terça-feira, 28 de julho de 2015

A Malti

No dia em que a Malti fazia 5 anos, decidi que estava na altura de a mimar. A verdade é que, desde que a Constança nasceu, a cadelinha acabou por ficar, inevitavelmente, em segundo plano. Chego a casa, no final do dia, e é com a Constança que brinco. À hora de almoço, é também com a Constança que brinco. Quando está bom tempo e estou para aí virada, ainda me aventuro a passear ambas (filha e pequena de quatro patas) no jardim, durante uns trinta minutos. Mas os velhos passeios diários com a Malti? As velhas corridas junto ao rio ou junto ao mar? Há muito que deixaram de existir e é agora a ama que a passeia. Eu continuo a adorar a Malti, claro, mas a disponibilidade com uma criança pequena em casa mudou, e isso é coisa para me ter deixado com peso na consciência há já alguns meses. No fim-de-semana passado decidi mimar a aniversariante e fomos passar o fim-de-semana fora, numa casa de turismo rural, junto do Gerês.

O fim-de-semana prometia, mas acabou mal. De sábado para domingo, durante a noite, a Malti começou a uivar e a "chorar". Pareciam dores, muitas dores. E parecia "remar" no chão, como que a tentar aliviar a dor. Tentei pegar nela e acariciar a barriga, mas nada parecia resultar. Acabámos por adormecer outra vez. No domingo acordei eu com dores de barriga e achei que teria sido algo que todos tínhamos comido ou bebido (cadela incluída). As dores passaram, a Malti não se queixou mais, esquecemos o assunto e aproveitámos o resto do dia para descansar e apanhar sol. Domingo à noite, já em casa, a Malti começou a tremer, foi contra as portas, com dificuldades a andar, desorientada e com o rabo entre as pernas, e ficámos assustados. Combinámos levá-la à veterinária na segunda logo de manhã. Só que na segunda a ama disse-me que ela estava ótima e já não tinha nada. Andava sem dificuldades, abanava a cauda, parecia igual a sempre. Não levámos à veterinária. Até que, segunda à noite, repetiu-se o cenário. Não adiámos mais e levámos à veterinária no dia seguinte. Falou-se em "leishmaniose" como principal suspeita. A Malti ficou internada para observação, a soro. Os sinais estavam estáveis. Passámos a semana assim: no final do dia, eu ia buscá-la e trazia-a para casa. De manhã, ia levá-la outra vez. O teste da leishmaniose deu positivo, mas pediu-se uma contra-análise para confirmar, porque os exames renais não deram os valores que seriam esperados no panorama da doença.

Nós tínhamos marcado férias no Algarve a partir deste sábado e, com o aproximar do dia, sabíamos que tínhamos que tomar decisões. Como a cadelinha parecia estável, optámos por deixá-la com os meus pais, que se comprometeram a vigiá-la e a reportar à veterinária qualquer sinal anormal. Viemos embora para o Algarve otimistas, mas saudosos. O problema foi que domingo a Malti teve convulsões. Três convulsões seguidas. Os meus pais levaram-na a todo o gás para a veterinária novamente. Inchaço anormal no cérebro. Líquido em excesso. Tiveram que a anestesiar. Retirar líquido para análise. Colocá-la com baixa atividade cerebral para acalmar.
- Coma?, perguntei eu à veterinária por telefone, eu que não domino (de todo!) a linguagem médica.
- Coma induzido, sim.
E assim está a minha pequenina de quatro patas, enquanto eu estou longe.
Fizeram um TAC e afastaram a possibilidade de ser um tumor cerebral. Mas continuamos sem saber o que se passa. E continuamos com o coração nas mãos há dois dias. Não sabemos se terá sido mordida por algum mosquito na zona do Gerês. Em princípio será algo infeccioso, mas eu, leiga na matéria, só queria perceber se há possibilidade de tudo se resolver e voltar ao que era...

