domingo, 26 de outubro de 2014

E, ao 162o dia, tudo se desmoronou

O dia até tinha amanhecido promissor. Foi um dia que acordou soalheiro e quente, nada previsível num outubro já adiantado. Um dia daqueles que gritava felicidade. Entre gritos de alegria e pontapés no ar que não davam sinais de irem abrandar vindos da habitante da caminha de grades ali ao lado, decidi pegar na Cookie, mesmo sendo para aí 7 da manhã, e deitá-la na nossa cama. Ali, deitada junto a nós, radiante com a novidade, decidiu surpreender-nos com um espectáculo de viragens para a esquerda, viragens para a direita, pés na boca, pernas no ar, viragens para a esquerda, mais flexões, pontapés aéreos, mais viragens… Eu, deliciada com tal espectáculo, peguei no telemóvel e tirei todas as fotografias que consegui, e todos os vídeos que o espaço do telemóvel me permitiram fazer. Que belo início de dia! Depois daquilo tudo ainda me custou mais pegar nela e devolvê-la à caminha, ir tomar banho e enfrentar o dia de trabalho que tinha pela frente. Tinha que ser… Despedi-me dela, fui trabalhar e passei o dia a mostrar os vídeos e as fotografias, qual mãe babada. Eu sei que gritar e espernear não demonstra propriamente uma inteligência acima da média, mas o que querem? Deve ser algo que nos está nos genes, em estado adormecido, e que é despoletado com a gravidez. E a mesma coisa se passa com o por os pés na boca. Até um macaquinho recém-nascido deve fazer, mas fico estupidamente feliz sempre que vejo a minha filha a repetir essa proeza. :) Passei, assim, o dia completamente babada e bem-disposta.

Só que à noite… À noite o caso mudou de figura. Voltados do trabalho, pusemo-la no sofá, ao nosso lado, na parte da chaise longue (que é bastante larga e comprida), e virámos costas dois segundos, para ir aumentar a temperatura do fogão, onde estava o jantar a ser preparado. Dois segundos. Dois! Dois segundos que foram suficientes para ouvirmos um estrondo. E depois um grito. De dor. De susto. De desespero. Corri para o sofá. Estava estendida no chão, ao lado do sofá, de barriga para cima, vermelha, aos gritos. Sem pensar, agarrei nela e encostei-a a mim. Saí dali, não sei porquê. Fui para o quarto, a tremer, com ela ao colo, no meu peito. Chorava, chorava, chorava muito. E eu a chorar também, a pensar que estava partida. E a tentar apertá-la com força a ver se lhe colava todas as peças. A apertá-la contra mim. Fiquei completamente sem pensar, naquele momento. A minha bebé estava magoada e eu queria consertá-la. Até que ele se aproximou de nós e me disse, calmamente:
- Deixa-me vê-la. Tem calma. Os bebés são de borracha, praticamente. Estão preparados para tudo. Deixa-me vê-la.
E eu a agarrar, a agarrar. Não, eu ia consertá-la. Eu tinha que a consertar. Naquele momento bloqueei e só pensava que nunca mais a iria largar. Até que lá cedi.
- Não tem nada. Foi só um susto.
Mas não era “só” um susto. Eu tinha-a visto estendida no chão, desamparada, aos gritos, a cabeça tão exposta, pele contra a madeira. Eu tinha-a visto assim. E não a tinha conseguido proteger. Voltei a agarrá-la. E continuei ali bloqueada, mais em choque que a própria bebé, que entretanto já se ria, no meu colo apertado... E ainda bem que os opostos se atraem. E ainda bem que os opostos por vezes até se casam e têm filhos, porque naquele momento, entre a pessoa supostamente calma (ali, desesperada) e o supostamente enérgico (ali, mais calmo que nunca), algum equilíbrio se encontrou. E o meu desespero foi balanceado pelo sangue frio dele. Sim, ainda bem que às vezes somos tão opostos assim ao ponto de nos completarmos tão... completamente. E a conclusão foi que nada se partiu. Nada de grave aconteceu. Foi um susto. Ao 162.º dia. Um susto dos grandes. Mas o que é verdade é que todos os bebés caem. E voltam a levantar-se. Dói. Mas dói mais para nós, acho que a dor é essencialmente nossa. A minha filha, ao 162.º dia caiu. E levantou-se. E ao 163.º dia amanheceu novamente feliz. Cheia de risos. E pontapés aéreos. E rodagens para a esquerda. E para a direita. Ao 162.º tudo se desmoronou. Mas que tudo se resolva sempre assim tão rápido...

2 comentários:

  1. Anónimo22:22

    Eu tenho uma filha umas 3 semanas mais velha que a tua cookie e estou spre com esse medo.no início é que era bom porque mal se mexiam, agora rebolam, pedalam a tda hora e agora noto que de dia para dia há sempre alguma coisa nova.
    Hoje estou desconfiada que está um dentinho a caminho.

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  2. E quando eles começarem a atravessar estradas sozinhos, subir árvores, nadar no mar... ainda hoje, 4370 dias depois de ter sido mãe, tenho pavor...

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