segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O sexo do bebé

Cresci no meio de mulheres, por isso, para mim seria natural repetir o ciclo e ter apenas meninas. Sou mulher, sei como as mulheres pensam, compreendo-as, sinto-me confortável entre mulheres. Talvez por isto, em todos os sonhos que fui tendo ao longo da vida, via-me a ter uma filha. Sempre me imaginei com uma menina nos braços, talvez por ser esse o meio em que me movi. Quando, grávida da Constança, soube que ia ter uma menina, foi quase como uma confirmação do que seria natural. Ia poder educá-la, compreendê-la, aconselhá-la, ouvi-la, acompanhá-la em tudo e não fiquei, nem por um segundo, preocupada com os valores ou princípios que irei tentar passar.

Desta vez, tudo mudou.

- É um menino!
- Um menino? Tem a certeza?!
- Certeza absoluta! Olhe para isto. Não há dúvidas nenhumas. Está a ver, pai? Com este tamanho, não há dúvidas nenhumas. Muitos parabéns!!

Começou logo aí. A referência ao tamanho, à virilidade do novo ser, como se tudo se resumisse a isso. Eu, que já tinha algumas reticências quanto a ter um menino, fiquei meia "abananada". Um menino? Saberia eu educar um futuro homem? Saberia eu fazer do mais simples - como escolher roupa gira para um menino ou mudar-lhe bem a fralda (digamos que há mais área para limpar!) - até ao mais complicado - ensiná-lo a ser um cavalheiro, a respeitar as mulheres, etc? Comecei logo com mil dúvidas.

Cresci no meio de mulheres, por isso, habituei-me a ver os rapazes como seres estranhos que se juntavam à volta duma bola de futebol e eram capazes de passar horas a gritar e a correr. Cresci no meio de mulheres, vi os rapazes alterarem a voz, o rosto, vi os pelos e as borbulhas a aparecerem-lhes na cara, vi-os a juntarem-se atrás da escola para fumar, vi-os com mil segredos, vi-os bêbedos, vi-os aproximarem-se de nós, mulheres... E só comecei a conviver com rapazes por volta dos 15 anos. Até essa idade não tive propriamente amigos ou referências próximas da minha idade (a não ser um primo da minha idade) do sexo oposto. Tive sempre o meu pai, mas era um adulto formado, eu não percebia muito bem era o modo de funcionamento dos rapazes e dos adolescentes.

Cresci no meio de mulheres. Não vou negar que seria feliz se continuasse a viver num mundo feminino. Mas... é "um menino!". E já me tenho vindo a habituar à ideia. Há tempos, alguém me disse "é da maneira que a Constança continua a ser a princesinha da casa". E isso, de certa forma, tranquilizou-me. Vai deixar de ser filha única, mas vai crescer a ser a única menina. E eu começo a ficar cada vez mais curiosa com este admirável mundo novo no masculino que vou descobrir em breve. Dizem-me que os meninos até são mais fáceis de educar e juram-me a pés justos que têm uma relação especial com a mãe. Estarei cá para tentar confirmar todos os mitos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Falamos todos a mesma língua?

A minha empregada disse-me ontem que a Constança só tinha comido bem a sopa, não tinha ligado ao conduto.
Con... quê?
- Conduto! Primeiro come-se a sopa e depois come-se o quê?
- .... não sei, depende....
- O conduto. Depois come-se o conduto.

Nunca tinha ouvido tal coisa e fiquei ali a pensar que "conduto" não me parecia coisa boa. Alguém consegue salivar por algo chamado "conduto"? Hmmm...

Hoje, comentou comigo que reparou que a Constança já tinha o queixal a espreitar lá atrás.
- Tinha o quê a espreitar?
Pensei num inseto assustador qualquer, a pairar atrás da cama dela.
- O queixal. Tem os dois em baixo a espreitar...
- ....
- Os dentes.
- Queixal?
- Sim... Ora veja no dicionário.
E eu, bem comportada, fui ver. E existe mesmo. Para algumas pessoas, é assim que se tratam os molares. Meti o rabinho entre as pernas e não se falou mais nisso.

É oficial: devo ser marroquina ou espanhola, porque o português assim parece-me chinês!


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vamos lá discutir a questão dos funcionários públicos

Ok, eu estava a pedi-las. Mas a verdade é que ando outra vez tão envolvida no mundo da maternidade que até me soube bem sair desse registo e entrar em temas mais sensíveis da atualidade. Por isso, quando, no último post, falei da questão da greve dos funcionários públicos estava ciente que não estaria a agradar a todos. E dei a minha opinião quanto ao alegado "ritmo alucinante" dos mesmos sabendo que podia ferir algumas suscetibilidades. De qualquer dos modos, confesso que não estava à espera de ter tanto feedback, tantos comentários negativos, tantas críticas e de gerar tanta polémica. Alguns comentários foram entretanto removidos pelos autores (eu não removo nada a não ser que seja mal educado), mas podiam ter deixado, caros comentadores, porque é das críticas que também se faz o diálogo.

Vamos lá aprofundar o assunto, então. Antes de mais, a quem comentou dizendo que eu, basicamente, não conhecia a realidade e estava de barriga cheia a falar, deixem que vos diga que estão a fazer o mesmo de que me acusam. Não fazem ideia se conheço (ou não) a realidade e se estou (ou não) de barriga cheia.

