as entrelinhas.
O que me fez emocionar mais, tanto neste filme, como no Intouchables, foi a capacidade de alguém, perante o drama, conseguir ser feliz. Perante as dificuldades, sorrir. Porque a dificuldade está em todo o lado! Está no acordar, está no dormir, está na simples comichão que não se pode coçar... Emocionei-me ao pensar nestas pessoas que não são autónomas, 100% dependentes de terceiros e que conseguem encontrar sentido de humor nisso.
Além disso, emocionei-me com o poder das palavras. Neste filme, as duas primeiras mulheres que se cruzaram com ele tinham alguém nas suas vidas. Mesmo assim, ambas se apaixonaram de alguma forma por aquele homem. Porquê? Pelo poder que tinha de as fazer sentir especiais. Por saber ouvi-las. Valorizá-las. Enaltecê-las. Expliquei-lhe também tudo isto, no fim do filme.
- Hmmm... Então queres dizer que as mulheres precisam de homens-objecto?
- Como assim?
- Vocês precisam de alguém que vos elogie, apenas, nem que seja alguém que tenham que andar a empurrar num carrinho e não seja autónomo. Desde que vos elogie, tudo bem.
- Não é isso. Deturpaste tudo. Precisamos de carinho, ponto final. Venha da forma que vier.
- Aiii... Nunca se cansam disso?
- Não. E agora faz-me lá festinhas, que fiquei carente com o filme.
Espero que gostem tanto do filme como eu gostei. E, se virem, espero também que venham cá comentar para trocarmos ideias.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Lição do dia

Nunca tentem forçar uma amizade entre ninguém.
Principalmente se for entre dois cães.
Principalmente se forem cão e cadela.
Principalmente se ela estiver quase com o cio.
Principalmente se o cão for bastante maior que a cadela.
Principalmente se for considerado raça de risco e tiver dentes bastante fortes e afiados.
É uma lição um pouco extensa, eu sei. Mas, se a aprenderem, evitam ter que ir a correr para o veterinário, com a vossa cadela mordida, com umas valentes marcas de dentes, e a tremer, como fui hoje. Felizmente, está tudo bem, mas foi um valente susto. Tenho que ver uns episódios do Encantador de Cães...
O cão era este, um Staffordshire bull terrier Queria dar umas trinquinhas de amor, mas não percebeu a força que tinha.
"Vai correr tudo bem, bebézinha... Depois disto, levo-te à tosquia, para ficares toda vaidosa e esqueceres o dia de hoje."

Um beijo ou dois?

Há quem dê um beijinho, quando cumprimenta alguém. E há quem dê dois. Dentro daquelas pessoas que dão apenas um beijo, há ainda as canhotas e as dextras, dependendo do lado para que beijam. Isto sem referir ainda as pessoas a que estendemos - de forma mais formal - a mão.
Todas estas pessoas referidas convivem entre si, sem nada que as distinga, aparentemente. Perdem-se numa multidão homogénea. E a Terra continua a girar sobre si mesma e em torno do Sol para todo o sempre, sem mais. Pois... não será bem assim.
Por vezes, desconhecidos são apresentados. Meros estranhos cruzam-se e têm que se cumprimentar. "O" beijo. "Ele dará um ou dois? Um? Dois? Estou tão indeciso!!!"
Nada os distingue. Uma multidão homogénea. Lábios iguais a todos os outros. Um ou dois? Um ou dois?
Quanto a mim, para evitar ficar pendurada no segundo e ter que me cruzar desnecessariamente com o hálito alheio, atiro-me sempre para o primeiro beijo, decidida, e fico, depois, num slow motion (que pode significar simultaneamente que sou apenas lenta a retirar-me daquele cumprimento ou que me preparo para o second round), possibilitando, assim, o meu interveniente de ganhar tempo para proceder ao movimento do pescoço e decidir se me beija na segunda face ou se fica por ali.
Não costuma falhar. Invertemos o ónus do segundo beijo e pronto - simples e eficaz.
Agora se me perguntarem o que prefiro? Um único e singelo beijinho.
Argumentos a favor: pode ser mais intimista no momento de darmos o bom dia/ boa noite. Ouvimos aquele "muack" repenicado e tocamos realmente com os lábios. E pode também, nos antípodas osculares, ser mais formal se coincide com alguém que conhecemos apenas no seio profissional. Damos apenas um beijo, evitamos a dança do segundo, em que cruzamos caras desconhecidas a meros centímetros de distância e evitamos também ter que sentir o hálito ali tão perto.
Tenho um outro argumento a favor do único beijo: o segundo vai implicar dois movimentos rápidos e secos, em que praticamente duas pessoas batem com o próprio rosto no rosto alheio, sem motivo aparente. Faz algum sentido? Não para mim... Mais: dois beijos demoram muito, são muitos e eu confesso que não sou grande adepta de dar beijos a desconhecidos. Então quando estou numa festa e tenho que cumprimentar toda a gente, fazer a dança do pescoço para dar dois... Dá-me a preguiça! E é principalmente nesses casos que um "adeus geral" ou um beijo a cada faz mais sentido.
Concordam? Preferem um beijo ou dois?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Pippa, a chef de renome

É algo que sei que nunca vou ouvir dizer.
"Ela é tão boa cozinheira, é um prazer ir lá jantar", é também algo que sei que os meus convidados nunca vão sair de minha casa a comentar.
Ou "tens que me dar a receita desse risotto! É divinal". Ou ainda: "Como fazes essa tarte? Há qualquer ingrediente que desconheço. Conta-me o segredo, por favor!". É realmente melhor continuar a sonhar. Porque na realidade nunca ouvirei isto.
Eu até me esforço. A sério que sim. Mas acontece sempre qualquer coisa: ou o sal mingou a caminho do tacho, após sair da minha mão. Ou a água evaporou. O tacho é fraco e colou em baixo. Sou sempre alvo de azar.
E o engraçado é que cozinho para mim própria desde os 18 anos. Faço quase tudo, apesar de preferir as sobremesas. Acho que me safo, até. Mas nunca fiz nenhum prato que eu própria adore. Não é mau concluir isto, ao fim de tantos anos à frente de tachos e panelas?
Ele, um chato de primeira com a comida, até é simpático e vai dizendo "não está mau, eu gosto! Tem só pouco sal". Ou "até está bom. Tem só água a mais" e lá come. A fome e um prato cheio não combinam, por isso a comida lá vai desaparecendo.
Mas sinceramente, quando vejo o Masterchef, quando vejo algumas amigas a cozinhar ou até a minha irmã percebo que realmente há gostos que nascem connosco, não adianta forçar - e, por muito que eu cozinhe, nunca vou ser óptima a fazê-lo. E nunca hei-de estar perto duma chef. O que faço come-se. Mas não se elogia ou se sonha com isso. Acho que consigo conviver com esta realidade. Com fome, talvez, mas consigo.
Por tudo isto, desculpem lá a minha falta de jeito para a cozinha, cobaias-que-já-se-sentaram-à-minha-mesa, ok? Em compensação: vinho, gin ou whisky não há-de faltar. Podem passar fome, mas sede não hão-de passar. Ah e espero que não haja ligação entre este post e o facto de não ter há muito tempo ninguém cá em casa a jantar... Hmmm...

