quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Querido, não mudei a casa

Sou saudosista. Muito. Tenho saudades de tudo e mais alguma coisa. Para quem me segue há algum tempo a temática já é recorrente, por isso, nada de novo. Apego-me a roupas - "estava com esta saia quando ouvi pela primeira vez aquela música, naquela sexta-feira, a jantar naquele restaurante" -, a cadernos - "ah esta anotação naquela aula, era terça de tarde e a seguir fomos à praia... estava tão apaixonada pelo X nessa altura... a D. namorava com o Y, a R. gostava do Z, ai que altura tão engraçada" -, a perfumes, a cheirinhos de cremes, a cds de músicas, a livros, a objetos decorativos, a fotografias, a malas,... A tudo. Tudo tem uma história, tudo é uma viagem gratuita no tempo que me faz recuar dez, quinze e vinte anos. Tudo tem um som, tudo tem um cheiro, tudo tem alguém associado. Tudo traz um sentimento agarrado. Sou saudosista e, por isso, quase todos os pedaços da minha casa contam histórias...

Os pedaços da minha casa contam histórias, sim. O problema é, aparentemente, só eu é as oiço. Assim, se ligarem o "Querido, mudei a casa", verão um programa dinâmico com paredes a serem deitadas abaixo, armários trocados em dois segundos e divisões a renascerem a dois segundos, como que por artes mágicas... Em minha casa? Em minha casa, se isto fosse um programa de televisão a dar em direto nos vossos lares, tudo se iria resumir a grandes planos monótonos e deprimentes duma pobre mulher sentada no chão a pegar em objetos e a parar dez minutos em cada um a decidir o destino a dar. Lindo, não? Ele queixa-se que assim é impossível remodelar a casa, porque agarro-me a tudo e digo que tudo é importante. Diz que sou pouco prática e que, por ele, metade das coisas iam para o lixo. Diz que me torno desarrumada nas mudanças. Eu prefiro dizer que sou saudosista. Sim, sou saudosista. É uma palavra mais bonita, não? E agora vou continuar a remodelar a casa (sim, a bebé cresce de dia para dia e precisa de mais espaço para ela), para não fazer jus ao título deste post...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O regresso

O regresso ao trabalho está aí ao virar da esquina. E eu ainda nem consigo acreditar. Trabalhei os últimos meses antes do parto a ver a barriga lentamente a crescer, a sentir que os dias não passavam, a sentir que somava as semanas de gravidez ao ritmo mais lento de sempre, constantemente ansiosa por ver quem habitava dentro de mim, a contar as horas, os minutos até o dia acabar e poder ir para casa dar atenção à barriga. E as quatro últimas semanas de gravidez? Sentia que o tempo não passava. Simplesmente não passava. Era cruel. Olhava para o relógio e era sempre a mesma hora. O sol não se mexia no céu. Era eu, a minha barriga em espera e o computador a chamar por mim, sedento de prazos e atenção. E tinha que dar prioridade ao computador, mas em silêncio ia acariciando a barriga e dizia-lhe "logo à noite dou-te atenção". Só que a noite nunca mais chegava. Nem as sextas-feiras para ter o fim-de-semana todo para dar atenção e mimo à barriga. Nem o final das quarenta semanas. Sim, o tempo é cruel quando esperamos. Depois disso, quando finalmente o dia "D" chegou, alguém colocou novamente todos os relógios do mundo a trabalhar mais rápido que nunca. A terra desatou a fazer maratonas de rotação, cada rotação mais rápida que a anterior, o sol começou a desaparecer cada vez mais rápido no horizonte. E três meses voaram.

Três meses de paixão. De descoberta. De noites mal dormidas, primeiro. Mas sempre de muitos beijos. Mimos. Muitos mimos. É que a pele dum bebé... Já tocaram na pele dum bebé? É a superfície mais macia do  mundo! A pele dum bebé foi inventada para ser acariciada, tem que ter sido isso. E o cheirinho dum bebé... Já cheiraram um bebé? Foram inventados para ser cheirados, só podem ter sido. Alguém me disse uma vez que os olhos dos bebés são maiores que o resto da cara, comparativamente, para se tornarem irresistíveis perante as mães. Eu acho que tudo neles foi detalhadamente pensado, pela mãe natureza, para não lhes podermos resistir. A natureza terá dito "hmmm, choram o dia todo, não falam nem comunicam, têm fome de três em três horas, fazem cocó e xixi como gente grande, não têm dentes, não têm praticamente cabelo, hmmm... tenho que colocar alguns extra para pelo menos as mães conseguirem aturá-los". Só que a mãe natureza superou-se. E deu-lhes um cheirinho e um toque irresistível. Deu-lhes uns olhos gigantes e pestanudos, de olhar contemplativo e apaixonado. Deu-lhes um sorriso que é "só" o sorriso mais enternecedor que existe, algo que à partida poderia parecer impossível para um ser desdentado. Deu-lhes a vozinha mais doce que já foi inventada, mesmo que não saibam falar. E assim, mesmo entre choro, troca de fraldas e falta de sono, roupa suja e casa caótica, damos por nós completamente apaixonados e babados. Sim, de forma totalmente irracional.

