terça-feira, 17 de março de 2015

Dos amores sem pontos finais

Nascemos com cada função ou sentimento bem doseado, bem definido. Temos, algures dentro de nós, um saco com o número de lágrimas exactas que vamos precisar ao longo da vida. Temos outro saco, algures na imensidão do nosso ser, com o total de gargalhadas que podemos vir a dar. Noutro saco temos as horas de sono, por exemplo. Assim que um dos sacos fique vazio, não há possibilidade de o encher outra vez. Por isso, se o saco das lágrimas secar, nunca mais conseguimos chorar. Se o saco das gargalhadas se esvaziar, nunca mais da nossa boca sairá uma gargalhada igual.

Cresci a acreditar nisto, depois de a minha mãe me ter explicado que a razão de nunca a ter visto chorar foi por ter chorado tudo em pequenina. Cresci a acreditar nisto, porque a minha mãe também me explicou que, hoje em dia, eu nunca tenho sono porque dormi tudo em pequena. Temos uma dose certa para tudo na vida. Foi esta a lição que aprendi e que trago sempre comigo desde então. Temos, algures dentro de nós, um saco com as lágrimas que vamos precisar. Um saco com as gargalhadas que vamos dar. Um saco com o amor. Com o amor? Sim, nasci a acreditar que também o amor que temos dentro de nós tem limites e pode esgotar-se. Só que agora ando, desde há uns dez meses, a tentar doseá-lo com cuidado, porque sinto que ando descontrolada. De dia para dia sinto que estou a usar cada mais maiores doses. Porque olho para os teus olhos e percebo que cada vez gosto mais de ti. Porque este amor parece crescer dentro de mim e eu não o controlo. Porque - pior de tudo, blasfémia! - quero continuar a gostar assim de ti toda a vida, com esta intensidade. Por isso, só me resta esperar que alguns destes sacos com que nascemos não tenham fundo. Só me resta esperar que algumas doses sejam tão generosas que posso continuar a consumir amor assim, sempre que me apetecer. Porque quero continuar a gostar assim de ti, minha filha, de forma intensa Sem pontos finais Para sempre

1 comentário:

  1. Adorei o texto. Fez-me pensar realmente nessas coisas. Beijinhos

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