O dia em que conquistei a minha sogra

Reza a história que, ainda antes de começarmos a namorar, o terei magoado algures no tempo. Como foi, não interessa para o caso. Posso apenas dizer, em minha defesa, que ele já me confessou que a dor que lhe impingi foi merecida e penso que isso dirá tudo ou quase tudo.
Ora, como dizia, magoei-o, com ou sem razão. Magoei-o e tornei-me, perante os seus pais, persona non grata. Ou persona muito non grata, se tal designação existisse. Fiz o lindo menino dos seus pais sofrer e isso não se faz. Não se faz. Miserável da mulher. Julga que é quem? Acha-se melhor que os outros? Obviamente, não sei se as coisas se terão passado assim, os pensamentos são lugares inacessíveis e nunca poderei perceber com exactidão o que terão aqueles dois pensado de mim. O que sei é que, uns tempos depois, já de namoro a sério, de mãos entrelaçadas e praticamente coladas, fui jantar lá a casa deles, muito feliz e contente. Já os conhecia, mas agora ia ser o primeiro jantar como namorada.
Ia eu, portanto, muito feliz e contente, mas lá dei de caras com uns sorrisos fechados, uns olhares que se desviavam e umas piadas minhas que iam caindo em saco roto, sem despertar riso. Pois acontece que eu sei ser muito persistente e, se tinha decidido que iam gostar de mim, não podia desistir enquanto não conseguisse.
Não foi fácil. Senti-me muitas vezes uma one-woman show. Eu falava de política. Eu falava de futebol. Dos jogos olímpicos. De viagens. De filmes. De pintura. Contava piadas. Mais ou menos elaboradas. Relatava actos de caridade. Tratava bem todos os membros da família, até os de quatro patas. Ajudava a levantar a mesa. Levava sobremesas. Flores. Relembrava as minhas notas e percurso profissional, como se estivesse numa entrevista de emprego. Nada parecia resultar. Os mesmos sorrisos fechados e uns olhares que se desviavam. Só me faltava dançar e cantar para tentar entreter e agradar àquele público tão difícil.
Um dia, o telefone tocou. Era o futuro sogrinho.
- Estou??
- Olá! Olha, então saíste da empresa X?
- Sim, vou para a Y.
- Ah...
("Está preocupado comigo, que querido!!!", pensei).
- Olha, então vais ter mais tempo livre, não é?
- Pois...
- Assim sendo, será que me podes fazer um favor e... blá blá blá.
Fiquei para morrer. Pensei em desistir de os conquistar. "Eles é que perdem!", dizia para mim mesma, em negação.
Um dia, estava lá em casa deles, sem lanças-charme, sem nada. Estava fula com um professor do mestrado, que me tinha pedido para lhe enviar um trabalho meu de outra cadeira (ele ia escrever para um jornal um artigo sobre esse tema), mas não me tinha enviado uns apontamentos que tinha prometido. Eu estava fula e, sem me aperceber, comecei a falar sozinha e a resmungar com aquilo. "Então tenho exame Sábado, o homem promete enviar apontamentos e nada? Só escreve para cravar um trabalho meu, porque sabe que tive boa nota e quer plagiar-me para o artigo do jornal? Já vai ver o que é bom para a tosse. Aqui vai a minha resposta!".
No dia seguinte, comentei com ele: "ontem passei-me um bocado ao pé da tua mãe. Não sei se ela reparou. Foi um bocado mau. Até me esqueci que estava em tua casa, fiquei fula com o professor."
Ele: "Oh a sério? É que a minha mãe hoje comentou comigo que tu eras mesmo muito inteligente e que tinhas sempre resposta na ponta da língua. Disse que eras tramada."
Fiquei a pensar naquilo. "Tramada? Não me parece muito bom."
O que é certo é que a partir desse dia, senti que me começaram a tratar de forma diferente. A pedir opiniões. A ouvir-me com atenção. A rir comigo. A rir do que dizia. E percebi o que devia ter percebido desde o início: devia ter-me preocupado mais em descontrair-me do que em tentar agradar-lhes. O engraçado é que assim que deixei de o fazer, parece que consegui. No momento em que deixei de tentar ser alguém perfeito, passaram a gostar da pessoa que era, com mais ou menos imperfeições.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Danças comigo esta valsa?*

Estavam casados há cinco anos. De fora, era o casamento perfeito. Ambos jovens, bonitos, ambiciosos e apaixonados. Falavam uma linguagem própria que só os dois percebiam. Tinham gestos secretos e códigos só deles. Ele cozinhava todos os dias e ela gostava de o abraçar por trás, quando o via assim concentrado e dedicado ao lar. Ele afastava-a e dizia "olha que posso sujar-te com o molho, larga-me", mas ela gostava dele assim em modo mauzão, concentrado e dedicado. E voltava a agarrá-lo, com um sorriso maroto.
Não tinham filhos, mas ela adorava crianças e as crianças adoravam-na. Um dia, haviam de ter um filho só deles. Haviam, sim. Mas tinham tempo. Muito tempo.
Ela adorava fazer-lhe cócegas e vê-lo rir até quase ficar sem ar. Atirava-se para cima dele e ficava a tentar ganhar lutas imaginárias em que o ringue era o chão. Ele gostava de deixá-la acreditar naquelas pequenas vitórias.
Por fora, era o casamento perfeito.
Ela só não gostava que ele já não tivesse tanta paciência para a conquistar, e beijar, e tocar. Irritava-lhe que, de cada vez que dessem um beijo, a seguir já quisesse acção. O que era feito dos preliminares? Também não percebia em que altura do casamento é que ele tinha perdido o jeito para a beijar como antes. Parecia que tinham perdido a química, era estranho!
Um dia, um desconhecido começou a falar com ela numa viagem de trabalho. Trocaram duas palavras. Era bonito. Despediram-se. De seguido, meteu-se no avião de regresso a casa. Quem ia ao pé dela? O desconhecido de há pouco. "Não a conheço?". Ele era directo e não tinha rodeios a falar. Desarmou-a em dois minutos. "Leite? Quem pede leite no avião?". Ela riu-se. Cinco minutos depois, ele dormia profundamente e ela observava-o. Era sexy. Acordou. "Estava a olhar para mim enquanto eu dormia?". Ele era demasiado directo. E descobriram depois que eram também vizinhos, quando saíram do avião. A tensão aumentava. "Sou casada!", gritou ela ao chegar a casa, no táxi que ambos partilharam.
Mas não foi impedimento. Começaram a encontrar-se, para beber, para conversar, para passear na praia, para nadar, para beber. Tudo eram desculpas. Qualquer motivo servia. Tinham que estar juntos. "Tenho que repetir que te adoro?", perguntou-lhe ela um dia. "Nunca disseste isso", respondeu-lhe ele. Ela pediu-lhe que avançasse. Estava apaixonada. Ele disse que nunca faria nada e mandou-a embora.
Um casamento que era perfeito por fora.
E por dentro?
Ela estava angustiada. Sentia-se confusa, dividida. Fizeram anos de casados. Foram jantar fora. "Porque não conversamos?", perguntava ela. "Vivemos juntos, conversamos todo o dia. Sabemos tudo um sobre o outro. O que queres conversar?". Ela calou-se até a conta chegar. Já só pensava no vizinho. Com ele, a conversa nunca acabava. Era sempre novidade. Ele gostava de ouvi-la. Queria contar-lhe histórias. Riam-se juntos. Passeavam. Não, assim não dava. Ela não era feliz com o marido.
Queria novidade. Adrenalina. Paixão. Riso. Música. Loucura. Prazer. Amor. Queria borboletas na barriga. Largou tudo. Foi viver com o vizinho.
...
Como são hoje, passado cinco anos?
Por fora, a relação perfeita. Ambos jovens, bonitos, ambiciosos e apaixonados.
Como é, de facto, a relação? Digamos apenas que as borboletas na barriga não duram para sempre. Nem a adrenalina. A paixão. O riso. A música. A loucura. O prazer. Já não dançam a valsa juntos. Ela quer dançar? Liga a música e dança, de olhos fechados. Quem nasceu para dançar sozinha, dificilmente vai arranjar um par. Tenha quem tiver a seu lado.