A Malti fez 5 anos e eu tinha imaginado que a minha filha cresceria com ela, e que seriam as melhores amigas nos próximos anos. Vou tentar manter-me otimista, mas, até lá, peço a quem perceber um pouco do assunto que partilhe opiniões ou testemunhos. Obrigada!

domingo, 26 de julho de 2015

Manual para ultrapassar as saudades

Há uns dias, recebi um e-mail duma leitora muito querida que me contou a sua história de amor e pedia-me conselhos, pois sabia que eu tinha também passado por algo muito semelhante. Dizia-me ela "sei que também teve durante algum tempo uma relação à distância (...) claro que queria muito viver com ele e ter uma família...Sinto-me sozinha, principalmente ao fim-de-semana... há dias que não consigo mesmo controlar as saudades e discuto com ele...Tens algum conselho a dar-me? (...)".

Relações à distância. Saudades... Como sobreviver? Como fazer com que resulte? Li o e-mail. E identifiquei-me logo, era impossível não identificar. A sensação de nos sentirmos sozinhas, mesmo sabendo que temos alguém era-me tão familiar... Comecei logo logo a responder. A explicar que me revia na história. A explicar que já tinha passado pelo mesmo. A explicar como tinha ultrapassado. A dar mil conselhos. E mais mil conselhos. Até que, perto do final do e-mail, suspirei... reli o que tinha escrito e apaguei tudo, sem olhar mais para trás. Quem queria eu enganar? Já passei pelo mesmo. Mas é mesmo verdade que ultrapassei? Estou viva para contar a história, mas só isso. Não tenho mérito nenhum. Não ultrapassei nada. Não me tornei perita no tema. Sou só uma sobrevivente, mas não um exemplo a seguir. O que aconteceu comigo foi a aplicação duma regra muito simples chamada "tempo". O "tempo" passou. E cheguei até aqui para contar a história. Dizem que o tempo cura tudo, mas não acredito. O tempo passa sempre, mais rápida ou lentamente, e torna tudo mais distante. Só isso. Se pensar nas saudades que senti, continuo a sentir hoje o mesmo aperto no coração. Esse aperto forte e detestável, essa dorzinha que não passa chamada saudades.

Mas há afinal um manual para relações à distância? Há um manual para lidar com as saudades? Não há. O amor pode viver-se nas palavras que se trocam, nas memórias e no carinho, mas o amor precisa de toque, alimenta-se da presença do outro. Gostar é precisar de tocar na outra pessoa. É precisar de a olhar. Horas a fio, se for preciso, até todos os traços ficarem guardados com exatidão na nossa memória. Gostar é precisar de treinar constantemente todos os sentidos. E felizes os que conseguem gostar à distância e sentir-se preenchidos na mesma. Mas eu não faço parte desse leque de felizardos. O tempo que passei com saudades foi um tempo de vazio constante. E por muito que tentasse preencher esse vazio com telefonemas, mensagens, e com planos para o futuro, nunca deixava de me sentir incompleta. Por muito que me ocupasse com tudo e mais alguma coisa (e muito me tentava ocupar!), fosse trabalho, fossem filmes, livros, música, desporto, por muito que estivesse com amigos, faltava sempre aquela pessoa. Não sei lidar com saudades. Se gosto da pessoa, não quero viver a vida privada da minha presença preferida.

Manual para lidar com saudades? Seria um manual de matança. Porque as saudades devem ser mortas. Uma a uma. Um casal pode viver afastado, mas tem que ter um plano que o ajude a suportar a distância e a controlar as saudades. Fins-de-semana a dois. Objetivos a curto e médio prazo. Saber que se controla o futuro, seja de que maneira for. No nosso caso, tínhamos delineado que, ao fim de "x" tempo, um de nós tinha que ceder e ir viver com o outro. Felizmente, o destino esteve do nosso lado e, a meio da minha licença de maternidade, sorriu-nos. Foi dos melhores telefonemas da minha vida. Porque nos juntou outra vez.

