quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Esta angústia

Às vezes ela aparece e começa a roer cá dentro, até ficar a doer a barriga. Rói, e rói, e rói. É esta angústia, uma angústia de não estar a viver tudo o que devia. Uma angústia que rói e não se cala, e me diz "devias aproveitar mais, estás a desperdiçar a tua vida, devias fazer algo relevante, estás a viver só a 1%, tens tantos sonhos e estão a ficar todos pelo caminho". E quando a angústia chega, geralmente vem com ela a mesma certeza: que tenho que voltar às aulas de piano (porque é que a angústia tem esta obsessão com o piano? já não toco há quase quinze anos), tenho de voltar ao desenho, às pinturas (também já não pego em papel e lápis ou aguarelas há mil anos, mas a angústia tem memória de elefante), tenho de voltar a fazer um desporto que não seja só correr, tenho de viajar, tenho de sair urgentemente das quatro paredes em que a minha vida se processa, tenho de ver a luz do dia, o sol, o mar, escrever, viver, aproveitar cada segundo. Há uns anos, gostava de poesia (entretanto cansei-me, não sei bem porquê). E cheguei a pegar nos meus poemas preferidos e fazer deles música. Música mediana, cantada e tocada de forma mediana, mas que muito me entreteve e fez feliz. Um deles, o "Quase" de Mário de Sá-Carneiro dizia (ou cantava) isto, a dada altura: "...e mãos de herói, sem fé, acobardadas, puseram grades sobre os precipícios...". Nestes dias de angústia é isto que sinto: que toda a minha vida está cercada de grades de segurança que me impedem de correr riscos, mas ao mesmo tempo de viver. E que ando neste "quase" permanente, neste quase-viver, neste quase-fazer. Sou feliz, mas quero que a minha filha tenha orgulho em mim e não cresça a ver a mãe um ser cinzento que sai de casa às 9h e volta às 21h, sempre cheia de papéis debaixo do braço e a olhar para o vazio a pensar no que tem agendado para o dia seguinte. Quero que a minha filha veja em mim um exemplo de alguém realizado e feliz, alguém inspirador que a faça inspirar-se também a ser a melhor versão possível dela. Esta angústia rói. Mas às vezes é necessária para decidirmos pegar novamente no que nos faz feliz e dedicarmo-nos a isso. A angústia rói, mas é ela que nos faz mexer. E não nos deixar acomodar à rotina dos dias, a sermos hoje igual a ontem e a amanhã.

Amanhã pode estar tudo igual. Mas hoje decidi tirar o "quase" da equação e sair destas quatro paredes para ir ver o sol. Sair mais cedo. E sentir um pouco o sol que está lá fora. Amanhã podem voltar a por as grades. Mas agora, com licença, deixem-me saltar daqui.

2 comentários:

  1. Anónimo19:32

    Gostei do texto:) e depois de sermos mães a tal angústia ainda piora...queremos ser perfeitas em tudo! Também sofro "desse mal" e ultimamente consome-me...e parece que deixo sempre para amanhã aquilo que posso fazer hoje:(
    E a viagem Pippa, correu tudo bem? Beijinhos,Cátia

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  2. Oh fofinha, aproveita cada momento livre, em especial aos fins de semana, entretanto está bom tempinho para passeares com a tua princesa pelos parques :D
    Os filhos quando amados tem sempre orgulho nos pais**

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