Três meses que... já foram! E agora dói olhar para esta carinha e pensar que não poderei mais vê-la de manhã à noite. Terei que confiar que alguém saberá tomar conta dela tão bem quanto eu. Terei que confiar que alguém saberá fazê-la rir como eu faço. Que alguém saberá cantar-lhe até adormecer como eu canto. As músicas preferidas dela. Sim, terei que confiar que alguém saberá escolher as músicas preferidas para cantar como eu faço. Trocar-lhe as fraldas e dar aquele jeitinho à fralda no fim para ficar no sítio como eu faço. Limpar-lhe o pescoço como eu limpo. Pô-la a palrar como eu faço. Pô-la a "andar" como eu ponho. Pô-la em frente ao espelho e fingir que vai bater no próprio reflexo como eu faço. Ter os momentos de alegria que tem comigo. Trocar os olhares apaixonados que troca comigo. Entrelaçar as mãos como eu faço. Dar-lhe os beijos barulhentos na barriga como eu dou. Dançar o tango no colo como dança comigo. Terei que confiar que... Não. Quem quero enganar? No fundo, espero apenas que saibam tomar bem conta dela. Mas nunca tão bem quanto eu. Não, isso não. Sou a mãe. E há momentos que continuarão a ser só nossos. Espero. Desejo. Não, só eu saberei sempre quais são as músicas preferidas. E como devo cantar para adormecer, certo? Só eu saberei dar aquele jeitinho às fraldas. Limpar-lhe o pescoço. Pô-la a palrar. A fingir que anda. Pô-la a ver-se ao espelho daquela maneira. A rir-se. Só comigo (e com o pai, ok, há sempre lugar para o pai nesta equação) continuará a trocar olhares apaixonados. A entrelaçar as mãos. Só eu (e o pai, pronto) saberei beijá-la na barriga e pô-la a rir-se daquele jeito. Só comigo continuará a dançar o tango. Sim... Vai custar tanto, tanto separar-me desta pequenina, que já sinto o estômago pequenino e ainda faltam uns dias...

Será o cheirinho, será a pele, serão os olhos enormes, será este sorriso (mesmo desdentado), será a voz tão doce (mesmo sem falar)...? O que quer que a natureza tenha feito, fê-lo bem. De forma perfeita. Irrepreensível. Sim, porque só estou há três meses com esta pequena criatura e saber que vou deixá-la para ir trabalhar está a revelar-se uma tortura maior do que alguma vez poderia imaginar. As saudades estão já a ser maiores do que alguma vez senti. E este amor...? Sim, a mãe natureza sabe o que faz. Ai... Sabe bem demais.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O dia D #5 - conclusão

(Primeira parte: aqui; segunda parte: aqui; terceira parte: aqui; quarta parte: aqui)

Como prometido, hoje termino a história do parto e faço também uma síntese dos dias que se seguiram. Contar o desfecho desse dia tornou-se muito mais demorado do que era suposto, mas a verdade é que parte de mim não queria despedir-me desta história, como se o contá-la fosse assumir que realmente já é passado. Parte de mim não estava ainda preparada para terminar o relato, porque, de certa forma, queria ser ainda dona absoluta desses momentos. A qualquer momento poderia emocionar-me novamente e reviver o dia, como se ele estivesse em "pause" e, ao carregar no "play" para o contar, o perdesse para sempre. Hoje decidi que tenho que escrever antes que a demora tenha o efeito perverso de não me permitir lembrar de todos os pormenores e de os perder para sempre. Sim, tenho que terminar a história. Hoje, a história deixa de ser só minha e passa a estar guardada em palavras neste cantinho chamado internet. Quem sabe um dia a Cookie a encontre... Quem sabe...

Ora, depois de saber que a bebé era perfeitinha, como desejado, depois de a vestirem e trazerem novamente até mim, e depois de dar de mamar, vieram as fotografias da praxe, para registarmos os momentos para a posteridade. Nessa altura o meu sogro foi essencial, porque, sem que tenha na altura dado por isso, ia fotografando tudo, para mais tarde recordarmos (de qualquer modo, tenho visto fotografias lindíssimas do dia do parto, como estas da Catarina, do Ties, e tenho pena de não ter tido uma cobertura fotográfica profissional, mas a verdade é que na altura nem me lembrei disso. A ver se no próximo parto me lembro...) Depois disso, veio a realidade: fazer os telefonemas, escrever as mensagens a avisar que tinha nascido, o sermos informados do horário de visita do dia seguinte, tive direito a jantar, depois tive que mudar de quarto, e... a despedida. Como decidi ter a bebé num hospital público, eu já sabia que ia ficar sozinha sem ele. Sinceramente essa parte custou um pouco. Correção: custou muito. Tínhamos vivido aquilo tão juntos, era um momento tão dos três que, naquele momento, não me apetecia ficar a dormir sozinha só com a bebé. Mas teve que ser. Num futuro parto, no entanto, pensarei noutra solução, pois parece-me fazer muito mais sentido termos o marido connosco nesses dias tão importantes. Escusado será dizer que essa noite passei-a praticamente claro. Como todas as seguintes que passei no hospital. A bebé veio com os horários trocados, não queria dormir durante a noite e tinha fome de duas em duas horas, praticamente. Quando, às sete da manhã, eu tinha acabado de adormecer, já as enfermeiras entravam quarto adentro para medir tensões, temperatura e ver a bebé. Durante o dia, as visitas, mesmo que não fossem muitas, também me impediam de dormir.

Quanto ao meu corpo, lembro-me de, no primeiro dia, apalpar a barriga, para ver como estava, e ficar em choque: a barriga continuava grande, como se estivesse de sete meses, só que agora estava flácida em vez de dura e esticada. Parecia uma almofada grande e fofinha. Só ao fim dessa semana encolheu até parecer "apenas" que estava de quatro meses. A barriga no tamanho que tinha antes demorou cerca de uns três meses a aparecer. Quanto ao resto, não tive dores no pós-operatório. Tomei Benuron nos primeiros dias e foram suficientes para não sentir nada. Sei que levei pontos internos, mas pareceu-me sempre estar tudo impecável e no dia seguinte ao parto eu já andava pelos corredores, tomei logo banho, e fui logo à casa-de-banho sozinha. Nada traumatizante. Sentia-me mais dorida e não andava com a mesma desenvoltura, claro, custava um pouco a sentar, mas uma das vantagens do parto normal/ vaginal é isto: podemos fazer a vida normal logo a seguir. Ah e lá em baixo tudo fica igual, posso garantir. Esqueçam os mitos. Somos mais elásticas que a plasticina, o corpo da mulher está mesmo desenhado para isso.