Não sei lidar com as saudades. A distância doí-me fisicamente. Não sei lidar com a necessidade de querer ver a pessoa e não poder. E não me peçam promessas. "Prometes que pensas em mim todos os dias?". Estas promessas são seguidas por mim demasiado bem. Não penso todos os dias. Se gosto mesmo, penso todas as horas. Não me dediquem músicas. Se gostar, quero dançar cada música a dois. A única coisa que gosto nas saudades é a contagem decrescente. A única coisa que gosto nas saudades é da sua matança. Nua e crua. A matar as saudades sou rainha. A vivê-las, sou a pior pessoa. Por isso, querida leitora, só posso dar esse conselho: viva da melhor forma possível a contagem decrescente. Ocupe-se da forma mais divertida que conseguir. Façam planos para o futuro que a tranquilize e faça sonhar com uma vida a dois, mais cedo ou mais tarde. E mate as saudades em grande, sempre que puder.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Sou só eu que já não consigo ler o nome "Sara Carbonero"?

Ai a Sara Carbonero não quer mudar-se para o Porto.
Ai a Sara Carbonero prefere Madrid.
Ai a Sara Carbonero disse isto.
Ai a Sara Carbonero disse aquilo.
Ai temos que mostrar à Sara Carbonero o valor do Porto.
Ai temos que mostrar à Sara Carbonero que o Porto é que é.

Mas quem é a Sara Carbonero neste mundo? Falo a sério. O que nos interessa a opinião dela? É alguém cujas opiniões sejam relevantes para os portuenses ou para o resto do país? Não me levem a mal: a jornalista até pode ser alguém com um Q.I. muito acima da média, viajada, inteligentíssima e culta, com gostos requintados e apurados, mas até hoje nunca a ouvi dizer nada que me parecesse relevante, por isso, é-me totalmente indiferente que goste ou não do Porto.

Além disso, todos sabemos que o Porto esteve, até muito recentemente, envolto em mitos vários, como por exemplo: é uma cidade cinzenta, velha, degradada, em que só se fala do FCPorto, está sempre mau tempo, as pessoas comem francesinhas todos os dias ao almoço, que intercalam com tripas ao jantar, falam à "Puarto", com palavrões, vivem todas na Ribeira e são comandadas pelo Pinto da Costa. Mas não. O Porto tem conseguido revelar, nos últimos tempos, que é muito, muito mais. E tenho a certeza que todos estes mitos têm vindo a ser desfeitos e a imagem que passa lá para fora está, lentamente, a mudar.

O Porto é luz, é rio e mar, o Porto é, como canta o Rui Veloso, "da Ribeira até à Foz", é gente nova e empreendedora que enche as ruas cheias de História com futuro e planos, o Porto são as fachadas que ganham vida nova de dia para dia, o Porto é a Universidade e os seus estudantes, não é a Sara Carbonero, porque para cada Sara, há mais de dois milhões de apaixonados pela cidade. E eu, não tendo nascido no Porto, faço parte deste número.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Isto de ser adulta

Há dias, alguém me dizia  "não falei logo contigo para jogar padel, porque imaginei que, agora com uma filha, não pudesses fazer programas à noite". E não me importei nem pensei mais nisso (até hoje), porque a pessoa em questão não tem filhos e podia estar a dramatizar um pouco o que é isto de ter uma filha.

No último casamento que tive, comentava uma amiga minha (solteira) comigo: "agora não vos convido para jantar, porque imagino que tenham mais que fazer". Dei-lhe um raspanete pelo comentário e expliquei que continuávamos sempre disponíveis (e cheios de vontade!) para jantares e programas giros. Não pensei também mais no comentário (até hoje), porque pensei que poderia apenas ser uma desculpa (esfarrapada) para a falta de iniciativa para convites.

Só que ontem foi a minha própria mãe a dar a "facada" fatal e a atirar a gota que fez transbordar o copo. Comentava eu que andava com menos tempo para ir ao ginásio, quando a minha mãe respondeu, sem hesitar: "mas tu achas que eu conseguia ir ao ginásio contigo e com a tua irmã em casa? é normal, agora não tens tempo. és adulta". E fiquei a matutar naquilo. E a matutar. E a matutar.

