Enquanto meio mundo debatia se tinha, afinal, entrado ou não num novo século e milénio, e o outro meio mundo debatia se o Marco tinha sido justamente expulso do Big Brother por ter dado o pontapé, eu e a rapariga com que partilhava casa, debatíamos as lides domésticas.
Eu tinha entrado em Setembro na faculdade e decidido experimentar partilhar casa com uma colega em vez de ir directamente viver sozinha - acabei por fazê-lo um ano e meio depois.
No início, tudo parecia perfeito demais. Sabem quando estão no início de um filme de terror e percebem logo que a coisa vai descambar, porque o céu está demasiado azul, os sorrisos são de demasiada felicidade e até a música é demasiado radiante? Era isso, sem tirar nem pôr, que me estava a acontecer. Fomos juntas ver a casa que ela tinha comprado e partilhou comigo todo o processo da escolha, da compra, as decisões quanto à cor das paredes e dos móveis, o porquê do valor da renda, a felicidade que tinha por estar no curso que queria, etc. Eu sentia, naquele momento, que éramos amigas desde sempre, apesar de só nos termos conhecido no último ano do liceu, numa viagem que as nossas turmas fizeram. Mais: sentia que podíamos ser amigas para sempre, tal era o entusiasmo que ela demonstrava em estar comigo, em ir viver comigo. Sentia-me um casal recém-casado versão amigas-que-entram-na-faculdade.
Até que os primeiros sinais iam aparecendo... devagarinho, silenciosos...
Um dia, depois duma festa, levei uma amiga para dormir lá em casa comigo. Coisas normais no primeiro ano de faculdade, em que ficamos todos amigos ao fim de dois dias. No dia seguinte, a minha colega chama-me:
- A tua amiga dormiu aqui?
- Sim...
- Na mesma cama que tu?
- Sim...
- Há quanto tempo a conheces?
- Há uns meses...
- E como sabes se não tem doenças ou é cleptomaníaca? Trazes assim para casa ao fim duns meses?...
- Ela é minha amiga. Confio nela. E claro que não tem doenças, que horror.
- Nunca se sabe... conheço uma pessoa que foi roubada na própria casa e foi uma história parecida.
- Ok...
- E é melhor mudares os lençóis.
Eu estava em choque. Mas afinal agora tinha uma segunda mãe?
Outro dia, começaram os post-its. Por tudo e por nada. Era preciso papel higiénico, escrevia um post-it e punha à porta do meu quarto. Era preciso pagar uma conta, post-it. Era preciso alterar o horário das nossas limpezas, post-it. Sim, porque tínhamos que limpar sempre a casa em determinado dia da semana, das x às x horas. Se eu quisesse faltar, começava a resmungar. Um dia, o melhor post-it chegou: "Reparei que deixaste o arroz guardado num tacho. Sugiro que passes a guardar num tampa-uér, porque conserva melhor as suas propriedades." Um tampa-quê??! Mas o pior é que, no dia seguinte, repetiu aquilo em voz alta umas mil vezes. Eu queria ficar chateada, mas só tinha vontade de me rir.
Outro dia depois, veio ter comigo a dizer que precisava de ter uma conversa muito séria. Primeiro, porque tinha reparado que eu tinha cometido a falha grave de trocar dois esfregões de sítio. Depois, porque reparou que o meu peixinho dourado tinha morrido e queria dizer-me que tinha que ter maior consideração pelos seres vivos. Foi a gota de água. Literalmente. Saí de casa e acabei por ir viver sozinha, sem tampa-ueres, post-its e desconsiderações por seres vivos.
Adoro animais. E o único animal que percebi que tratava bem demais era realmente ela. Pensei: deixa estar que já ficas sem ração! Digo, renda... Renda. Vim embora feliz por deixar aquele inferno e mudei-me para a casa que mantive sempre e que muitas alegrias me deu.
Quanto à minha colega, será que devia ter desconfiado que não era normal quando me confessou, no auge dos seus 19 anos, que todos os dia tinha alguma peça de roupa do Mickey nem que fosse a roupa interior? Será que devia ter desconfiado que não era normal quando me confessou que se queria casar em cima dum cavalo, vestida com um colete por cima do vestido e um chapéu à cowboy? Será que devia ter desconfiado por se enfiar no quarto, todas as noites, com uma manta, a jantar na cama? Talvez... O que sei é que, a partir daí, passei a estar muito mais atenta, no início dos filmes que vejo, a todos os indícios. Raramente nos enganam!
epah parece que estou a ver a minha vida dos últimos meses...espero que o desfecho não seja o mesmo
ResponderEliminarUi.. não me digas que ela emigrou e anda a espalhar o pânico?!
Eliminarah, ah, ah, que história... EX-amiga estranha, essa!
ResponderEliminarA minha avó diz" Tamparuére", mas tem desculpa porque já tem 94 anos. É Tamparuére para aqui, Magú (Magnum-gelado da Olá) para ali...
E Cócócola, não diz? Já apanhei a minha a dizer isso. ;)
Eliminarnossa que raça de miuda maiss piquinhas, não ?!
ResponderEliminarAcho que foi a melhor opção que tomas-te, que inferno, as minhas amigas tambem se queixam das colegas de quarto, mas precisam da renda e provavelmente no final do curso nunca mais se vao ver daí!!
No final do curso vão escrever histórias parecidas com esta e pensar "como é que eu aguentei?!".
EliminarCredo, mas o q é isso? Ahahah, tampa-uér. Tenho pena da criança q venha a ter. Devia ser tão irritante. Fizeste muito bem em ter dado à sola!
ResponderEliminarTambém me pareceu que sim. ;)
Eliminareheh que boa história para contares aos teus netos, acho que se vão partir a rir =) Mural da história nunca vás viver com alguém que conheces há menos de 10 anos! Bjinhos***
ResponderEliminarCostumo pensar nisso - pelo menos tenho histórias para contar mais tarde, nem tudo ficou perdido. ;)
ResponderEliminarEpá não sou a única a ter um trauma com essa palavra, estou a ver!
ResponderEliminarXiça que o que mais se ouve para aí é a palavra tupperware mal dita!
cacaucaramelo.blogspot.pt
E mal escrita!
EliminarHahaha... eu ainda ontem ouvi a versão "tamparuér" :)
ResponderEliminarLiliana F.*