Como disse no post de ontem, a parte de amamentar é que não foi logo tão mágica como tinha imaginado. O facto de termos sempre de estar a olhar para o relógio e a preocupação de confirmar se o bebé mama bem ou não tiram grande parte da magia do ato de dar de mamar. No entanto, vendo à distância, percebo que as enfermeiras foram uma ajuda preciosa nesses dias. Ao contrário do que imaginava, os bebés têm que ser ajudados no início: ou porque adormecem durante a amamentação e temos que os acordar, ou porque não agarram bem, ou porque depois não arrotam logo e bolçam,.. As enfermeiras não desistiam e andavam sempre à nossa volta. Ensinaram a dar banho, a mudar as fraldas e deram dicas até quanto a limar unhas,... Foram realmente incansáveis e fundamentais. Uma delas disse-me que muitas mães nunca pegaram num bebé antes de pegar no filho e, por isso, cada vez mais elas (enfermeiras) têm que estar sempre perto das recém-mamãs para ajudar e tirar todas as dúvidas.

Quando o dia da alta hospitalar chegou, nem queria acreditar que finalmente íamos ser os três novamente. Mais a Malti, claro, que também já estava em casa impaciente e já tinha cheirado as roupinhas da bebé, para se familiarizar ao novo membro da casa (segui todos estes passos do Cesar Millan para apresentar a Malti à bebé). Vesti a bebé, coloquei-a no ovo, e atravessei o corredor do hospital em direção à saída mais ansiosa do que quando entrei ali. Sim, porque agora era a sério. Agora íamos sair os três e íamos abraçar uma nova vida, sem médicos ou enfermeiros por perto. A primeira viagem de carro foi emocionante. Sentia que levava ali o presente mais especial do mundo, o tesouro mais valioso. Passei os primeiros dias em casa em total contemplação. Tudo o que ela fazia era novo. Não conseguia parar de olhar para ela. De cada vez que a via tinha quase que me beliscar para acreditar que era verdade. Era verdade. Não me fez confusão ter sempre gente a volta dela e a pegá-la, mas já várias mulheres me disseram que não gostam particularmente dessa parte. Quanto aos famosos baby blues, tenho a sensação que, se vieram, estavam tão misturados com o cansaço e o sono que nem dei pela sua presença. Fui-me um pouco abaixo uma vez no hospital, mas de frustração por não conseguir dormir, e outra em casa, porque a bebé não parou de chorar durante horas e naquele momento tive medo que realmente o meu leite "não fosse bom", essa frase que tanto ouvi de pessoas mais velhas. Quando falei com o pediatra, este tranquilizou-me e disse apenas "o leite da mãe é sempre bom. A bebé está a crescer muito bem". E nunca mais pensei nisso do leite.

Quantos às minhas certezas iniciais de que teria um parto com o mínimo de intervenção da medicina, com a minha filha a escolher a data, que não teria dores, que ser mãe seria totalmente instintivo, tal como dar de mamar, acalmar os choros, pô-la a dormir, de que conciliar o ser mãe com a vida amorosa e social seria simples, ou ainda a certeza que o meu corpo iria voltar ao normal num ou dois dias? Pois... Nada é tão simples como nos livros ou nos filmes. O nosso corpo pode ser caprichoso e não fazer tudo como queríamos, por isso, as minhas certezas não se verificaram. Acabei por provocar o parto. Quanto às contrações doem mais do que julgava, mas não mais que tirar um dente do ciso. Ser mãe não é apenas instintivo, como imaginava, também se aprende todos os dias: aprendemos a distinguir os choros, aprendemos a conhecer o bebé e os seus horários, aprendemos a gerir a nossa vida e a esticar as horas. A vida social e amorosa também retoma o seu ritmo, com calma. A barriga também volta ao sítio. O que não volta ao sítio é outra parte de nós. Há uma parte de nós que fica para sempre alterada: o coração. Aquela paixão assolapada que sentíamos aos dezasseis anos, aquelas borboletas na barriga que nos atacavam sem aviso prévio? Regressam, mas acompanhadas de uma sensação de tranquilidade tal, que é como se tivéssemos tomado dez Redbull misturados com calmantes (nunca experimentei, mas imagino que sim). Estamos constantemente em pulgas, excitados e felizes, mas ao mesmo tempo sentimo-nos em paz. Cada pessoa descreverá a maternidade de forma diferente, claro. Para mim, estes três meses desde o tal "dia D" têm sido isto: mil borboletas na barriga e, ao mesmo tempo, uma calma e uma sensação de estar totalmente preenchida como nunca tinha sentido. Tenho sono. Sim, tenho sono. Durmo menos. Tenho menos tempo para fazer tudo o que quero. Mas que adolescente apaixonado não dirá o mesmo...?

Por fim, umas palavras para vocês que estão desse lado: obrigada por insistirem comigo para terminar este relato. Obrigada por comentarem sempre estes textos. E obrigada por me terem feito sentir acarinhada por vocês neste momento tão especial da minha vida. Sinceramente comecei a escrever a história do parto mais para mim, julgando que vos iria maçar com um relato tão exaustivo e pessoal, mas foi muito muito especial para mim sentir que estavam realmente a ler e, mais que isso, a acompanhar-me de dia para dia. Não conheço a maioria que me lê, mas pela amostra de quem comenta, acredito que atraí gente muito muito boa onda, algo raro nestas coisas dos blogs. E sinto-me mesmo sortuda por isso. Obrigada. E já agora comentem mais, para vos conhecer mais um pouco, já que dou a conhecer tanto de mim.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Amamentar

Nunca tive dúvidas que, quando tivesse filhos, iria amamentar. Sempre me pareceu um momento tão íntimo entre mãe e filho, tão especial e tão natural, que outra opção durante os primeiros meses não me passava pela cabeça. Mais: nem percebia muito bem como é que alguém poderia voluntariamente abdicar dessa possibilidade logo desde o nascimento do bebé. Mesmo assim, quando engravidei, acabei por ler testemunhos de mães que nunca amamentaram por opção, li os argumentos (o principal era sempre que o leite adaptado podia perfeitamente substituir o leite materno) que apresentaram, reli, tentei colocar-me do outro lado, mas continuei a sentir o mesmo desejo por fazer as coisas da forma o mais natural possível - apenas eu e a bebé, sem biberão pelo meio. Imaginava imensas vezes o mesmo momento: o parto, a bebé a chorar pela primeira vez, chegada ao mundo, confusa e desamparada, e eu a deitá-la no meu peito, a reconfortá-la e a dar-lhe de mamar. A imagem deixava-me sempre emocionada por antecipação. Desejava muito viver esse momento e repeti esta imagem vezes sem conta durante os nove meses. Para mim, ser mãe era sinónimo de amamentar, amamentar era sinónimo de ser mãe.