*História baseada no filme Take this Waltz/ Notas de amor. Que me irritou profundamente, já agora, e não recomendo. Sou uma romântica e detesto filmes que tentam destruir o romantismo.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

As minhas ancas não mentem

Cantava a Shakira, em inglês, há uns anos. E, sim, realmente em inglês soa um pouco melhor.
A Shakira cantava em inglês e eu e a minha afilhada cantávamos em português, para treinar um bocado o inglês dela e a capacidade de tradução. Lembras-te dito, pulga?
Recordo-me que a música soava ridícula na nossa língua, com frases como "nunca pensei realmente que ela pudesse dançar assim, ela faz um homem querer falar Espanhol", como se falar Espanhol fosse um código para algo perverso que ele se sentia capaz de fazer.
E lembrei-me das ancas verdadeiras e sinceras da Shakira hoje, por ter ouvido na rádio que a Lady Gaga teve que cancelar alguns concertos, porque foi operada exactamente às ancas. Se as da Shakira não mentem, as da Lady Gaga não deviam mexer. Rápidas melhoras, Gaga! (Apesar de não costumar ouvir-te.)
E, pensamento leva a pensamento, lembrei-me depois dum vídeo que vi há uns anos, com o Hugh Grant, chamado "Music and lyrics", no qual ele representava um ex membro duma banda de sucesso nos anos 80, que vivia ainda à custa da fama adquirida nos anos áureos da banda. Sozinho, dava concertos com músicas novas e antigas, sendo que o público era sempre constituído, maioritariamente, por mulheres maduras - as fãs loucas no tempo da sua banda antiga, agora mais envelhecidas. Em cada concerto era confrontado com pedidos histéricos e em uníssono para cantar e dançar os hits que o tornaram conhecidos, há vinte anos. E o Hugh Grant lá satisfazia o pedido, sendo que a meio lá presenteava as suas resistentes fãs com o seu conhecido jogo de anca que tanto as deixava loucas. À custa desse movimento, vivia cheio de dores na zona das ancas. Alguém viu este filme? Deixo aqui o videoclip da banda fictícia apresentada no filme (no fim do texto).
Conclusão deste texto todo? Não há grande lição a retirar, é fim-de-semana e apeteceu-me disparatar. Podem apenas concluir que, se abanarem muito as ancas, todos os homens à vossa volta vão querer inscrever-se em aulas de Espanhol. No entanto, tentem não abanar demais, sob pena de os homens terem que trocar essas aulas por um curso de Medicina.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Psicologia invertida

- Vou sair. Estás por casa?
- Ainda não. Vou daqui a pouco.
- Ok... Hoje tinha um jantar, sabes? Mas não vou. Não queria que ficasses triste.
- Oh... Que não seja por mim! Que jantar era?
- Era um jantar da equipa de futebol lá da empresa.
- Mas tu não estás na equipa de futebol.
- Pois, mas trabalho com eles e fui convidado. Eles ficaram em 3.º lugar e querem comemorar.
- Hmmm... é importantíssimo, realmente. (disse entredentes).
- Olha, mas disse que não ia, porque depois ia ser jantar, sair um bocado..
- Oh... que voz triste. Vai lá, então! Não deixes de ser feliz por minha causa. Se queres tanto ir, vai.
- A sério?
- Vai lá. Nao quero é ouvir-te com essa voz deprimida, como se eu fosse um monstro que não te deixa ser feliz.
- Ok!! Então, para te compensar, corro contigo antes do jantar. Estás sempre a pedir e nunca vou. Hoje vou. Até já!!
Psicologia invertida é isto. É ir jantar com os amigos como se me estivesse a fazer um grande favor. E é fazer-me companhia na corrida e eu ficar toda contentinha em vez de sentir que é obrigação dele, apenas.
Manipulador.

O Mentor

Primeiro, pelos actores. Joaquin Phoenix. Philip Seymour Hoffman. Amy Adams. Todos nomeados para os Óscares. Todos actores brilhantes.
Depois, pelo realizador. Paul Thomas Anderson, a fazer-me recordar Magnólia, um dos filmes mais intrigantes e marcantes de sempre.
Por fim, a história dum movimento filosófico - "A Causa"- nascido no início da década de 50, a fazer lembrar um pouco as origens da Cientologia, com um líder um pouco louco, incapaz de lidar com críticas, mas preparado para gerar um culto em torno das suas ideias ("I am a writer, a doctor, a nuclear physicist and a theoretical philosopher. But above all, I am a man, a hopelessly inquisitive man, just like you."; "If you figure a way to live without serving a master, any master, then let the rest of us know, will you? For you'd be the first person in the history of the world.").
Estava reunido um cocktail de luxo a que não podia resistir. Sentei-me. Inspirei fundo e preparei-me para um filme que me prendesse do princípio ao fim.
Começou logo no primeiro instante: a luz imensa, a praia idílica, o retrato sépia, o vestuário da época, a música de outros tempos, frenética e alienada... e um Joaquin irreconhecível: magro, transformado, também ele com ar alienado e demente."Quem será este novo Joaquin?" Somos apresentados a esta personagem que praticamente nos faz esquecer o actor por trás: Freddie Quell, um veterano da Marinha que esteve anos a lutar ao serviço da bandeira norte-americana, durante a II Guerra, e regressa agora, todo ele cheio de traumas do passado, cicatrizes internas que o tempo não apaga, e gasolina. Sim, muita gasolina e outras substâncias estranhas que juntava e bebia, para tentar enganar o que os olhos viam e o corpo não conseguia aguentar. Tanta dor mergulhada em litros de bebidas estranhas transformaram-no em alguém incapaz de viver em sociedade, um animal sem regras, comandado pela testosterona em estado puro. E é vê-lo gritar, agredir, é vê-lo procurar mulheres como um animal com cio, é vê-lo a beber líquidos indecifráveis, é vê-lo como alguém sem salvação possível.
Ou será que tem salvação, afinal? Um belo dia, por obra do destino - mas será mesmo o destino? - conhece o seu mestre, Lancaster Dodd ("You look like you've traveled here. How else do you get someplace?"). Para Dodd, Quell torna-se um filho, uma cobaia, um empregado, um barman, um aprendiz, ou um livro em branco onde pode escrever o que quiser. Surge uma relação estranha e incompreensível, com um irascível líder a treinar no seu novo protegido as suas estranhas técnicas: a regressão, os questionários, o "não-pisques-os-olhos-ou-começamos-do-início!". Tudo isto regado agora pelas poções mágicas que Quell vai preparando, cheias de segredos. E novo livro vai sendo escrito. Novas ideias pululam. Novos seguidores se juntam.
"- Man is not an animal. We are not a part of the animal kingdom. We sit far above that crown, perched as spirits, not beasts. I have unlocked and discovered a secret to living in these bodies that we hold." , prega Dodd, perante o olhar atento da mulher, dos filhos, dos restantes ouvintes e de Quell, o mais animal de todos ali presente.
No entanto, se em Magnólia, do mesmo realizador, saímos do filme emocionados, tocados, esperançados, em "O Mentor", senti que deixei as minhas emoções no cinema e saí de lá sem nada. É um bom momento de cinema, são duas grandes interpretações (confesso que, apesar de gostar muito da Amy, não me pareceu papel merecedor de Óscar), adorei a fotografia e a luz, mas o filme terminou e senti que faltava algo no final. Merecia um final mais grandioso e não lhe deram.
Não tinham que ser sapos a cair, nem a Aimee Mann a cantar. Bastava um pouco mais. Da forma como termina, senti que o próprio filme se afogou nos líquidos estranhos que ambos os protagonistas foram bebendo ao longo do mesmo, sem surpresas.
Lembram-se deste videoclip? Para mim, é uma boa metáfora do final do filme:

"Tenho saudades"

Ele dizia-me que era a frase que mais me ouvia repetir. Eu negava-o veemente. Sempre.
Até que dei por mim a reparar nisso. Calei-me como um rato, mas um dia lá me saiu: "tinhas razão, estou sempre a dizer que tenho saudades de tudo... mas não gozes mais, porque estou a admitir, ok?"
Já não conseguia esconder nem a mim mesma.
- Vamos ao cinema? Tenho saudades de ir ao cinema.
- Fomos há duas semanas.
- Hmmm... pois... mas tenho saudades.
Ou então:
- Tenho saudades de ir à praia.
- Tenho saudades de andar de bicicleta.
- Tenho saudades da X. Tenho saudades da Y. Tenho saudades da Z.
- Tenho saudades de viajar.
- Tenho saudades dos meus pais.
- Tenho saudades de ir ao cinema. Ah, ok, já fui há duas semanas. ;)
Chego à conclusão que já nasci nostálgica. A verdade é que sou muito Portuguesa nisso. Mas pior ainda? Tenho, por vezes, saudades das coisas enquanto as vivo. Tenho quase sempre noção do fim, da limitação do tempo e da impossibilidade de agarrar eternamente os momentos.
Isto era ainda mais angustiante quando trabalhava longe das pessoas que mais gostava. Os Domingos eram dias dramáticos. Acordava já saudosista, a pensar no final do dia, com um nó na garganta impossível de desfazer. Como se vivesse já num tempo futuro e aquele acordar, aqueles momentos matinais fossem apenas uma memória de quem está a reviver o passado, à distância. Já sentiram isso? É horrível. Felizmente regressei para perto de todos e passei a conseguir agarrar melhor o tempo, a aproveitar cada segundo sem angústias, porque sei que amanhã não tenho que pegar nas malas e partir.
Hoje dei por mim a pensar neste defeito (_)/ particularidade(_)/ característica(_)* que me apontas. Diria até que me lembrei disto com saudades. Mas não vou dizer, para não me gozares.

