quinta-feira, 27 de abril de 2017

Paixão

Paixão.
Trabalhar com paixão.
Viver com paixão.
Amar com paixão.

Sempre tentei pautar a minha vida pela máxima do "aproveitar enquanto cá estou". Até que o trabalho, a rotina, o facto de ele ter começado a trabalhar fora e o cansaço me engoliram. Até que alguma desilusão pela falta de reconhecimento no trabalho, pela dedicação e pelos sacrifícios me engoliram. Sim, continuei a trabalhar. Continuei a sorrir. Continuei a chegar a casa e a brincar com os bebés. Continuei a marcar coisas ao fim-de-semana. Continuei a fazer desporto. Continuei a tentar olear esta máquina chamada vida e a fazer o que era suposto fazer.

Mas a paixão? A paixão por todas as coisas desvaneceu-se um pouco no ano passado. Talvez tenha sido quando a minha empregada/ babysitter desapareceu do mapa, na altura em que estava de licença em casa, com o bebé e a Constança, e a tentar perceber como é que funcionava a dinâmica de dois bebés ao mesmo tempo mais uma casa para tratar. Talvez tenha sido quando tive que tratar sozinha do batizado, porque ele tinha começado a trabalhar num sítio novo. Talvez tenha sido quando voltei ao trabalho e ele teve que ir para fora, deixando-me sozinha a aprender a dinâmica nova "casa-trabalho-nova empregada-dois bebés em casa". Talvez tenha sido quando voltei ao trabalho e percebi que o trabalho tinha continuado sem mim e que eu não era, afinal, indispensável como achava ser. Fui bem recebida, mas foram pequenas coisas que me fizeram sentir algo "substituível". Talvez tenha sido quando, mês após mês, me cansava, mas continuava a dar tudo, mesmo sem dormir. Talvez tenha sido quando, no final do ano, na altura dos prémios, senti que o meu trabalho e sacrifícios não tinham sido devidamente valorizados. Talvez tenha sido quando senti que ser mulher seria sempre um fator de desvalorização num mundo dominado por homens.

Talvez tenha sido cada desses fatores que me fez perder alguma chama. Há alturas assim, não há? Neste caso, a primeira diferença notória foi ter deixado de escrever. Comecei a sentir-me meia vazia, desinteressante, cansada e cinzenta. Ia escrever o quê? "Olá, estou cansada, porque esta noite o bebé não me deixou dormir e tenho um prazo para hoje." Achei que o blog não devia ser um muro de lamentações. E só me apetecia mesmo lamentar. Não ia dizer "olá, hoje tive uma branca a meio duma reunião e percebi que estou um caco". Não sou pessoa dada a depressões, acho eu, mas andei muito tempo em modo "down", sem perceber para onde estava a caminhar a minha vida e a tentar encontrar conforto nos abraços e carinhos que trocava com os bebés no final do dia ou nas corridas que ia dando.

Os meses foram passando. Ele regressou. Voltei a ter mais ajuda. Voltei a sentir que éramos novamente "nós", "uma família". As coisas foram melhorando. Comecei a fazer mais desporto como terapia. Comecei a sentir o meu antigo "eu" a regressar.

Conclusão? Ter dois filhos pequenos e segurar sozinha o barco, com um emprego com horários malucos é... não há outra palavra... uma merda. Podemos adorar os filhos, podemos adorar o emprego, podemos adorar tudo. Mas acho que, a dada altura, perder a paixão pelas pequenas coisas é inevitável. Acabamos sempre sugados pelas rotinas, fraldas, horários, papas, prazos, stresses.

Não prometo recomeçar a escrever todos os dias. Mas hoje dei por mim a morrer de saudades de escrever aqui. E percebi que esta é, verdadeiramente, uma das paixões que tenho. Isto, este cantinho à beira-blogosfera plantado.

Até já.