A primeira vez que dei de mamar foi, no entanto, um pouco diferente do que tinha imaginado. A bebé pequenina e frágil, tão frágil, toda ela a estrear-se no mundo, a boca minúscula que me parecia incapaz de abocanhar a mama e sugar (desculpem se a imagem é demasiado forte), eu ainda atordoada e a ser examinada lá em baixo (again, desculpem se é demasiado gráfico), deitada na cama, cheia de fios a saírem-me do pulso, ligada às máquinas, as enfermeiras fiscais-da-mama a espreitarem tudo e a controlar o momento... Em resumo, tudo um pouco diferente da imagem perfeita que tinha criado. A primeira vez não foi perfeita. De todo. Naquele momento tive medo que a bebé não mamasse bem, tive medo que doesse, tive medo que não saísse leite ou que o leite "não fosse bom", tive medo que os mamilos gretassem, enfim, só medos e pouca emoção... À minha volta, as enfermeiras (e depois familiares) iam controlando - "está a mamar? está a mamar?" - e eu sentia-me pressionada, como se, de repente, tudo se resumisse às minhas mamas e eu fosse apenas o corpo que as trazia. Depois da primeira vez, as coisas não melhoraram imediatamente. Durante os dias em que estive no hospital, continuei a sentir muita pressão sobre as minhas mamas. De cinco em cinco minutos (ok, talvez não tanto, mas era o me parecia na altura) vinham enfermeiras ao meu quarto perguntar se já tinha dado de mamar, se estava a conseguir, se tinha dores, se faltava muito para a próxima vez,... A meio da noite, se a bebé chorava, aparecia logo uma enfermeira preocupada "a bebé terá fome? a que horas deu de mamar a última vez? já está na hora?". E eu, confusa, sem dormir praticamente nada há dias, hesitava, olhava para o relógio e tentava fazer contas pela milésima vez. Geralmente ainda nem estava na hora, mas acabava por dar na mesma de mamar. "Deve ser fome, mamã, ela está à procura da mama"...

Os primeiros dias a amamentar foram confusos, sim. Foram mecânicos. E passaram a voar, no meio daquela repetição de gestos, daquela contagem exaustiva do tempo. Foram dias em que me sentia constantemente vigiada, avaliada, fiscalizada, como se as minhas mamas tivessem ido à tropa. Só eu podia alimentá-la, a bebé dependia exclusivamente de mim e isso era uma pressão grande. Andava cansada. Tinha sede, muita sede. E muita fome. Sentia contrações enquanto dava de mamar. Estava sempre a olhar para o relógio, como uma obrigação. Não senti os tais momentos íntimos entre mãe e filha. Percebi pela primeira vez quem tinha optado por dar apenas o "outro" leite. Percebi, sim. Percebi, por exemplo, que dar logo leite adaptado com certeza permitirá que o pai participe mais nos primeiros dias e que a mãe descanse mais.

Até que... Até que, ao fim de quatro ou cinco dias, já não sei bem, tudo mudou. Tudo. E percebi que tinha optado bem. Um dia, às cinco da manhã, estava eu no meu quarto sentada, sonolenta, com a bebé deitada no meu peito, agarrada à minha mama, quando, do nada, no meio da penumbra, ela olhou para mim. E ficou parada a olhar para mim uns bons segundos. Como se perguntasse, admirada "quem és tu aí em cima?". Analisou-me atentamente. Apresentei-me. Disse-lhe baixinho "Sou a tua mamã". De repente, as lágrimas começaram a cair-me. Seria o cansaço a falar, a falta de sono? Não sei. Mas naquele momento tive quase que uma epifania: aquela era a minha filha. A minha filha estava ali comigo. A olhar para mim. A minha filha. A beber do meu leite. Agarrada a mim. A ser alimentada por mim, como naqueles últimos nove meses. A crescer graças a mim. Uma a extensão da outra. A minha pequena cria, a minha pequena e adorada cria. Tudo tão orgânico, tão natural, tão bonito, tão especial. E a partir daí foi sempre assim. De três em três horas (seis durante a noite), pego nela, alimento-a e sinto que ainda não cortei o cordão umbilical, que ainda somos só uma, uma a extensão da outra, e que ser mãe é a melhor coisa do mundo, e sinto-me grata por poder dar-lhe de mamar, por estar a fazê-la crescer tanto (sim, já são mais de seis quilos e sessenta centímetros de gente), eu, eu, eu, e não um pó feito por alguém. Não me tornei fundamentalista, continuo a perceber quem não o queira fazer, mas amamentar tem sido uma experiência tão positiva, tão bonita e íntima que recomendo a todas as futuras mamãs. Vou começar a trabalhar em breve e sei que vai ser complicado continuar a alimentá-la exclusivamente a leite materno, mas só por estes três meses já valeu a pena. Quanto às minhas preocupações do primeiro dia foram todas em vão: zero dores, zero complicações e a bebé cresce a olhos vistos. Mulheres que vão ser mães em breve, leiam por favor isto e relaxem se os primeiros dias a dar de mamar forem tão confusos como os meus foram. Não desistam na primeira vez. Acreditem que logo logo vale a pena. Vale meeesmo a pena.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