Sabes que mais? Obrigada por me manteres no presente e chamares a atenção para o excesso de saudosismo. Obrigada por me agarrares os pés ao chão, com força. Obrigada por te rires quando dramatizo. Por te rires quando disparato. Por alinhares nos meus sonhos e acreditares comigo que vou ter mil anos para concretizar tudo aquilo a que me proponho. E, mais que isso, obrigada por me fazeres acreditar que, mesmo que dure mil anos, vais estar também tu mil anos do meu lado, a ouvir-me, a rir-te, a acreditar em mim e sempre a prender-me os pés ao chão para não voar e esvanecer-me nestes sonhos.

*assinalar com um "X" o correcto

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Afinal não sou tão ciumenta como julgava

A minha cadela anda com o cio. Fica louca, nesta altura. Chamo, não vem. Assobio, ignora. Dou ordens, desobedece.
Naquela pequena cabeça vive um só pensamento: ela quer encontrar o amor. Podia chamar outra coisa, mas sou uma romântica (até no que ao reino animal diz respeito), e gosto de dar um nome mais poético.
Ela quer encontrar o amor e não interessa onde.
Ultimamente, descobrimos, no entanto, que o amor se encontra essencialmente nos braços dele.
Pode parecer estranho, mas ela também não me soube explicar o porquê.
Sei é que, desde a última semana, é ver um filme dramático, os dois de lagriminha no canto do olho (quer dizer, só eu, claro, que ele é muito homem e ri-se às gargalhadas perante a tristeza... claro... claro...) e o raio da cadela agarrada ao cotovelo dele, em movimentos desenfreados num mix de puro amor e falta de ar.
É ter um almoço de família, com avós incluídas, e sermos interrompidos pela paixão assolapada da nossa pequena canídea, que não consegue estar muito tempo separada dos braços dele.
Pior cenário de sempre: a minha avó a falar de partilhas e a cadela louca de prazer, num sensual jogo de anca, agarrada a ele. Nós os dois a disfarçarmos - "que brincalhona, está a chamar-nos para brincar" - enquanto tentávamos abafar os pouco subtis gemidos caninos e a abaná-la, para ninguém se aperceber.
Mais, no outro dia, estava eu deitada a ler e assisto a um cenário que me pareceu um pouco errado: ele encostado a mim, a dormir, ela louca agarrada a ele, em gestos ritmados.
O engraçado no meio disto tudo? Descobri que até reajo bem a vê-lo ser assediado por outra. Reajo bem a trios. Não morri de ciúmes ao assistir àquele amor adúltero. Estou uma nova mulher. Tranquila, sem ciúmes, confiante.
E não me venham com preciosismos - "ai é um cão, claro que não tens ciúmes!!". Pormenores... Pormenores insignificantes.
Mulher que é ciumenta tem ciúmes até da sombra, ok? ;)

Hello Kitty. Bye bye Kitty

Nunca usei nada da Hello Kitty. Não sei explicar bem o que aconteceu, mas devo ter nascido com uma sequência genética na qual não estava incluída a molécula responsável pelo amor à gatinha japonesa.
Pior - além de ter nascido e crescido sem sentir qualquer apreço pela felina asiática, algures no meu DNA vive alguma pequena, mas persistente molécula que me faz sentir até uma certa aversão pela mesma.
Respeito quem gosta da bichana de olhos inexpressivos, de bigode composto por três fios em cada lado, sem boca e corpo, sem tridimensionalidade, mas apenas com um lacinho. Tenho amigas que sempre gostaram da Hello Kitty e do merchandising que a rodeia e até acho amoroso, porque é uma paixão que começou quando eram crianças.
De qualquer maneira, como dizia, irrita-me um pouco a cara da gatinha japonesa, parece-me um pouco assustadora, só com aquela cabeça sem corpo e sem boca. Terá sido decapitada? Porque é que ninguém se preocupa? Eu não acho normal aparecer só a cabecinha dela, como símbolo, qual oferenda numa bandeja. Por outro lado, o facto de não ter boca também me parece extremamente assustador. Padecerá de alguma maleita rara? Terá sido vítima de alguma atrocidade? Ninguém comenta, passeiam-se com a cabecinha de olhos arregalados, apenas, com ar de profundo orgulho. Haverá uma seita que se dedica a cometer crimes contra felinos indefesos, sendo a Hello Kitty o símbolo deles? Ou simplesmente passeiam a cabecinha voadora, desligada dum corpo, desbocada, sem se aperceberem?
Quanto a mim, nunca percebi muito bem o que se passava ali. A gatinha não é sexy, pelo menos nem curvas tem. Qual é o sentido de aparecer estampada em cuecas e soutiens? A gatinha não tem capacidades reconhecidas. Porquê aparecer em elecrodomésticos, utensílios e roupas de desporto? A gatinha não tem - pelo menos que eu conheça - uma história. Não tem sentido de humor reconhecido, sarcasmo, inteligência, cultura ou outras capacidades atribuídas. Porquê o culto?
Assim sendo, nunca usei nada da marca. Até há dois anos atrás.
Tive que fazer uma cirurgia, que foi marcada praticamente dum dia para o outro. Levei um saco para o hospital com pouca coisa, porque só ia lá dormir duas noites. No entanto, a minha mãe, prevenida como é, decidiu que me ia levar mais roupa. Não queria que recebesse visitas com roupa repetida, com certeza. Trouxe-me, assim, de surpresa, algumas peças de roupa que comprou. Uma querida.
A surpresa foi que, no meio das compras, descubro um pijama da Hello Kitty!
- Hello Kitty, mamã?...
- Sim...
- Mas sabes que nunca usei.
- Sei, mas não resisti. Repara só no desenho: é a Hello Kitty ballerina. Tem saia tutu, está em pontas e tudo. Repara... Fez-me lembrar de ti.
Uma parte de mim achou aquilo fofinho. A minha mãe quis reviver os tempos em que eu fazia ballet e transpôs aquilo para o pijama. O pior foi que, no dia seguinte, fui acordada pelo meu médico, que estava a fazer a ronda e foi ver a paciente após a cirurgia:
- Bom dia, dorminhoca!!!
Abri os olhos, com alguma dificuldade...
- Como estás, dormiste bem? Sem dores?
- Sim, dormi como um anjo.
- Ou como uma ballerina? Que belo pijama. Hello Kitty? É como as minhas filhas de 6 e 8 anos. É um vício que não tem idade, não é?
- Hmm... por acaso é a primeira vez que visto algo da Hello Kitty....
- Vá, sem vergonha. Sem vergonha. Fica-te bem! Podes admitir que gostas. ahah Dr... - chamando outro médico colega - já viu esta menina? Tem 28 anos, mas continua a parecer uma menina, não é? E de Hello Kitty... Olhe que querida.
Eu devia estar com o sorriso mais amarelo já visto. E não acabou ali. Todas as enfermeiras que apareceram depois comentavam: "Hello Kitty?? Também sou grande fã!".
Eu tentava gritar - "é a primeira veeeeez!! Acreditem em mim!!". Até que tive que me render. Ninguém acreditava e não...
- Também é fã da Hello Kitty? Tenho tudo dela: pijamas, roupão, chinelos, t-shirts, roupa interior...
- Hmpf. Sou, sim. Fã número 1, respondia eu.
Se não os podes vencer, junta-te a eles. Juntei-me. Nos dias seguintes, tive que abandonar a seita.
Bye bye, Kitty!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Eu cá não tenho sorte nenhuma

Comentava eu, sempre que alguém dizia que tinha ganho algum prémio no Euromilhões ou um fim-de-semana romântico nalgum lado, viagens ou bilhetes de cinema.
"Nunca ganho nada!", repetia eu.
Até que ontem reparei num pormenor talvez um pouco relevante para a matéria: nunca jogo em nada, nunca participo em concursos, nunca compro raspadinhas, nunca jogo no Euromilhões,... Talvez seja por isso que nunca ganho nada, certo?
Depois de ver as fotografias maravilhosas que uma amiga minha tirou a uma Pousada onde foi passar uma noite romântica, pensei - "vou experimentar jogar nalguma coisa, posso ter sorte!".
Experimentei. E... txaaaran!! Ganhei!!!
Por isso, estou toda contente. A última vez que ganhei alguma coisa foi para aí uma televisão, num supermercado, há mil anos, por ser a concorrente n.º x.
Havia uma amiga que me chamava estrela da sorte, há uns anos, porque supostamente só me aconteciam coisas boas, mas eu achava há muito que a sorte já tinha acabado para os meus lados. Na altura acontecia de tudo: caíam-me malas em cima, em filas para museus, pagava almoços e quando chegava a casa reparava que tinha voltado com mais dinheiro, encontrava dinheiro em cada canto.
Afinal... welcome back, Sorte. Podes ficar por aqui o tempo que quiseres. Não tenhas pressa.

