domingo, 26 de julho de 2015

Manual para ultrapassar as saudades

Há uns dias, recebi um e-mail duma leitora muito querida que me contou a sua história de amor e pedia-me conselhos, pois sabia que eu tinha também passado por algo muito semelhante. Dizia-me ela "sei que também teve durante algum tempo uma relação à distância (...) claro que queria muito viver com ele e ter uma família...Sinto-me sozinha, principalmente ao fim-de-semana... há dias que não consigo mesmo controlar as saudades e discuto com ele...Tens algum conselho a dar-me? (...)".

Relações à distância. Saudades... Como sobreviver? Como fazer com que resulte? Li o e-mail. E identifiquei-me logo, era impossível não identificar. A sensação de nos sentirmos sozinhas, mesmo sabendo que temos alguém era-me tão familiar... Comecei logo logo a responder. A explicar que me revia na história. A explicar que já tinha passado pelo mesmo. A explicar como tinha ultrapassado. A dar mil conselhos. E mais mil conselhos. Até que, perto do final do e-mail, suspirei... reli o que tinha escrito e apaguei tudo, sem olhar mais para trás. Quem queria eu enganar? Já passei pelo mesmo. Mas é mesmo verdade que ultrapassei? Estou viva para contar a história, mas só isso. Não tenho mérito nenhum. Não ultrapassei nada. Não me tornei perita no tema. Sou só uma sobrevivente, mas não um exemplo a seguir. O que aconteceu comigo foi a aplicação duma regra muito simples chamada "tempo". O "tempo" passou. E cheguei até aqui para contar a história. Dizem que o tempo cura tudo, mas não acredito. O tempo passa sempre, mais rápida ou lentamente, e torna tudo mais distante. Só isso. Se pensar nas saudades que senti, continuo a sentir hoje o mesmo aperto no coração. Esse aperto forte e detestável, essa dorzinha que não passa chamada saudades.

Mas há afinal um manual para relações à distância? Há um manual para lidar com as saudades? Não há. O amor pode viver-se nas palavras que se trocam, nas memórias e no carinho, mas o amor precisa de toque, alimenta-se da presença do outro. Gostar é precisar de tocar na outra pessoa. É precisar de a olhar. Horas a fio, se for preciso, até todos os traços ficarem guardados com exatidão na nossa memória. Gostar é precisar de treinar constantemente todos os sentidos. E felizes os que conseguem gostar à distância e sentir-se preenchidos na mesma. Mas eu não faço parte desse leque de felizardos. O tempo que passei com saudades foi um tempo de vazio constante. E por muito que tentasse preencher esse vazio com telefonemas, mensagens, e com planos para o futuro, nunca deixava de me sentir incompleta. Por muito que me ocupasse com tudo e mais alguma coisa (e muito me tentava ocupar!), fosse trabalho, fossem filmes, livros, música, desporto, por muito que estivesse com amigos, faltava sempre aquela pessoa. Não sei lidar com saudades. Se gosto da pessoa, não quero viver a vida privada da minha presença preferida.

Manual para lidar com saudades? Seria um manual de matança. Porque as saudades devem ser mortas. Uma a uma. Um casal pode viver afastado, mas tem que ter um plano que o ajude a suportar a distância e a controlar as saudades. Fins-de-semana a dois. Objetivos a curto e médio prazo. Saber que se controla o futuro, seja de que maneira for. No nosso caso, tínhamos delineado que, ao fim de "x" tempo, um de nós tinha que ceder e ir viver com o outro. Felizmente, o destino esteve do nosso lado e, a meio da minha licença de maternidade, sorriu-nos. Foi dos melhores telefonemas da minha vida. Porque nos juntou outra vez.

Não sei lidar com as saudades. A distância doí-me fisicamente. Não sei lidar com a necessidade de querer ver a pessoa e não poder. E não me peçam promessas. "Prometes que pensas em mim todos os dias?". Estas promessas são seguidas por mim demasiado bem. Não penso todos os dias. Se gosto mesmo, penso todas as horas. Não me dediquem músicas. Se gostar, quero dançar cada música a dois. A única coisa que gosto nas saudades é a contagem decrescente. A única coisa que gosto nas saudades é da sua matança. Nua e crua. A matar as saudades sou rainha. A vivê-las, sou a pior pessoa. Por isso, querida leitora, só posso dar esse conselho: viva da melhor forma possível a contagem decrescente. Ocupe-se da forma mais divertida que conseguir. Façam planos para o futuro que a tranquilize e faça sonhar com uma vida a dois, mais cedo ou mais tarde. E mate as saudades em grande, sempre que puder.

2 comentários:

  1. Anónimo17:35

    E estou a chorar compulsivamente :( as saudades matam-me mas nunca outra pessoa perto me fez sentir tão viva :( Muito bem escrito, concordo na íntegra.
    Marlene.

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  2. Anónimo21:04

    Quando comecei a namorar com o agora marido, ele trabalhava numa companhia de cruzeiros (há mais de 10 anos). Foi logo um inicio de namoro repleto de ausências. Ele estava um mês, ausentava-se 2 ou 3, conforme. Não era bom, no meio da distância acabávamos por desgastar a relação... Optamos por nós e ele saiu da vida da marinheiro... Ficámos os dois em Portugal, tentamos fazer vida lá, infelizmente não conseguimos. Quando as coisas ficaram bem negras a nível financeiro eu ainda perguntei se ele queria voltar para os cruzeiros e íamos aguentando mas ele disse que não, que casou e queria estar comigo. Tivemos que emigrar os dois, não somos felizes com a escolha que fizemos, mas como dizemos sempre, pelo menos estamos juntos! Ter uma relação à distância é muito complicado... É ter alguém e no fundo não ter...

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