A ama

Depois de muitas conversas, depois de pesarmos todos os prós e contras das opções existentes (creche, ir para uma ama ou ir uma ama lá para casa), chegámos a uma decisão: a bebé ficaria com uma ama em casa, quando a minha licença de maternidade terminasse, caso conseguíssemos encontrar alguém que reunisse determinados requisitos e em quem confiássemos. Assim, tal como escrevi no Facebook do blog, a semana passada andámos em entrevistas para escolher "a tal". Sabíamos exatamente o que queríamos, por isso, era uma questão de sorte até a encontrarmos. Pusemo-nos em campo, procurámos, reunimos alguns nomes e marcámos algumas entrevistas/ conversas. No final, acredito que encontrámos exatamente a pessoa que queríamos. Mas o estar pela primeira vez do lado do entrevistador foi, só por si, uma experiência para mais tarde recordar. Desde a candidata que trazia todo o papel estudado e estava disposta a brilhar - fez tudo tal como mandam os livros - até à candidata que se esqueceu nitidamente de ler as regras de "dress code" para uma entrevista, foi engraçado estar deste lado e decidir que perguntas fazer, analisar a forma como as pessoas respondem, a forma tímida ou confiante com que se apresentam e como se "vendem". Sim, porque um entrevistado está, no fundo, a vender uma marca, está a convencer-nos que é essa a marca que queremos e de que precisamos. A candidata com a lição estudada, que quis pegar logo na bebé, que descreveu logo o estágio no infantário, o curso na área que tirou, que tentou logo demonstrar as técnicas de massagens para bebés...? Foi a escolhida. Agora é ver como corre. Estou um pouco nervosa, sinto que vou perder um pouco da minha filha para uma estranha. Mas acredito que é a melhor solução. Acredito que estará bem entregue. Pelo menos convenceram-me plenamente, durante os 30 minutos de entrevista, que sim.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Pesadelo de jantar

Numa altura em que todos se tornaram subitamente Chefs dotadíssimos, autênticos MacGyvers dos tachos, capazes de entrar numa despensa cheia de restos e, em dois segundos, sair de lá com um prato digno de duas estrelas Michelin - no mínimo! - e com zero calorias - que maravilha! -, eu sinto-me cada vez mais sozinha, entregue às minhas capacidades quase nulas de cozinhar. Sim, estou nos antípodas dos Gordon Ramsey deste mundo, quer em destreza culinária, quer em ideias para confecionar pratos. Cozinho o básico. Ponto. Parágrafo. Faço uns pratos engraçados, de vez em quando, que até a mim me surpreendem, mas a verdade tem que ser dita - e esses pratos são tão raros como encontrar um restaurante japonês gerido por japoneses. Cozinho desde os 18 anos (desde que fui para a universidade, portanto) e nunca passei passei fome ou deixei alguém passar, mas todos estes anos serviram também para demonstrar a mim mesma que, a ter talentos, estes não passam pela cozinha. Adiante...

Como dizia, numa altura em que todos se tornaram Chefs e partilham pratos coloridos e de babar (sim, o que eu me babo!) pelo Instagram, Pinterest e Facebook, sinto que a má comida e os maus cozinheiros (onde me incluo) começam a ser esquecidos. Já ninguém fala das más experiências culinárias que teve, já ninguém tem coragem de contar sobre a vez em que queimou o jantar, sobre aquela vez em que a sopa saiu azul (hello, Bridget) ou como correu aquele dia em que admitiu ao namorado que nunca cozinhou na vida (lembram-se da Carrie?). Por isso, em honra de todas essas personagens que me fizeram sentir menos sozinha, e também para que outros cozinheiros tão modestos quanto eu não se sintam sozinhos neste mundo cruel, hoje vou contar a minha mais recente experiência terrível na cozinha.

Depois de duas semanas a comer carne, carne e... mais carne (!) - ou não tivéssemos andado entre o Alentejo e Trás-os-montes -, resolvi dar o Grito do Ipiranga versão faca e garfo. "Hoje jantamos peixe!", disse, determinada. "Temos que comer peixe!", repeti. Ele perguntou-me onde é que queria comer peixe numa terra conhecida pela carne. "Nem que vá comprar e cozinhamos em casa. Temos que comer peixe. O meu corpo pede peixe, está farto de comer carne - e ainda por cima vermelha." Ele encolheu os ombros e andámos Alfândega da Fé fora a procurar supermercados. Andámos, andámos. Lá encontrámos um Minipreço. Saltei carro fora, a salivar pelo peixe, e entrei lá à procura dum robalo, uma dourada, qualquer peixe fresco... Nada. Só encontrei filetes de pescada congelados, com a garantia, contudo, na embalagem que eram "100% peixe". E a fotografia demonstrava-o, com um filete cortado a meio, com um ar fresco e suculento. Peguei na embalagem e metia-a ao cesto de compras. Fui buscar também uns legumes para saltear. Não era o que tinha idealizado - estava com desejos dum robalo grelhado com legumes cozidos - mas era o que estava mais próximo. Paguei, fomos para casa e atirei-me ao fogão. Para começar, os filetes tinham que ser fritos e não podiam ser feitos no forno, como me tinha parecido no supermercado, ao ver a embalagem na diagonal. O símbolo que me parecia um forno era afinal uma frigideira cheia de óleo. Torci o nariz. Optei por fazer com azeite em vez de óleo. Quando o azeite começou a ferver, atirei os filetes. O caos. O azeite começou a saltar por todo o lado, a minha roupa incluída, uma fumarada, um cheiro a queimado, parecia que a cozinha ia deitar fogo. Lá controlei aquilo. Virei-me para os legumes. Preparei-me para servir. Sentámo-nos. Começámos a jantar.
- Este é o prato de peixe que tanto querias?, perguntou-me em tom de gozo.
- Não, foi o que consegui.
- Já provaste o peixe?
- Não. O que tem?
- Prova.
Provei. Meus caros, se aquilo tinha peixe, eu sou loira e tenho 1,80m. Aquilo sabia a farinha. Apenas farinha. Era uma massa branca farinhenta que nada tinha a ver com a figura da embalagem. Os legumes, por sua vez, sabiam a água. Que é o mesmo que dizer que não tinham sabor absolutamente nenhum. Se fechasse os olhos e participasse numa prova cega de paladar, não ia conseguir dizer que alimento era aquele. E ali estávamos nós, sentados à mesa, com velinhas à volta a tentar disfarçar o cheiro a queimado, com janelas abertas para ver se o fumo saía, o exaustor ligado no máximo, a comer um composto queimado farinhento e uma miscelânea de legumes sem sabor. De repente, começámos a rir. A rir, porque aquilo era um desastre. Porque nada se aproveitava. Porque quem chegasse ali diria que tínhamos acabado de sobreviver a um incêndio. Porque o jantar estava uma valente m€£*@.
- Há maçãs. Queres uma?
- Quero.
E assim acabámos o jantar a comer maçãs. A rir. Cheios de fome. Salvos pela paisagem lá fora, que nos enchia a alma, já que o corpo continuava vazio, coitado. Serve o presente texto também para vos alertar: filetes de pescada Dia? Esqueçam. Ou então comprem só para terem um jantar comédia como este. E depois digam o que acharam.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O amor é um autocarro