Serei a única pessoa...

... que adora comer um chocolate enquanto bebe um chá verde sem açúcar, porque supostamente é uma bebida diurética e vai fazer-me ficar mais magra?
... que adora pedir um peixe grelhado só com legumes a acompanhar, para no fim poder pedir aquela fatia de bolo de chocolate que está ali a piscar-me o olho?
... que não põe manteiga no pão, porque tem muita gordura, mas depois come um pacote de pipocas em dois minutos, enquanto assiste a um filme?
... que deixou de comer quiches e empadas, e bacaulhau com natas e lasanhas, porque aumentam os níveis de colesterol, mas depois pede gelado para sobremesa?
... que anda a correr e a beber mais água, mas depois não abdica das gomas, enquanto está em frente ao computador?

Digam que não, que há mais desse lado, por favor. Não me deixem sentir vergonha de ser assim. :)

O "doido" ensina agora a conquistar mulheres

Lembram-se do "doido"? O perito em relacionamentos e que me tentava ensinar, de vez em quando, a arte de conquistar um homem?
Ora, a arte de conquista dele era demasiado vasta para se ficar por ali e ensinava-me também, sempre que podia, como mantinha a paixão acesa com as suas namoradas. Além de tudo o que o nosso senso comum nos diz, como tratar com carinho cada mulher, fazê-la sentir-se especial e tentar sempre surpreendê-la, houve algo que retive e que me pareceu diferente de tudo o que já tinha ouvido: um homem deve dar jóias a uma mulher. Mas mais que isso - um homem deve deixá-la desenhar as próprias jóias e, já agora, dar-lhe uma marca própria para ela a comercializar, e deixá-la ser a cara da marca. Demasiado irrealista e de difícil concretização?
Nunca, para ele. Depois de ter partilhado comigo esta informação, assisti ao que julgava impossível: a criação da marca, da linha de jóias e da sessão fotográfica da Miss Pernambuco ou lá de que Estado do Brasil era. A marca tinha tudo para ser um sucesso internacional e a namorada dele ia ser, sem sombra de dúvidas, a mulher mais feliz do mundo.
Até ao dia em que, após ouvir pela enésima vez aquelas lições de amor e conquista, resolvi perguntar duas pequeninas coisas: se podia ver as famosas jóias e o site.
E aqui começou o nosso desentendimento - até aí, eu apoiava estas loucuras que ele contava que fazia por amor. Quando vi o site e as jóias, tive que me calar.
Primeiro, porque não eram jóias - eram bocados de lata grosseiros e com materiais sem qualidade. Depois, porque a namorada tinha interiorizado a palavra 'jóias' e pedia uma exorbitância por cada bocado de lata. E, por fim, porque o site tinha tão mau gosto e tanto photoshop, que a namorada, que até era bonita, parecia um alien num bairro de lata - no meio das 'jóias'.
Perguntei ao 'doido', duma forma que tentei que fosse subtil:
- Sabe que isto não jóias, não sabe? Isto não vale o valor que estão a pedir no site... as pessoas podem sentir-se enganadas, até porque com o photoshop parece feito ouro e pedras preciosas, mas não é...
Nesse momento, respondeu-me, apaixonado:
- Sim, aqui entre nós, aquilo não é muito bonito e realmente não vale nada. Mas eu gosto tanto dela que quero é que ela seja feliz, e deixo-a ter o negócio dela como quiser. É assim que se conquista uma mulher, aprende comigo. Uma mulher conquista-se com jóias, mesmo que não sejam jóias. Com muitos fotógrafos à volta para se sentir bonita. E deixando-a sentir-se empreendedora, mesmo que o negócio dure dois dias.
Ele era doido. Mas, por muito maluco que fosse, sei que às vezes as suas dicas tinham um fundo de verdade. Por muito que me custe admitir.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O dia em que passei a tratar o meu pai por "Meu".

O título até pode parecer poético, mas não se deixem enganar.
Quando digo "meu", é no sentido da linguagem dos gangs. Tentem ler antes com uma entoação mitra/guna: "Yo, meu!!".
Era nesse sentido que o queria escrever.
Após esta consideração introdutória, voltemos ao assunto que me levou a escrever: sim, é verdade, passei a tratar o meu querido e adorado pai por "meu".
Tudo começou quando o meu fiel Blackberry faleceu, após uma queda dramática num paralelo, episódio que já partilhei com vocês. Como caiu de cabeça, ainda tentámos reanimá-lo, mas já era tarde demais. Os danos eram irreversíveis e, mesmo que o tentássemos ligar às máquinas (vulgo, bateria), nunca mais seria o mesmo.
Nessa altura, o meu pai, perante a minha dor, emprestou-me um telefone que tinha em casa e que já não utilizava, desde que tinha sido aliciado pela concorrência e comprou um iphone. "É óptimo, adoro este telemóvel. É mesmo muito bom, vais adorar", disse-me. Tentei esquecer que só o tinha utilizado um ano e que andava a gritar aos sete ventos que o iphone era, de longe, o melhor telefone que alguma vez tinha tido e que nada se lhe comparava. Era um telefone dado e a telefone dado não se olha a marca. "Obrigada!!".
Acontece, no entanto, que, desde então, sempre que recebo uma mensagem dele, aparece no meu visor "meu". Isto, porque era o telefone dele e deve ter guardado assim o próprio número. Mas comecei a achar um piadão a isto.
Ligas-me?, "Enviar para 'meu'".
Uma mms? "meu".
Achei estranho no início, mas não mudei.
Sinto-me parte dum gang. Sinto-me arrojada.
Pertencente a uma família italiana, tipo Máfia.
"O Meu mandou-me mensagem".
"Vou responder ao Meu que vamos lá almoçar".
"Ya, meu".
Somos mesmo mauzões.
Yaaaa.

Ele não acredita em superstições

Sempre me disse que não era supersticioso.
- É Sexta-feira 13!!, comentava eu.
- E então? Não vais dizer que acreditas nessas coisas. É um dia igual aos outros...
- Estamos 13 pessoas à mesa. Devíamos convidar mais alguém, balbuciava-lhe ao ouvido.
- Oh... ou então porque não sais, já que estás com medo, gozava.
É muito homem. Sem medos, sem ânsias. Ri-se perante o medo. E goza comigo se me apanha a espreitar o horóscopo "só para confirmar se está tudo bem com o meu signo". Desconfia de tudo o que não for ciência.
É, portanto, - dizia eu - sempre muito homem e muito amigo da ciência.
Sempre, excepto em dias de jogos de futebol.
- Aiiii!! É penálti! Vê tu, que se eu vejo dá azar!!, grita-me, dois tons acima do normal.
- Desliga o rádio!! Se oiço este relato, eles ganham. Já sabes como é!!, dramatiza, se alguma das equipas rivais está a jogar.
- Ir ao estádio? Não podemos. Já sabes que, contra eles não posso ir, porque empatam!
- É fora de jogo? Aii, deixa-me pendurar um dente de alho à porta, porque hoje é noite de lua em quarto minguante e estou com a t-shirt da época passada!!
(Ok, este último inventei.)
Mas isto não acaba aqui. No outro dia, decidimos que íamos buscar o jantar a um restaurante perto de nossa casa (chamado Pizza Hut, mas dizendo "restaurante" tem mais estilo).
- Vens comigo? Vens?, vens?, vens?, pediu-me, com mimo.
- Claro que sim, sorri. E pensei "oh está tão fofinho". Porque raramente é assim mimado.
Lá fomos. Eu:
- Porque querias tanto que viesse?, a sorrir, babada.
- Então não sabes? O Z. [uma das equipas rivais] está a jogar. Se eles têm televisão lá dentro e calho de ver o jogo, já sabes que ganham! Não lhes quero dar sorte, tens que entrar tu a ir buscar o jantar.
É um romântico.
E nada supersticioso, como disse.

