(Primeira parte: aqui)
Há momentos que ficam guardados na nossa memória como uma fotografia - completamente estáticos. O momento em que vi, ao longe, um homem a correr na minha direção, foi um desses momentos. Ainda hoje não tenho a certeza se o homem realmente se mexia, ou se se limitou a ficar ali na posição de corrida, a posar para a fotografia, uns bons minutos, até que decidiu aparecer à minha frente, mexendo-se normalmente. O que sei é que tenho essa imagem guardada para sempre: um homem, ao longe, a correr na minha direção, vestido com umas calças desportivas azuis escuras, um polo branco e uns ténis brancos nos pés. Era preto, ombros estreitos, magro e ágil. Num momento estava longe. Reparei nele e pensei que fosse algum empregado do hotel a ir trabalhar.
"Coitado, deve ter muito que andar todos os dias. As casas mais próximas ainda são um bocado longe", pensei. Enquanto eu invertia a marcha para regressar ao hotel, já ele estava ali ao meu lado. E então o filme de terror aconteceu.
(Chegados a este ponto, tenho algo muito importante a pedir-vos: se forem sensíveis, não leiam mais. Estou a falar a sério. O que estou prestes a contar vai impressionar e não se lê neste tipo de
blog. Não é suposto ler-se em nenhum lado. Se quiserem continuar após estas linhas, avancem por vossa conta e risco, ok? Pois então vamos lá...)
O homem aproximava-se. E aproximava-se. Até que percebi que vinha mesmo na minha direção.
"Mas o que é que quer este tipo?", pensei. Algo já não me estava a soar bem. Aquela tensão no ar que antecede os acidentes...
-
Fuck?, perguntou-me.
Continuei a caminhar junto ao mar, no sentido do regresso ao hotel, cada vez mais rápido. Ele acompanhou o meu passo, ao meu lado.
-
Fuck?, insistiu, desta vez a gesticular com os dois braços estendidos junto ao corpo, para a frente e para trás.
-
No! No fuck!, disse-lhe, com o coração já acelerado, e o medo a apoderar-se de mim. Não se via ninguém à volta.
-
.. Fuck!...
E foi então que me agarrou. E foi então que me atirou para o chão. E foi então que senti a cara atirada contra a areia, o mar a entrar-me na boca e no nariz, e as mãos geladas dele a agarrarem-me o pescoço com força. Pensei algo como
"já fui". As mãos dele eram fortes e a minha garganta arranhava. Não gritei. Ou, pelo menos, a minha memória não tem som. Não esperneei. Quando penso nisso, até me assusto com a calma com que me deixei ficar ali a pensar algo como
"já fui". Só que não tinha ido. Nem fui a lado nenhum. Consegui rodar. E, estranhamente, falar. Deu-me para falar. Deu-me para falar muito.
-
Está quieto. Não há fuck nada. Eu sou casada, não estou aqui para isso. Mas há muitas mulheres solteiras que querem. Eu é que não posso, ok? Eu não posso.
- Fuck.
- O meu marido mata-te. Não pode ser. Está quieto.
E comecei a tentar agarrar-lhe a mão e a tentar tirá-la do meu pescoço. Na outra mão, tinha o meu telemóvel. Outra das coisas estranhas disto tudo é que nunca perdi a consciência de que tinha o telemóvel na mão e que não o podia molhar. No meio da queda para junto do mar, consegui mantê-lo sempre ao alto, a pensar que não o podia mesmo estragar. A mente humana é muito estranha, não é?
Nisto, pus-me a pé. O homem continuava a tentar agarrar-me e arrancar a parte de baixo do
bikini.
- Está quieto. Está quieto. Para! Não pode ser. Procura outra mulher, que eu não posso.
Falei muito. De nada adiantou. Sei que houve pontapés. Sei que me atirou novamente ao chão, de barriga para baixo. Sei que me virei para cima com toda a força que tinha, porque não queria ficar naquela posição tão vulnerável. Sei que me tentou abrir as pernas com as mãos. Sei que nunca na vida fiz tanta força nas coxas. E há outras coisas que sei, porque depois tive as marcas que ficaram no meu corpo para me contar: todas as nódoas negras nos braços, no interior das coxas, nas pernas... Sei que cada vez tinha menos força. Sei que a areia me magoava. Sei que a garganta arranhava cada vez mais. Sei que me beijou a nuca. Ou tentou. Sei que abriu o cinto e já estava a tentar desapertar as calças. Sei que eu já só pensava no pior. Continuei sempre a falar, a falar, a falar.
"Não faças isto, olha que há tantas mulheres que querem! E o meu marido vai mesmo matar-te, devias parar agora e ir embora".
- Shhhh!, respondia-me ele.
Be calm...
Até que... Lembram-se de ter dito que sabia exatamente as horas que eram, porque tinha o telemóvel na mão? Lembram-se de ter dito que um dos motivos para ter ido andar naquela manhã foi o pensar que assim fazia também algum desporto? Lembram-se de ter dito também que, estranhamente, nunca larguei o telemóvel? Há histórias com hora marcada. A minha história teve hora marcada e aconteceu às 8h15. Mas a minha história também não estava destinada a ser assim. E, de repente, o telemóvel que marcou as horas da minha história, também lhe colocou um fim. Porque há histórias com horas marcadas, mas há histórias que não têm que acontecer. E a minha não tinha que acontecer assim.
-
Beginning workout, gritou, subitamente, a aplicação
Nike+.
O homem saltou. Olhou para o telemóvel, muito atento e com ar assustado.
-
Beginning workout.
Arregalou os olhos. E fez-me um ar de súplica e medo:
"No police!! No police!!".
Mas o medo é uma semente e já tinha sido plantada e regada na mente daquele homem. E crescia rapidamente. De repente, agarrou-me o telemóvel das mãos, segurou as calças, pôs-se a pé. E desapareceu de vista. Como se nunca ali tivesse estado. Voltei a ver a fotografia que tinha visto antes, mas agora no sentido inverso, com ele em direção às dunas. E eu queria aproveitar aquela sorte e correr em direção ao hotel, pedir auxílio, chamar a polícia, mas não tinha forças nas pernas. Queria gritar por socorro, mas não tinha voz. A garganta arranhava. Tanto... As pernas, os braços, as coxas doíam. E fiquei ali sem forças, a querer chorar e nem a isso conseguir, a arrastar-me lentamente...
(Continua...)