Há uns tempos a Maria das Palavras pediu-me para escrever sobre um tema muito específico que ela própria já tinha abordado: afinal o amor chega mesmo quando menos esperamos, como nos costumam dizer? A Maria utiliza a metáfora da estação de comboios e diz que, na opinião dela, é impossível estarmos à espera dum comboio e abstrairmo-nos disso, do ato de esperar. Quem espera, sabe sempre que está à espera. Não consegue esquecer-se disso. Por isso, a resposta àquela pergunta terá que ser negativa: o amor chega, isso sim, quando esperamos. E "...vamos estar sempre à espera".

Ora, a minha opinião é um bocadinho diferente. É sempre um tema difícil, mas respondi-lhe isto, que aproveito e partilho aqui: "[Realmente] Não sei se o amor chega quando menos esperamos, porque no fundo estamos todos à espera, certo? Mas acredito que chega, muitas vezes, quando menos acreditamos nele. Muitas vezes é quando estamos mais distraídas a tomar um café, mais descrentes, mais ocupadas a ler um livro, que o tal comboio (fazendo uso da tua metáfora) surge no horizonte e... afinal nem é um comboio, é um autocarro, e descobrimos que é o autocarro que faz sentido, e que o autocarro até estava mesmo ali ao lado e nem o tínhamos visto (porque só queríamos o comboio), e que afinal o destino para onde queremos ir é outro, e depois viajamos e descobrimos que esta é a viagem das nossas vidas e não a outra com que sonhávamos. O amor [para mim] é isto: é muitas vezes estarmos à espera do comboio e depois percebermos que afinal só somos felizes no autocarro."

Quando (sor)rir não é o melhor remédio*

- Tens alguma alma gémea?
- Hmm... Defina alma gémea.
- Alguém com que te identifiques... Alguém que torne tudo mais claro para ti.
- Ah, sim, tenho muitas almas gémeas.
- Muitas? Então enumera algumas.
- Shakespeare, Nietzsche, Frost, O'Conner...
- Ah... isso é ótimo. Só que estão todos mortos.
- Não para mim. Para mim não estão mortos.

O diálogo é retirado, numa tradução muito muito livre, do filme "Good Will Hunting"/ "O Bom Rebelde", de 1997 (como é que o tempo passa tão rápido? ainda me lembro tão bem de quando vi o filme a primeira vez...). Ironicamente, Robbin Williams era o terapeuta que colocava estas perguntas ao inseguro, ainda que genial, Will Hunting, interpretado pelo Matt Damon. Ironicamente foi por este desempenho tão credível enquanto terapeuta/ pessoa equilibrada que ganhou o único Oscar da sua carreira, na categoria de melhor ator secundário. Ironicamente, a partir de anteontem, também ele entrou para a categoria de almas gémeas que não estão connosco. Sim, porque tenho a certeza que, para muitos, Robbin Williams simbolizava a alma gémea que gostariam de ter, simbolizava o homem emocionalmente equilibrado, divertido, bom ouvinte e inteligente que vimos neste filme e que gostaríamos de encontrar na vida real. Mas afinal seria mesmo?

O Bom Rebelde rapidamente se tornou um dos meus filmes preferidos. Adorei o Clube dos Poetas Mortos e vi-o vezes sem fim com as minhas amigas no liceu, mas O Bom Rebelde... O Bom Rebelde conseguiu marcar mais, talvez por ter visto já mais velha. Aquilo da mente brilhante para quem o reconhecimento dos outros é uma ilusão... A mente brilhante que tem medo de se apaixonar e continuar a sentir sozinha mesmo estando acompanhada... A mente brilhante que tem medo do próprio sucesso... Não sei bem porquê, mas talvez por ter visto o filme adolescente identifiquei-me um pouco com tudo aquilo. Em simultâneo, consolidei a ideia que tinha de que o Robbin Williams seria o amigo perfeito, o pai ideal, a companhia que qualquer um quereria para conversar num jantar, a pessoa a quem se ligaria num momento triste, para desabafar... Para mim ele era tudo isso. É horrível descobrir que, na verdade, se aproximava mais do Will Hunting que do próprio terapeuta. É horrível descobrir que, afinal, também ele seria inseguro e se sentiria sozinho, debaixo de tantos sorrisos. A morte é sempre ingrata e revolto-me muitas vezes com a morte de alguém, mas confesso que este caso me fez mais confusão por ser a morte de quem sorria tanto e acabou a suicidar-se com uma depressão. Faz-me confusão porque reforça a ideia que, afinal, o mundo não é preto e branco, não há os felizes e sorridentes dum lado, e os tristes e sisudos de outro. Há este vasto cinzento cheio daqueles que se escondem debaixo de tristes sorrisos. E como é que podemos ajudar estes? Como é que podemos ajudar alguém que não nos diz que precisa de ser ajudado...? E quantos estarão assim perto de nós...? Era tão mais fácil se, pelo menos quanto aos sorrisos, o mundo fosse realmente a preto e branco...

*Tinha este post terminado há dois dias, mas problemas com a internet não me tinha ainda permitido publicá-lo. Aqui vai, um pouco atrasado...

