sábado, 9 de maio de 2015

Há gostos cheios de amor

- ... Não se deve julgar um livro só pela capa.
- Já disseste isso.
- E não posso repetir?
- Podes... Só que já disseste isso. E, além disso, não concordo muito. A capa também interessa. Uma mulher tem que ser bonita, por exemplo.

É verdade, ela já tinha dito a frase do livro e da capa. Talvez até mais que uma vez. Já tinha dito aquilo. Estava a tornar-se repetitiva. Mas, na verdade, talvez fosse o seu subconsciente a pregar-lhe uma partida e a assumir o quanto adorava que ele visse nela um livro que queria muito ler, independentemente de adorar ou não a capa. Só que ele não era muito de leituras. Ficava-se pelas capas, mesmo. E ela sentia-se um daqueles livros que já foram bestsellers mas que agora estão perdidos nas prateleiras até que a editora se lembre de renovar a capa e, desse novo, renovar o interesse de potenciais leitores também. Modéstias à parte, sentia-se até um livro muito muito bom, com romance, magia, emoção e aventura. E aquele final feliz, ali à espreita? Só que ele não queria mesmo saber de livros nenhuns. Ou neste caso, não parecia querer saber tanto dela como ela gostaria. Ainda assim, despediram-se com carinho.

- Gostei deste dia.
- Também eu. Gosto muito de ti. Até amanhã.

Não se deve julgar um livro só pela capa. Tal como não se deve julgar um coração pelo número de palavras bonitas que diz. É que, se nos aproximássemos daquele pequeno coração, iríamos descobrir, pelo seu bater acelerado, que, naquele "gosto", estava mais amor que em muitas palavras de amor que já foram ditas. Aquele "gosto", atirado numa despedida, rápido e insonso, tinha muito mais amor que muitos "adoro-te" ou "amo-te" que já foram usados. Não, não se deve julgar um livro pela capa. Tal como é impossível julgar, ao longe, um coração pelas palavras que diz.

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