Mas desde quando é que ser mãe implica que temos que "ser adultos" e abdicar de tudo o que nos faz feliz: jantares, ginásios, jogos com os amigos...? Faz tudo parte do pack "ser adulto responsável e caseiro"? Não, não me posso identificar com este estilo de vida. Adoro ser mãe. Não consigo estar um dia sem ver a minha filha. Morro de saudades se não a vejo à hora de almoço, por exemplo (sim, continuo a ir quase sempre a casa almoçar, só para a ver!). Mas nunca me pareceu incompatível o ser mãe com o ir correr no final do dia. Ou ir jantar com os amigos (e levá-la quase sempre connosco, se o sítio propicia - por que não?). Serei menos adulta por isso?

A verdade é que me sinto quase sempre uma criança numa pele de adulta. E posso receber um salário no final do mês. Posso pagar as contas da água e da luz. Posso até pagar à empregada. Levar a filha ao pediatra. Verificar se as vacinas estão em dia. Entregar a Declaração de IRS. Fazer contas. Levar o carro a lavar. Discutir poupanças e reformas. Mas, quando dá aquela música que gosto, continuo a querer dançar e fingir que toco guitarra sem pensar em mais nada. Continuo a gostar de devorar pacotes de bolachas no sofá, enquanto vejo algo lamechas. Continuo a gostar de cantar no chuveiro. Continuo a sentir o apelo, quando toco com os pés na areia molhada, para fazer a roda ou pino. Continuo a sentir vontade de pedir algodão doce nas feiras populares. Continuo a querer ir a festivais de música. Continuo a acreditar que ainda vou voltar a ter aulas de piano. Continuo a ver um baloiço e a ter andar. Continuo a ver Legos e a não resistir a criar logo alguma figura. Continuo a gostar de desenhar. Às tantas, um dia destes, tudo isto se vai tornar ridículo e nem me vou aperceber. Vou tornar-me uma velha sem noção da idade, a fazer figuras tristes que embaraçam o resto da família. Talvez. Mas enquanto a pele de adulta me estiver demasiado larga para a vestir, vou continuar a ser mãe e ser mulher da forma que sei fazer melhor. E da forma que me faz feliz. É única forma que sei ser.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Descobri que nunca tive saudades TUAS

Quem me lê há algum tempo, sabe que sempre me assumi, sem vergonhas, uma saudosista. A saudade sempre esteve presente na minha vida, de tal forma que, muitas vezes, cheguei a acreditar que a saudade seria psicossomática, de tal forma a sentia fisicamente como um aperto na garganta. Até que hoje... Hoje descobri que, por muitas saudades que já tenha tido da praia, do mar, do arroz de lingueirão do Dona Bia, de abraços, das pipocas do Arrábidashopping, de beijos, daquelas férias, de determinados dias, e de milhares de outras coisas... nunca tive, afinal, saudades tuas. Tenho que o admitir.

Nunca tive saudades tuasAté posso ter tido saudades dos teus beijos, do teu perfume, de momentos nossos. Mas saudades tuas? Foi tudo uma ilusão. As tuas saudades sempre foram apenas... tuas. Nunca nunca foram sentidas por mim. Repito, para que percebas bem, e sem rodeios: nunca tive saudades tuas. E isso, sim, foi algo que me deixou envergonhada. Tantas mensagens a puxar à lamechice que te mandei e afinal todas eram mentira. Dará para apagar tudo?

Confusos?

Descobri hoje, a ler este texto, que a frase "tenho saudades tuas" está gramaticalmente incorreta se nos queremos referir a sentir saudades por alguém. No limite, haverá um "tenho saudades de ti". E isto, para alguém que é, em simultâneo, saudosista, romântica e amante da Língua Portuguesa, foi um verdadeiro choque. Sinto-me uma fraude. Andei a mentir - pior, andei a roubar saudades que não eram minhas! -, e a utilizar mal o português toda a minha existência.