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Finalmente encontrei "os" brincos

Sou uma esquisitinha no que toca a brincos. Posso gostar de muitos, mas raramente compro. Gosto de ver nas outras mulheres, mas muito dificilmente perco a cabeça e gasto dinheiro com uns. Talvez por isso tenha apenas meia dúzia de brincos que realmente uso: dois pares de brincos pequeninos, discretos, que uso para trabalhar e os restantes maiores e mais vistosos, que uso em festas. Nos últimos tempos, no entanto, andava à procura de dois tipos de brincos: pérolas que fizesse conjunto com um colar muito especial que recebi aos vinte e cinco anos, e um par de brincos compridos, em forma de gostas, a imitar esmeraldas (já que não posso comprar as esmeraldas verdadeiras). Os primeiros são fáceis de encontrar, tenho só que escolher de entre toda a oferta. Quanto aos segundos, nunca vi. Procurei por todo o lado, nos últimos tempos, e nunca vi "os" brincos. Sabia que queria especificamente em forma de gota e queria que fossem verdes esmeralda. Gosto de ver o contraste do cabelo castanho e da pele morena com o verde. Só que entrava em lojas e lojas... Nada. Nunca encontrava.Até que ontem... Ontem vi-os finalmente e criados pela pessoa mais improvável, a Mariana Monteiro. Já a via como uma miúda cheia de pinta e sempre cheia de bom gosto a vestir-se em todos os eventos, mas agora subiu na minha consideração. Fez esta coleção para o Eugénio Campos (cujas coleções que vou vendo, por norma, nem gosto muito, confesso) e fiquei rendida. Não sou de comentar aqui marcas, como sabem, mas fiquei tão contente com a minha descoberta que nem resisti e quis partilhar aqui. Não concordam que a miúda teve bom gosto? (Sim, eu sei que é quase da minha idade, mas chamar-lhe "miúda" faz-me sentir jovem também) Agora falta-me espreitar ao vivo...

domingo, 10 de agosto de 2014

Aqui no meio de tudo

Estamos no meio do nada há dias. E pelo "meio do nada" entenda-se em Alfândega da Fé. Já andámos a passear por Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Mirandela e, além de concluir que vou acabar este passeio de Sul a Norte obesa (se no Alentejo se come bem, por aqui não se fica nada atrás), saio também daqui com a sensação que o tempo aqui passa mais devagar. Primeiro, porque o dia começa bem mais cedo, com as galinhas - ou com o galo, para ser mais precisa. Saio do quarto para a varanda e vejo as andorinhas a percorrerem o céu, a cumprimentarem o novo dia. Olho para a piscina e vejo bicharada a fugir antes que o sol rompa o horizonte e ilumine tudo. Já vi rãs, salamandras e até um sapo gorducho. Ovelhas e burros. Depois, porque em todas as ruas parece respirar-se calma. Passeamos pelas ruas, cumprimentamos, somos cumprimentados, e ninguém tem pressa, ninguém está atrasado. Tudo é motivo de conversa, tudo é interessante, tudo merece a discussão, demore o tempo que demorar. Já acabámos em casas de senhores que insistem "provem o vinho!", já trincámos maçãs "puras, sem químicos, tudo natural", já saímos das casas com um salpicão e chouriços. Já falei sobre o Porto e Lisboa, sobre os ossos e o efeito que a mudança de temperatura tem sobre eles, já falei sobre a amamentação, já falei sobre os filhos e netos que não conheço, já falei sobre truques para temperar a carne e até já adivinhei idades - qualquer assunto serve. Ou tentei adivinhar idades. Porque na verdade errei. Esqueci-me que o tempo aqui passa mais devagar. Ou nem sequer passa. As pessoas aqui não envelhecem por dentro. E por fora envelhecem mais devagar. "50? 55? Não tem ainda 60, pois não?... 66??! Já tem 66? Não acredito!". As pessoas aqui riem-se com o corpo todo. E olham-nos nos olhos. Querem saber de nós. Querem ter-nos nas suas casas. As pessoas aqui são crianças e acreditam em nós de brilho nos olhos. E eu acredito nelas, mesmo sem as conhecer. Estamos no meio do nada há dias. Sem rede no telemóvel, sem internet. E apetece-me ficar por aqui. Apetece-me ficar aqui a mostrar as galinhas - e o galo madrugador - à Constança. Apetece-me acordá-la cedinho, ir até à varanda e mostrar-lhe as andorinhas que cruzam o céu. Mostrar-lhe lá em baixo as rãs. As salamandras. O sapo gordo. Passear com ela e ver velhas e burros. Apetece-me ensinar-lhe os nomes dos rios. Das árvores. Apetece-me dar-lhe a mão e entrar com ela nas casas que não conhecemos, mas onde somos convidados. Apetece-me ensiná-la a rir-se com o corpo todo. A acreditar em todos. Apetece-me mostrar-lhe o brilho dos olhos destas pessoas e dar-lhe um pouco desse brilho também. Mas tenho tempo. Aqui, no meio de tudo, consigo acreditar que tenho tempo. Muito tempo. Tenho todo o tempo do mundo para lhe dar todo o tempo que quero viver com ela.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O segundo método de emagrecimento mais infalível do mundo #2

Lembram-se deste post?

Para quem me perguntou pela marca da cinta, experimentei primeiro a faixa pós-parto Mammy da Chicco e gostei muito no início, mas depois o tecido, talvez por ser um pouco grosso, começou a dobrar-se, o velcro começou a agarrar a roupa e senti que fazia pressão apenas na anca e não na cintura. Experimentei também a cinta pós-parto regulável da mesma gama, mas aconteceu o mesmo - o tecido era grosso e fazia dobras. Na farmácia, ouvindo as minhas queixas, a senhora aconselhou-me uma cinta tubular (não sei a marca, mas era muito mais barata, à volta de vinte euros) sem felcro e sem ser ajustável. Falou também muito bem da marca Anita. Disse que ia encomendar ambas, pois não tinha tamanhos pequenos - foi aqui que surgiu a discussão quanto ao meu tamanho, principalmente porque a cinta tubular não era ajustável. Acabei por comprar, no entanto, a cinta da Anita, por parecer mais confortável, mais ajustável às minhas curvas, por haver uma evolução do tamanho (uma vez que podemos apertar mais ou menos nos colchetes laterais), por ter tido ótimo feedback de quem usou, por ser mais gira (comprei em preto) e ainda por cima por ser mais barata que a da Chicco. Tenho usado durante a noite e cinto já alguma evolução nas curvas, já sinto que tenho uma cintura mais fina.