A vida de Pi

Vi o filme. Já tinha visto quase todos os candidatos para os Óscares e pensei que estava na vez do Ang Lee ter uma hipótese. Considero-o um realizador um pouco errático, no sentido em que nunca sei que estilo de filme vai adoptar a seguir, mas a verdade é que mesmo diluindo-se totalmente em tipos de filmes novos, conseguimos perceber sempre, pela magia e pelas lições que nos quer dar nas entrelinhas, que tem a sua assinatura.
"Life of Pi". Sinceramente, o nome não ajudava muito. "A vida de Pi? mas é um filme para crianças?" O cartaz com o miúdo num barco e o tigre também não ajudavam - "é, com certeza, um filme infantil".
Comecei a ver, sem grandes expectativas, portanto.
Primeiro, aparece-nos Pi adulto a ser entrevistado por um escritor canadiano, que queria saber a história da sua sobrevivência ao naufrágio. Estava preparada para a introdução, à Titanic, do contador da história velho, e para o reencontrar depois apenas no último minuto do filme.
- Olá, Pi adulto! Adeus, Pi adulto!
A verdade é que o próprio Pi adulto é interessante e calou-me bem caladinha. Em meia dúzia de minutos explicou-nos o porquê do nome ("With one word, my name went from an elegant French swimming pool to a stinking Indian latrine - I was pissing everywhere"). E eu, que adoro longos apartes, deliciada. Depois, o porquê de seguir várias religiões ("Thank you, Vishnu, for introducing me to Christ."). Novo aparte, novo eu a babar-me. Adorei estas duas pequenas histórias. Tinha vontade de parar a imagem e ouvir outra vez cada frase. Pensar nela. Decorá-la. Então a parte das religiões... fiquei maravilhada!
Depois, temos a história da despedida. O primeiro amor, o primeiro adeus... ("the whole of life becomes an act of letting go, but what always hurts the most is not taking a moment to say goodbye")
E o naufrágio. Como não quero estragar a história a ninguém, só posso dizer que estava a achar a história dos animais muito estranha e as paisagens irreais. Não estava a gostar, porque parecia-me muito fantasioso, muito exagerado, muito irreal.
No final, a história contada aos investigadores, que percebiam perceber o naufrágio, compensou tudo. Tive novamente vontade de pegar no comando, voltar atrás e rever tudo. Ouvir outra vez as frases finais. Questioná-las em voz alta. Falar com o Pi adulto.
"And so it goes with God", remata ele. "It's an amazing story", comento eu e o escritor, quase em uníssono. Mas como assim, Pi? Explicas-me? Também acontece o mesmo com Deus porquê?
Foi assim que saí do filme: desperta, com o coração bem apertado, com vontade de agarrar o livro que deu origem ao filme e lê-lo já de rajada, para ver se o Pi literário me explica estas dúvidas com que fiquei - e, para mim, não há maneira melhor que esta para se sair dum filme.
Pi, se estás aí, temos que falar!


Uma das cenas que achei linda, mas que me estava a parecer demasiado irrealista. Olhando em retrospectiva, é apenas LINDA. Aproveitem a experiência visual e não questionem tanto como eu. Confiem em mim. :)
Pi, estou a adorar esta conversa, mas a Pippa pediu-me para trocar de lugar com ela. Até logo, Pi. Obrigada pelo frango com caril, estava divinal.
Um dos próximos livros que tenho que ler, portanto.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Vou escrever estas três letras pela primeira vez*

Lembro-me do dia em que ouvi as três letras pela primeira vez. No início, confesso que não percebi. "Desculpa?". Pedi para repetirem. Repetiram. "Mas isso quer dizer o quê?". Explicaram-me o significado. Pensei para comigo: "que disparate, foi com certeza a primeira e última vez que ouvi isto, é ridículo demais".
Passado uns tempos, vi escrito. "Mas isto pegou?", pensei. "Não é possível"...
Temi que se generalizasse. E o pior é que aconteceu - generalizou-se como um vírus. Aquelas três letrinhas foram passando de boca em boca. Começou pelo mIRC. Passou para o Messenger. Propagou-se depois via email. Um dia, inventaram as mensagens escritas. Foi o descalabro. Ninguém conseguia parar de as utilizar. E ninguém avisou os Governos para tomarem as devidas medidas.
Já era tarde demais: um pouco por todo o Mundo, essas três letras expandiram-se, independentemente da língua, da cor ou das crenças.
Os jovens por todo o mundo adoptaram aquelas três letrinhas como o símbolo duma geração.
Passou a ser utilizado em vez de ponto final. Não havia nada para dizer? Ora toma lá estas três letras.
Ironia? - três letras.
Alegria? - três letras.
Histeria? - três letras.
Tristeza? - três letras, para atenuar a dor.
Quando percebi que havia uma epidemia e que não havia maneira de a contrariar, tomei uma decisão que dura até hoje: nunca iria, em contexto algum, escrever essas três letrinhas. Jurei para mim mesma, em silêncio, solenemente. Partilhei com algumas pessoas. Sabia que ia custar, que algumas vezes ia sentir-me tentada e ver as três letrinhas a acenarem-me, cheias de riso e alegria, plenas de gargalhadas e sons estridentes.
Algumas amigas minhas que assistiram à tomada de decisão, entretanto vacilaram e já foram vitimadas pelo surto. Eu perdoo-vos, amigas. É mais forte que todas nós.
Por tudo isso, sinto que sou, actualmente, das poucas pessoas nascidas depois de 1980 a nunca ter utilizado, ao longo da sua vida, tal expressão em qualquer email, mensagem escrita ou chat.
Chegou a altura de perguntar: alguém mais está comigo? Há mais resistentes desse lado? Gostava muito de sentir que não estou sozinha.
E assim, pela primeira vez na minha vida, vou abrir uma excepção e dizer a que três letras me refiro: ....
São elas: ...
São elas: ....
Desculpem.
Não vou abrir nenhuma excepção. Não consigo. O meu corpo recusa-se.
Prometi. E não gosto de falhar às promessas.
Leiam a primeira letra do primeiro parágrafo, primeira letra do oitavo parágrafo e primeira letra desta frase. ;) É a essas três letrinhas que me refiro.

*Ou não.