Assim, indo por partes: primeiro, lamento desiludir, mas até conheço a realidade. Estive um ano a trabalhar em funções equiparadas e, sem querer entrar em muitos pormenores, até tenho muita gente próxima que é funcionário público.

Por outro lado, não estou (com muita pena minha!) de barriga cheia a falar (se afastarmos o sentido literal da expressão, claro). Trabalho há praticamente 10 anos e a evolução do meu salário tem sido muito, muito mais lenta do que gostaria. Trabalho cerca de 10 horas por dia. Com dias (muitos) em que estou fechada das 9h30 às 22h sem sair a não ser para almoçar. Recebo apenas 12 meses. Não tenho direito a subsídios. Como passo recibos verdes, de 3 em 3 meses tenho que entregar o malfadado IVA ao Estado. Se ficar doente, não tenho direito a ficar de "baixa". Perguntam-me muitas vezes se vou trabalhar até ao dia do parto ou se vou para casa antes. A resposta é simples: tal como aconteceu da outra vez, trabalharei até ao dia "D", pois não há sequer alternativa. Perguntam-me também se tenho direito a horário reduzido por dar de mamar. Não tenho. Se quero dar de mamar, tenho que conciliar o meu horário com os horários do bebé, tal como fiz da outra vez, e jogar com as viagens alucinantes de carro a casa, para ir e voltar em meia hora, e com a máquina de tirar leite. Perguntam-me também se consigo sair cedo para estar com a minha filha. Não consigo. Nunca estou em casa antes das 20h. E com sorte. Por isso, conciliar esta vida com infantários seria impensável, para já. O meu telefone profissional recebe emails e chamadas até ao fim-de-semana. Tenho que estar sempre contactável. E tenho ainda a pressão da rentabilidade e da eficiência a pairar constantemente. Tenho que ser lucrativa. Sempre. Lucro, lucro, lucro. Se não, torno-me dispensável, por melhor que seja tecnicamente.

Sei que o conceito de "ritmo alucinante" pode variar de pessoa para pessoa. Sei que, para alguns, esta vida que descrevo até pode ser uma vida calma. Para os médicos que fazem urgências, com certeza que sou privilegiada por não fazer diretas. Para os juizes e professores que andam continuamente com a casa atrás das costas conforme são colocados, também serei afortunada porque tenho estabilidade geográfica. Para os enfermeiros que não são colocados, o facto de eu ter um trabalho já será algo a invejar. Cada um terá as suas adversidades e a vida do próximo pode parecer sempre mais calma que a nossa, porque a vemos... ao longe, não é a nossa.

Se acredito, ainda assim, que a minha vida seja mais alucinante que a vida da maioria dos funcionários públicos? Acredito. Desculpem, mas acredito. Na experiência que tive, descobri o doce sabor de ter um "patrão" desconhecido. Tinha uma pessoa acima de mim, naturalmente, mas não havia o tal "patrão" por perto. O "patrão" era uma entidade abstrata, quase desconhecida, que vivia no topo da hierarquia, a anos-luz de nós. Descobri também o sabor de não ter telemóvel profissional, com emails a caírem e com telefonemas a toda a hora. Descobri o sabor de ter um edifício que fechava às 20h e de ter um segurança que me ia chamar às 19h45, porque estava a fechar tudo. Percebi que, se quisesse ter um filho, teria direito a baixa se fosse preciso, a licença de maternidade e também a horário reduzido para amamentar. Percebi que não havia a mesma pressão dos objetivos e da faturação. Percebi que não havia tanta pressão na avaliação. Descobri o doce sabor de ter estabilidade na carreira e contrato sem termo, sem obrigação de passar recibos verdes. Descobri o bom que é viver sem medo de me tornar dispensável amanhã,

Mas a minha experiência também serviu para ouvir as queixas de quem me rodeava. E eram muitas: os cortes. A dificuldade na progressão de carreira. O congelamento de salários. As más condições. O aumento das 35 horas para as 40 horas sem aumento de salários foi a gota de água. Imagino que sim. No entanto, esta situação foi recentemente revertida, certo? Voltarão às 35 horas. Está garantido. Daí não entender tanta revolta agora. Não conseguiram o que queriam?... O meu comentário à entrevista que partilhei teve uma dupla intenção: primeiro, manifestar a minha estranheza perante uma greve de quem teve o que pediu. Mesmo que a medida demore 3 meses a ser implementada, está aí. Fez-se a vontade. E depois, quis também explicar que, de todos os argumentos que poderiam utilizar para justificar a greve, o argumento de uma vida com um ritmo alucinante parecia-me o mais difícil de convencer tendo em conta as horas atuais obrigatórias (40) e aquelas de que irão beneficiar em breve (35).

Não querendo alimentar a discórdia, acredito que acontece mais o oposto: quem é funcionário público não consegue imaginar o ritmo de quem vive a recibos verdes, a dar continuamente tudo por tudo e sempre com a vida em suspenso. Não imagina o que é fazer parte da "geração dos € 1000". Posso estar enganada, mas poucas vidas me parecem mais alucinantes que isso.