Quanto ao tamanho comprado... Bem, depois de tanta insistência, por parte da senhora da farmácia, quanto à impossibilidade de aqui a vossa amiga caber num "S", saí da farmácia fula. Fula com a senhora, fula com a minha barriga, fula com a minha cintura muito mais larga, fula com o meu apetite voraz que nunca me deixa fechar a boca a porcarias, fula com a vida... Só que o bom desses momentos de amargura é que, por vezes, têm o o efeito perverso de nos fazerem "acordar". E o que é certo é que em casa e com mais calma dei por mim a concluir que realmente o meu corpo estava (está) diferente, e que ia precisar de meter mãos à obra se quisesse recuperar o "antes". Quando voltei à farmácia já não estava tão concentrada em mostrar nada a ninguém, mas apenas em estabelecer um prazo para mim própria para voltar ao antigo "Eu" e às antigas formas. Talvez por isso, quando a nova empregada (a outra senhora não estava...) me foi buscar a cinta com o tamanho solicitado e me dirigi ao provador, já ia resignada. Acontece que o "S" serviu. E serviu à vontade, sem grandes sacrifícios. Não sei como, porque ando a comer como um alarve, principalmente nestes dias entre o Algarve, Comporta, Évora e arredores. De qualquer maneira, ando a dizer a mim mesma que depois desta pausa é que vai ser. Depois é que vai ser. Até lá, vou continuar a aproveitar o descanso, vou continuar a ser um bom garfo e vou continuar a namorar a minha bebé a tempo inteiro, que setembro está aí ao virar da esquina e, com ele, o regresso ao trabalho também...

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Alentejo de faca e garfo

Estamos em Évora há uns dias e só penso que ainda bem que não nasci alentejana - a cidade e os arredores (até agora passeámos por Reguengos de Monsaraz, pela zona do Alqueva, Arraiolos, Montemor-o-Novo e Estremoz) são lindos, mas com o bem que aqui se come seria uma alentejana obesa!! É uma alegria ver fotografias de saladas, fruta e sementes enquanto como açordas, carne de porco, migas, sericaias,... Não me falem em "healthy food" ou "healthy life" nos próximos dias, ok? Vou estar ocupada a ser uma gordinha feliz. A Pippa do futuro que trate depois das consequências desta comida toda. ;)

domingo, 3 de agosto de 2014

Repelente de homens

Andava eu a navegar em sites de roupa quando o chamei para mostrar este macacão/ jumpsuit da Asos
- Não é mesmo giro? Acho que vou encomendar.
- Dentro dos macacões não é muito mau.
- "Não é muito mau"? Essa não era a resposta que estava à espera de ouvir.
- Já sabes o que acho dos macacões. É raro favorecerem uma mulher. Parece que estão enfiadas num saco de batatas. Esse é menos mau exatamente porque não parece uma peça inteira.
- Oh, mas eu adoro macacões.
- Eu sei. Mas é daquelas roupas que as mulheres vestem apenas para agradar a outras mulheres. Nenhum homem gosta muito.
- Não acredito.
- Pergunta a quem quiseres. Os homens não gostam de macacões. A menos que sejam justos, claro. Mas não gostam dos macacões largos que muitas mulheres gostam de usar.

Ele pediu e eu, obediente, faço: pessoas que me leem, é verdade ou é mentira? Os macacões repelem realmente os homens?

sábado, 2 de agosto de 2014

A criança e o mar

Chega hoje ao fim a semana da praxe por terras algarvias - mais especificamente por Vilamoura. É assim há já muitos anos: em finais de jullho rumamos para sul e ficamos por cá uma semana ou duas em família. Foi, aliás, aqui que o conheci, há onze anos atrás, os dois jovens e inconscientes (ainda nem acredito que já passou tanto tempo, estamos os dois a ficar velhos). Nessa altura nunca  adivinharia que iríamos acabar juntos, era 2003 e só queríamos praia e festas com os amigos. E enquanto escrevo isto dou por mim a sentir-me uma mera narradora da vida de alguém, custa a acreditar que essa jovem que dormia três ou quatro horas por noite para aproveitar dia e noite era eu. Adorei esses tempos, mas o mais engraçado é que não tenho saudades nenhumas. Vivi-os ao máximo. Quando era suposto viver. Já não conseguia repetir a incerteza de ser adolescente ou ter vinte e poucos. A insegurança. A timidez. A indefinição do futuro. E gosto deste novo Algarve mais tranquilo. Da praia vivida de manhã, ou pelo menos antes do almoço. Sem grandes pressas ou pressão auto-imposta para aproveitar cada dia de férias ao máximo. Gosto das conversas. Gosto desta sensação de coração cheio. Desta segurança no dia de amanhã. Gosto de me sentir completa e não à procura de nada. Gosto de acordar logo com vontade de sorrir só de olhar para o lado. De adormecer feliz. Gosto desta mãozinha que espreita junto a mim, por entre as grades do berço, e que toco de mansinho. Gosto de acordar e vê-lo já acordado também, embevecido a sorrir para o berço e para mim. Vilamoura já não são os bares ao pé do Patacas, as discotecas e a praia da Falésia, Setor 4. Vilamoura agora é também a piscina do aldeamento, as praias mais desertas que vamos descobrindo, são as esplanadas junto ao mar, são os passeios durante o dia, são estes mini pezinhos que vi pela primeira vez a tocarem a areia... Descobri um novo Algarve e a verdade é que até gosto mais...

Agora? Agora siga subir a costa. Primeiro, passar na Comporta, onde o arroz de lingueirão espera por mim. E depois Évora, onde só conheço praticamente o Convento do Espinheiro, local mágico em que se casaram uns amigos nossos há dois anos. Sugestões de sítios para visitar aceitam-se! 
E como hoje acordei generosa até mostro uma fotografia minha com cara e tudo, em plena praia, a aproveitar o facto de o areal estar quase vazio e podermos andar à vontade. Sim, posso já andar com uma criança nos braços, mas ainda não conseguiram tirar a outra criança, a que existe ainda em mim, passem os anos que passarem...