sábado, 2 de maio de 2015

(Não se) ama alguém que não ouve a mesma canção

Tenho uma teoria: tal como as estações de rádio, também as pessoas emitem em frequências diferentes, têm comprimentos de onda maior ou menor. Sim, as pessoas. Como tal, quando acontece conseguirmos estar, ao mesmo tempo, na mesma frequência que outra pessoa, acontece finalmente conseguirmos ouvir-nos mutuamente e compreender tudo, desde os sons até aos mais rápidos silêncios. Daí a expressão "sintonia" - as pessoas estão finalmente sintonizadas na mesma frequência. Não sou nenhum Einstein nem percebo nada de Física, por isso, desculpem-me se esta teoria tiver falhas graves. Admito que sim. Mas tenho-a aplicado na minha vida e, até ao momento, tem-se revelado bastante útil.

Mas esta teoria não nasceu ontem - começou a ser pensada há muitos e muitos anos. Corria o ano de 2006 ou 2007, já não sei precisar, quando conheci um rapaz que me despertou a atenção. Na altura pensei, de mim para mim, pelas características que ali detetei, que teria potencial para vir a gostar dele. Saímos umas vezes, conversámos imenso e achei que estava perante o início de algo. Até que... fizemos a primeira viagem de carro juntos. E a segunda. E a terceira. "Isto afinal não tem pernas para andar!", constatei rapidamente. Porquê? Simples: não nos entendíamos com as músicas. Ele estava numa de bossanova, apenas, e naquele carro só davam cds naquele registo. Eu estava numa de emoção e adrenalina, e a bossanova constrangia-me completamente e aniquilava de forma abrupta esse sentimento que queria sentir. Ficava nervosa ao fim de três minutos a ouvir só aquilo, como se alguém pegasse no meu coração e tentava abrandar o seu ritmo à força toda. Eu não queria estar num momento bossanova, muito calmo, lento e introspectivo - queria estar num momento de rock alternativo, queria rir-me, falar com intensidade e sentir o coração acelerado. Com ele, a letra da música do Rui Veloso fazia todo o sentido e percebi que nunca poderia amar alguém que não ouvia as minhas canções e - pior ainda - me obrigava a ouvir as dele. Surgiu então a teoria da canção e vaticinei: um futuro namorado teria que ter os meus gostos musicais. Até que uma amiga me mostrou as falhas do meu raciocínio: não era uma questão da música em concreto, mas de sintonia.
- Vocês não estavam sintonizados. Ponto, disse-me ela.
- Pois... como as rádios? Realmente, acho que ele estava mais numa de Antena 1 e eu numa de Antena 3.
E assim nasceu a teoria da frequência.

Retomando esta história, não era portanto uma questão de canções. Eu e ele nunca nós iríamos entender, nunca nos iríamos compreender, porque cada um vivia numa frequência diferente. Eu era mais acelerada (apesar da minha aparente calma), e sedenta de emoções e intensidade. Ele emitia numa frequência mais lenta (apesar de parecer mais acelerado), agia e vivia mais devagar. E nem que ouvíssemos a mesma canção mil vezes seguidas aquilo teria ido ao sítio, porque mesmo a canção igual iria ser sentida de forma diferente pelos dois. Com a minha teoria, percebi que podemos amar alguém alguém que não ouve a mesma canção, mas que dança ao mesmo ritmo que nós, por exemplo. Podemos dar-nos bem com alguém que não gosta dos mesmos filmes, mas que quer ouvir as nossas teorias sobre o desenrolar da Guerra dos Tronos. Podemos querer alguém que até é totalmente oposto de nós, mas depois também vibra com um golo do Benfica. Frequências. Tudo uma questão de frequência. Por isso, Rui Veloso, podes levar a tua teoria da canção para longe (deixa só o anel de rubi, que eu prometo tomar bem conta dele). Pode amar-se alguém que não ouve a mesma canção. Desde que emita na mesma frequência. Porque na mesma frequência, tudo o que dissermos, mesmo que não haja acordo em tudo (ou quase nada), mesmo que se diga praticamente em silêncio, é ouvido e (o mais importante de tudo) compreendido. Porque se está sintonizado. E é tudo muito, muito mais fácil. E intenso.

2 comentários:

  1. De acordo: nunca concordei com a teoria de se amar a mesma canção, a não ser como metáfora.

    É que de forma literal o que é mesmo amor é estar ao lado de alguém cuja preferência musical nos faz sangrar os ouvidos :D

    www.mariadaspalavras.com

    ResponderEliminar
  2. Anónimo11:37

    Pippa, devia ler ou ouvir, novamente, a letra do Rui Veloso. Se não a interpretar literalmente, vai perceber que ele diz exactamente isso! :) Beijinhos.

    ResponderEliminar