Perdoa-me, que menti

Tinha tirado a carta há pouco tempo, mas sentia-me a maior condutora que alguma vez cruzou as estradas. O instrutor tinha-me elogiado tanto, que andava com o ego nas nuvens. Logo na primeira aula andámos duas horas em curvas apertadas e contra-curvas, andámos em vias rápidas e estacionámos. Ele dizia-me que tinha um jeito natural e nem acreditava que nunca tinha pegado num carro.
Eu sentia-me a maior. Tirei a carta com pouco esforço e num instante, tinha carro... O mundo era meu.
Querido instrutor... BIG MISTAKE!
Um dia, com a carta fresquinha nas mãos, estava a estacionar o carro num shopping, à campeã, super rápido. Nem reparei que tinha uma coluna atrás. Puum! Bati. Fiquei a tremer. Saí do carro e vi que tinha feito uma pequena mossa atrás. Pior que isso, a mossa tinha ficado vermelha, da cor da coluna. Fiquei fula comigo mesma. Como é que era possível tamanho erro? Era um lugar de estacionamento acessível, num shopping. Só tinha batido por ter demasiado pressa. Foi um erro de principiante.
Depois disso, sempre que ia ter com os meus pais, estacionava o carro o mais longe possível. Andava a tentar adiar o momento da descoberta enquanto conseguisse. Já sabia que ia ouvir um raspanete. E, sinceramente, era merecido.
As semanas iam passando. Um certo fim-de-semana, já quase esquecida da mossa vermelha, estacionei o carro ao pé de casa e fui almoçar com os meus pais. O almoço correu bem, conversámos sobre a semana e os meus pais foram dar uma volta no final. Quando voltaram, umas horas depois, o meu pai vinha furioso:
- Nem acredito! O teu carro tem uma mossa atrás.
- Uma ... mossa...?, repeti eu, bem devagar, a ganhar tempo enquanto me preparava para confessar tudo e arcar com as consequências.
- Sim, uma grande mossa. Mas não te preocupes. Já percebi tudo!
- Percebeste...?
- Sim. A marca é vermelha.
- Vermelha...?
- Sim... Quem é que tem um carro vermelho? O nosso vizinho, o X.
- O X...?
- Sim! Foi ele. Não tem cuidado nenhum a estacionar. Eu bem que o vi ainda há bocado a tirar o carro ao pé do teu. Reparou que eu estava a observar, até desviou o olhar. Devia saber muito bem que tinha acabado de te bater. Não sabe mesmo estacionar. Há tempos que reparo. Até tenho medo sempre que estacionas ali, porque já se sabia que mais cedo ou mais tarde ele te ia bater.
- Achas mesmo que foi ele...?
- Tenho a certeza. Estava completamente encostado ao teu carro. E desviou-me o olhar quando saiu, depois.
- Mas pode não ter sido. O carro já podia ter essa marca, não é...?
- Não tinha, não. E é da cor do carro. E a marca bate certa com o sítio em que o carro  do X estava estacionado. E ele tinha um ar comprometido. Que azelha.
- Mas então o que vais fazer?
- Não podemos fazer nada, porque não vi mesmo o embate, não é? E ele, surdo como é, nem deve ter ouvido. Mas devia ser homenzinho e assumir as culpas.
Verdade seja dita que a certeza do meu pai era tal que, naquele momento, eu própria acreditei que tinha sido o vizinho X, com o seu carro vermelho, e a sua azelhice ao volante, a bater no meu carro. Tentei convencer-me que, mesmo que tivesse dado um toque, ele tinha aumentado a marca. O meu pai tem a maior capacidade de persuasão que já conheci. Convencia um esquimó a comprar-lhe gelo, se quisesse.
No entanto, sempre que passo por esse vizinho, sinto-me mal. O meu pai e ele nunca se deram bem, é um facto, mas o que é certo é que há cerca de dez anos atrás, eu deitei mais uma acha para a fogueira.

Vizinho X, a verdade é que também não gosto muito de ti. És antipático, nunca respondes aos meus bons dias ou boas noites. Resmungas com todos os vizinhos, arranjas problemas e já bateste em alguns carros, graças à tua falta de jeito para a condução. Mas sou a favor da justiça e, neste caso, fui eu que falhei. Perdoa-me, que menti.

Na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença.

Eles amavam-se na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença. Na riqueza e na pobreza. Todos os dias das suas vidas.
Ela ria-se, ele ria-se também. Ela chorava, ele abraçava-a, com os olhos humedecidos.
Ela queria passear e aproveitar os dias, ele queria também e era feliz assim.
Ela estava doente, com dores de garganta, ele ia a correr à farmácia comprar-lhe medicamentos. Detestava vê-la com dores!
Ela ganhava muito bem, tinha um emprego de sonho. Ele tinha orgulho nela e falava dela aos amigos, com os olhos cheios de admiração.
Um dia, ela perdeu o emprego. O que aconteceu? Ninguém sabia ao certo. A empresa foi piorando os resultados, ano após ano, até que o fecho foi inevitável, sem que ninguém, contudo, o tivesse atempadamente antecipado. Caiu-lhe tudo, de repente. Não tinha salário. Não tinha grandes poupanças, porque tinha investido tudo no casamento. Não tinha perspectivas de arranjar outro emprego igual. Andava angustiada e repetia:
- Como é que agora vamos resolver a nossa vida?
- Tem calma, meu amor. Eu trabalho e sabes que aquilo que ganho chega para os dois. Não tens que te preocupar com nada. O casamento é isto: é amar-te nos bons e nos maus momentos.
Ela limpou as lágrimas e sorriu. No dia seguinte, enviou dez currículos. No dia a seguir a esse, vinte. Depois, trinta. Depois, quarenta. Não teve nunca respostas. A angústia aumentava, tal como os dias.
- Tens a certeza que conseguimos aguentar assim?
- Claro, querida. Confia em mim.
Os meses passavam.
Um dia, a roupa dele não estava passada a ferro. "Não passaste isto?", perguntou ele gentilmente. "Ainda não", disse ela. "Precisas para amanhã?". Não precisava. "Queria só confirmar se estava passado ou não, para arrumar na gaveta." Ela sorriu. Amavam-se muito.
Outro dia, ele reparou que o lixo estava cheio. "O lixo está cheio. Podias ter levado. Tiveste tanto tempo...", comentou ele, com uma voz suave, inocentemente. "Tens razão, levo agora.", respondeu-lhe ela, prontamente. E lá levou.
Outro dia, depois da mesa posta e jantar na mesa, ela pediu-lhe ajuda para arrumar a cozinha. "Dás-me aqui uma mão? Assim vou para o sofá contigo fazer-te companhia." Só que ela esqueceu-se que o clube dele jogava nesse instante. "Hey, ajudas-me?", insistiu. Nesse momento, ele transformou-se. Aqueles votos solenes lidos convictamente perante dezenas de pessoas foram transformados. Algumas palavras apagadas pelo tempo. O tempo transforma as memórias. Transforma discursos. Transforma convicções.
"Pedi-te ajuda ao almoço para pagar?? Não, pois não? Então cala-te e arruma!!"
Nesse momento, ela percebeu.
Ele amava o seu sorriso. As suas lágrimas. A sua alegria. Ou até as suas queixas. Amava o empenho dela no trabalho. Mas quando lhe tiraram o emprego, para ele, foi como se lhe tirassem a força, a garra, a energia e o carácter dela. Sem o trabalho, era apenas uma carcaça do que era antes. Sem luz no olhar, a pedir-lhe dinheiro para as compras, para a casa. Não. Ele não estava mais apaixonado e ela sabia. Passou-lhe à frente dos olhos, rapidamente, o filme dos últimos meses. A falta de interesse dele nela. A ausência de carinhos, de beijos, de abraços, de mimos. Não faziam amor há meses e, nas últimas vezes, ela sabia que ele nem estava 'ali'. O que já tinha chorado por causa disso...
A verdade caiu sobre ela, pesada e desconfortável como só a verdade pode ser. Fez as malas e saiu. Podia não ter dinheiro, mas tinha amor próprio. E esse amor próprio mantinha-se e havia de se manter para sempre conforme os votos. Todos os dias da sua vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Eu e ele

Tenho uma imaginação demasiado fértil, segundo ele, e sou demasiado sonhadora. Talvez seja verdade. Por isso, muitas vezes tento calar-me, quando sei que estou a sonhar demasiado. No entanto, hoje não me contive e perguntei-lhe isto, enquanto almoçávamos:
- Se te dessem um ano de vida para fazeres o que quisesses, sabendo que depois voltavas ao ponto de partida e só tu o tinhas vivido, o que fazias?
- Mas tinha dinheiro?
- Sim, tinhas um ano só teu e muito dinheiro para gastar. Era uma espécie de lotaria de Natal realizada pelos anjos. E foste tu o vencedor.
- Hmmm...
- Repito: podias fazer tudo o que quisesses, porque o ano só passava para ti. Podias ser músico, viajar, podias fazer o que te apetecesse.
- Hmmm... Já sei!
- Então?
- Comprava um M3 e ia já sacar uns piões, fazer umas rotundas de lado e ultrapassar os 200. Por isso, não sei se ia aguentar um ano vivo, respondeu-me, com os olhos a vibrar de emoção.
"É um romântico", pensei, de mim para mim.
- Mas porque perguntaste isso?
- Não sei. Lembrei-me.
- E tu, o que gostavas de fazer?
Inspirei, como se estivesse a pensar pela primeira vez na resposta, à pressão. A verdade é que estava a olhar para ele há alguns minutos e a pensar que adorava poder fazer o que quisesse, sem medo de pensar nas consequências. Adorava poder engravidar já amanhã, sem pensar se tenho ou não vida para isso. Adorava poder viajar três meses seguidos sem pensar no dinheiro. Adorava criar o meu próprio negócio. Adorava ter o meu próprio escritório. Adorava poder escrever um livro ou um argumento para um filme. Já tenho ideias e tudo. Adorava poder dar um mergulho no mar com 10.º C cá fora, sem me importar se depois vou ficar constipada. Adorava poder fazer tudo o que quisesse, sem pensar no amanhã, sem pensar nas consequências. Adorava agarrar nele, viajar mundo fora, a escrever, a ouvir música, a namorar e a aumentar a família de ano a ano. Mas é daquelas coisas que às vezes me passa na cabeça e depois é ridículo dizer.
- Gostava de escrever um livro.
- Mas isso podes fazer sempre.
- Pois. Pois posso.
Não acrescentei mais nada. Prefiro que ache que sou prática, para variar. Enquanto isso, a cabeça continua a fervilhar, em segredo.
Mas M3, piões e rotundas...? Deve ser triste ser homem! :p

