Não tinham filhos, mas ela adorava crianças e as crianças adoravam-na. Um dia, haviam de ter um filho só deles. Haviam, sim. Mas tinham tempo. Muito tempo.
Ela adorava fazer-lhe cócegas e vê-lo rir até quase ficar sem ar. Atirava-se para cima dele e ficava a tentar ganhar lutas imaginárias em que o ringue era o chão. Ele gostava de deixá-la acreditar naquelas pequenas vitórias.
Por fora, era o casamento perfeito.
Ela só não gostava que ele já não tivesse tanta paciência para a conquistar, e beijar, e tocar. Irritava-lhe que, de cada vez que dessem um beijo, a seguir já quisesse acção. O que era feito dos preliminares? Também não percebia em que altura do casamento é que ele tinha perdido o jeito para a beijar como antes. Parecia que tinham perdido a química, era estranho!
Um dia, um desconhecido começou a falar com ela numa viagem de trabalho. Trocaram duas palavras. Era bonito. Despediram-se. De seguido, meteu-se no avião de regresso a casa. Quem ia ao pé dela? O desconhecido de há pouco. "Não a conheço?". Ele era directo e não tinha rodeios a falar. Desarmou-a em dois minutos. "Leite? Quem pede leite no avião?". Ela riu-se. Cinco minutos depois, ele dormia profundamente e ela observava-o. Era sexy. Acordou. "Estava a olhar para mim enquanto eu dormia?". Ele era demasiado directo. E descobriram depois que eram também vizinhos, quando saíram do avião. A tensão aumentava. "Sou casada!", gritou ela ao chegar a casa, no táxi que ambos partilharam.
Mas não foi impedimento. Começaram a encontrar-se, para beber, para conversar, para passear na praia, para nadar, para beber. Tudo eram desculpas. Qualquer motivo servia. Tinham que estar juntos. "Tenho que repetir que te adoro?", perguntou-lhe ela um dia. "Nunca disseste isso", respondeu-lhe ele. Ela pediu-lhe que avançasse. Estava apaixonada. Ele disse que nunca faria nada e mandou-a embora.
Um casamento que era perfeito por fora.
E por dentro?
Ela estava angustiada. Sentia-se confusa, dividida. Fizeram anos de casados. Foram jantar fora. "Porque não conversamos?", perguntava ela. "Vivemos juntos, conversamos todo o dia. Sabemos tudo um sobre o outro. O que queres conversar?". Ela calou-se até a conta chegar. Já só pensava no vizinho. Com ele, a conversa nunca acabava. Era sempre novidade. Ele gostava de ouvi-la. Queria contar-lhe histórias. Riam-se juntos. Passeavam. Não, assim não dava. Ela não era feliz com o marido.
Queria novidade. Adrenalina. Paixão. Riso. Música. Loucura. Prazer. Amor. Queria borboletas na barriga. Largou tudo. Foi viver com o vizinho.
...
Como são hoje, passado cinco anos?
Por fora, a relação perfeita. Ambos jovens, bonitos, ambiciosos e apaixonados.
Como é, de facto, a relação? Digamos apenas que as borboletas na barriga não duram para sempre. Nem a adrenalina. A paixão. O riso. A música. A loucura. O prazer. Já não dançam a valsa juntos. Ela quer dançar? Liga a música e dança, de olhos fechados. Quem nasceu para dançar sozinha, dificilmente vai arranjar um par. Tenha quem tiver a seu lado.
*História baseada no filme Take this Waltz/ Notas de amor. Que me irritou profundamente, já agora, e não recomendo. Sou uma romântica e detesto filmes que tentam destruir o romantismo.
Não recomendas, mas pela descrição fiquei com vontade de o ver. Gosto de filmes que baixem as expectativas :)
ResponderEliminarApesar de tudo, não posso deixar de dizer que concordo: quem nasceu para dançar a valsa sozinha dificilmente arranja um par!
ResponderEliminarAs duas últimas frases resumem a minha vida... Confesso que sempre esperei um "príncipe encantado", mas já cheguei à conclusão que não o vou encontrar e que a culpa é minha. E bastou-me perceber isso para ser instantaneamente mais feliz. :)
ResponderEliminarAs pressões que colocamos nas relações só nos iludem!
Chris
Agora tenho de ver o filme!:)
ResponderEliminarPor motivos que a mim importam, opto por me manter no anonimato. Há algumas considerações que me apetece tecer, pese embora este espaço ser apenas teu. Assim sendo, guarda-las-ei para mim própria.
ResponderEliminarAs coisas que lemos são absorvidas de acordo com o estado de espírito em que nos encontramos e a culpa é exclusivamente do leitor, nunca de quem as escreve. No entanto, acabaste de me dar uma bofetada...daquelas! Não acho que seja das que tenha nascido para dançar a valsa sozinha, embora o faça as vezes que forem necessárias e sem nenhum tipo de melindre. Mas confesso que preciso das borboletas, da adrenalina, da paixão. Neste momento, a cumplicidade não me chega. Creio que acabaste de me dar o empurrão que procuro há tanto. Estou certa de que não pretendes tornar este teu espaço um consultório sentimental, mas também estou 'casada' há cinco anos, e também eu padeço do mesmo mal.
Ligo a música e danço, de olhos fechados.
É triste (ou não) mas é verdade.. Quem nasceu para dançar sozinha dificilmente arranjará um par! Ligo muitas vezes a música e danço.. sozinha!
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