A arte de não falar, falando

A minha mãe é tão engraçada que, às vezes, quando lhe ligo, estou mais tempo a ouvir porque é que demorou a atender do que a conversar efectivamente.
- Trriiim! trrrrim! Estou?
- Mamã, oláaa!
- Olá. Já estavas a ligar há muito tempo? Chamou muito?
- Um bocado...
- Este telefone... Não percebo. Tanto toca, como não toca. Só atendi, porque vi uma luz. Às vezes não tem som. Não sei o que acontece.
- Não tem mal.
- Já ontem, disseste que ligaste muitas vezes e nunca ouvi. Se não fosse o teu pai reparar na luz, eu não sabia que estava a tocar. Não sei o que se passa. Com o iphone entendo-me, mas com este telefone não... E o teu pai também não. Não percebo nada.
- Ok.
- É que é mesmo chato. Depois queixas-te que ligas e nunca atendo. Já ontem a X disse o mesmo e não ouvi, nem ficou registado. E contigo também não. Fui ver o telefone e não tinha nenhum registo.
- Ok, pronto. Está tudo bem?
- Estamos a almoçar. Falamos logo, sim? Dá mais jeito. beijinho
- Hmmm... beijinho
E é isto.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Vou entrar em depressão

Já não bastava isto da mudança de casa, que começou há dias.
Parece a minha sina a rir-se de mim: "ai estás cansada? Leva lá isto para te deprimires também."
Estava a almoçar com os sogros e alguma família dele.
Pergunta a madrinha, a propósito de nada: - Quem é a Pippa Coco?
Nós os dois a rirmo-nos um para o outro.
Ele: - Não sei... Porquê?
A madrinha: - Porque vi no facebook de alguém. É alguma brasileira?
Gargalhadas mentais. Dissemos que desconhecíamos, mas que achávamos que era um blog qualquer.
Passado uns minutos, chega a sogrinha. Também a propósito de nada, lá lhe sai um:
- Quem é a Pippa Coco?
Acho que corei. Parecia combinado!...
Ele repetiu a resposta de há minutos atrás.
- É que reparei que viram esse blog no computador lá em casa. Nem eu nem o teu pai vemos essas coisas. Fui ver o que era, mas não é nada de jeito. Porque viram isso?
Apetecia-me bater-lhe explicar-lhe bem alto educadamente que são textos pessoais e que não sou propriamente uma comentadora da política ou da actualidade.
Sei desde sempre que estes meus sogros são muito intelectuais. Mas fiquei realmente triste, porque nunca vão poder ler-me. No dia em que o fizessem, iam achar que só digo disparates e que sou uma fútil. Tenho a certeza.
Naquela casa só se fala de cultura (pintura, antiguidades, museus), música, cinema, viagens, jóias, leilões, exposições. E, sinceramente, apesar de gostar de conversar sobre temas mais sérios, o objectivo deste blog sempre foi sempre um espaço de desabafos, um espaço pessoal e descontraído.

Lamento, sogrinhos.
Amigos na mesma?

Sabemos que estamos cansados

Quando dizemos "Glândula Vila Morena".
Ou "só lhe faltavam as calças à boca de cinto".
A mudança de casa tem destas coisas.
Bom fim-de-semana!!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Penso como uma balofa*

Esta semana fui experimentar dois ginásios com duas amigas diferentes.
Em comum? As duas estão óptimas, grandes corpos, magrinhas e motivadas.
Conseguem controlar-se a comer, têm noção do corpo que têm e como o manter. São as duas cuidadosas e tratam bem do corpo. Cabelos bonitos, pele sempre impecável, corpo tonificado.
Eu tenho corrido três vezes por semana. Fui a uma nutricionista o ano passado, super querida e realista. Alterei alguns hábitos de alimentação.
E, no entanto, quase um ano decorrido desde que alterei alguns pontos na minha alimentação e que comecei a correr mais frequentemente, acho que estou igual.
Cheguei à conclusão que é porque não penso como magra. Penso como gorda.
Não penso: "faço desporto, vou ter cuidado a comer, para os efeitos se notarem!!".
Penso, isso sim: "fixe, corri 5 kms! gastei 300 e tal calorias, por isso já posso comer uma tablete de chocolate sem engordar!".
Quando acabo de correr adoro comer porcarias.
Conclusão: estou igual a sempre. Faço mais desporto, tenho cuidado a comer mais peixe grelhado e legumes, mas depois... pimbas: toma lá um chocolate, toma lá batatas fritas.

Querida nutricionista, o problema não és tu. Sou eu.
Tenho que mudar.

*Peso 61kgs. É assim tão difícil descer a barreira dos 60? Grr...

Para a minha pequenina

Podes sentir-te triste e pouco lutadora, mas vou contar-te algumas coisas sobre ti. Talvez não te lembres tão bem como eu, porque sou mais velha e já cá ando há mais tempo, mas há coisas sobre ti que sei até melhor que tu.
Sei que, com 2 anos, foste mais forte que todos nós. Enquanto todos gritavam, porque te tinhas magoado com gravidade e cortado um dedo, tu, bonequinha e com os teus olhos chinezinhos, sorrias para nós com ar admirado. Foste para o hospital como quem vai passear. Foste uma guerreira. No teu aniversário, perante as nossas perguntas pelas tuas dores, pedias-nos, sorridente, para abrir os presentes e soprar as velas do bolo.
Sei que, com 10 anos, organizaste uma manifestação contra a destruição das árvores da tua escola. Preparaste, distribuíste inquéritos e uniste um grupo de revolucionários pela tua causa. Queriam construir um parque de estacionamento. Tu organizaste uma manifestação de pequenos revolucionários, revolucionários com pouco mais de metro de gente. Uma pequena grande lutadora. E nós, apesar de não o admitirmos em voz alta, estávamos orgulhosos de ti.
Sei que, com 11 anos, tiveste que arranjar advogado. Lembras-te disso? Encontraste um pequeno cão abandonado, teimaste que estava doente e que tinha que ir ao veterinário. Levaste-o para as aulas, tentando encontrar a solidariedade da professora. Perante a insistência desta em expulsar o cão da sala, disseste que, se ele saísse, tinhas que sair também. Quiseste um advogado para te representar no Conselho Directivo. Fizemos ar de zangados e, quando viraste costas, rimo-nos com a tua ousadia.
Sei que, com 16 anos, quiseste fazer parte da lista à associação de estudantes. Organizavas debates, preparavas a campanha. Ficámos preocupados com as notas, mas conseguiste sempre o que querias.
Eras a minha pequenina, mas foste sempre a minha inspiração.
Há também algo que te quero confessar: várias vezes fui ver, sem saberes, os teus bolsos. Tinha medo que começasses a fumar. Tenho vergonha de admitir, mas espero que me perdoes.  Tinha pesadelos em que te apanhava a fumar, a beber, a drogar-te. Nunca aconteceu. Paranóias de irmã velha? O que sei é que calaste estes meus pesadelos. Apenas me fizeste e fazes sentir ridícula por pensar nisso.
Sei que sempre foste e serás uma menina cheia de valores, cheia de ideais, cheia de força. Uma lutadora, uma guerreira.
E sei que agora vais estar a ler o texto e a pensar "que exagero, não sou nada assim".
És. Não duvides de ti. Nem por um segundo.
Acredita em mim. Acreditas?
Daqui a uns dias vais estar a sorrir outra vez.
Foste desenhada a sorrir. E não existes de outra maneira.
Acreditas em mim?
Há coisas que simplesmente sei.