sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Pesadelo de jantar

Numa altura em que todos se tornaram subitamente Chefs dotadíssimos, autênticos MacGyvers dos tachos, capazes de entrar numa despensa cheia de restos e, em dois segundos, sair de lá com um prato digno de duas estrelas Michelin - no mínimo! - e com zero calorias - que maravilha! -, eu sinto-me cada vez mais sozinha, entregue às minhas capacidades quase nulas de cozinhar. Sim, estou nos antípodas dos Gordon Ramsey deste mundo, quer em destreza culinária, quer em ideias para confecionar pratos. Cozinho o básico. Ponto. Parágrafo. Faço uns pratos engraçados, de vez em quando, que até a mim me surpreendem, mas a verdade tem que ser dita - e esses pratos são tão raros como encontrar um restaurante japonês gerido por japoneses. Cozinho desde os 18 anos (desde que fui para a universidade, portanto) e nunca passei passei fome ou deixei alguém passar, mas todos estes anos serviram também para demonstrar a mim mesma que, a ter talentos, estes não passam pela cozinha. Adiante...

Como dizia, numa altura em que todos se tornaram Chefs e partilham pratos coloridos e de babar (sim, o que eu me babo!) pelo Instagram, Pinterest e Facebook, sinto que a má comida e os maus cozinheiros (onde me incluo) começam a ser esquecidos. Já ninguém fala das más experiências culinárias que teve, já ninguém tem coragem de contar sobre a vez em que queimou o jantar, sobre aquela vez em que a sopa saiu azul (hello, Bridget) ou como correu aquele dia em que admitiu ao namorado que nunca cozinhou na vida (lembram-se da Carrie?). Por isso, em honra de todas essas personagens que me fizeram sentir menos sozinha, e também para que outros cozinheiros tão modestos quanto eu não se sintam sozinhos neste mundo cruel, hoje vou contar a minha mais recente experiência terrível na cozinha.

Depois de duas semanas a comer carne, carne e... mais carne (!) - ou não tivéssemos andado entre o Alentejo e Trás-os-montes -, resolvi dar o Grito do Ipiranga versão faca e garfo. "Hoje jantamos peixe!", disse, determinada. "Temos que comer peixe!", repeti. Ele perguntou-me onde é que queria comer peixe numa terra conhecida pela carne. "Nem que vá comprar e cozinhamos em casa. Temos que comer peixe. O meu corpo pede peixe, está farto de comer carne - e ainda por cima vermelha." Ele encolheu os ombros e andámos Alfândega da Fé fora a procurar supermercados. Andámos, andámos. Lá encontrámos um Minipreço. Saltei carro fora, a salivar pelo peixe, e entrei lá à procura dum robalo, uma dourada, qualquer peixe fresco... Nada. Só encontrei filetes de pescada congelados, com a garantia, contudo, na embalagem que eram "100% peixe". E a fotografia demonstrava-o, com um filete cortado a meio, com um ar fresco e suculento. Peguei na embalagem e metia-a ao cesto de compras. Fui buscar também uns legumes para saltear. Não era o que tinha idealizado - estava com desejos dum robalo grelhado com legumes cozidos - mas era o que estava mais próximo. Paguei, fomos para casa e atirei-me ao fogão. Para começar, os filetes tinham que ser fritos e não podiam ser feitos no forno, como me tinha parecido no supermercado, ao ver a embalagem na diagonal. O símbolo que me parecia um forno era afinal uma frigideira cheia de óleo. Torci o nariz. Optei por fazer com azeite em vez de óleo. Quando o azeite começou a ferver, atirei os filetes. O caos. O azeite começou a saltar por todo o lado, a minha roupa incluída, uma fumarada, um cheiro a queimado, parecia que a cozinha ia deitar fogo. Lá controlei aquilo. Virei-me para os legumes. Preparei-me para servir. Sentámo-nos. Começámos a jantar.
- Este é o prato de peixe que tanto querias?, perguntou-me em tom de gozo.
- Não, foi o que consegui.
- Já provaste o peixe?
- Não. O que tem?
- Prova.
Provei. Meus caros, se aquilo tinha peixe, eu sou loira e tenho 1,80m. Aquilo sabia a farinha. Apenas farinha. Era uma massa branca farinhenta que nada tinha a ver com a figura da embalagem. Os legumes, por sua vez, sabiam a água. Que é o mesmo que dizer que não tinham sabor absolutamente nenhum. Se fechasse os olhos e participasse numa prova cega de paladar, não ia conseguir dizer que alimento era aquele. E ali estávamos nós, sentados à mesa, com velinhas à volta a tentar disfarçar o cheiro a queimado, com janelas abertas para ver se o fumo saía, o exaustor ligado no máximo, a comer um composto queimado farinhento e uma miscelânea de legumes sem sabor. De repente, começámos a rir. A rir, porque aquilo era um desastre. Porque nada se aproveitava. Porque quem chegasse ali diria que tínhamos acabado de sobreviver a um incêndio. Porque o jantar estava uma valente m€£*@.
- Há maçãs. Queres uma?
- Quero.
E assim acabámos o jantar a comer maçãs. A rir. Cheios de fome. Salvos pela paisagem lá fora, que nos enchia a alma, já que o corpo continuava vazio, coitado. Serve o presente texto também para vos alertar: filetes de pescada Dia? Esqueçam. Ou então comprem só para terem um jantar comédia como este. E depois digam o que acharam.

7 comentários:

  1. Anónimo14:27

    Hahahah. Eu também me encaixo na categoria "boring e desastrada a cozinhar". E são tantas as peripécias que quase não me lembro de nenhuma em especial... Mas há uma que me ficou na mente por ter achado estranha: decidi fazer arroz doce na bimby, para mostrar à minha mãe que ia ter concorrência... quando chegou o momento de juntar os ovos, pu-los lá para dentro sem pensar no assunto e a maquineta continuou o processo. Quando terminou o tempo e abri a tampa vi que tinha 1 monte de arroz pálido e 3 ou 4 ovos cozidos a boiar no cimo! Esqueci-me que tinha de os mexer antes de os colocar lá dentro... Nunca mais tentei...

    ResponderEliminar
  2. Esses congelados pré cozinhados são o caos! Prefiro comprar daqueles lombos de salmão congelados e fazê-lo em papelote no forno com muitas ervas. É rápido, não suja quase nada e é muito bom ;)

    Bjs

    ResponderEliminar
  3. Alice16:35

    Todos nós já achámos um dia que o azeite também serve para fritar... mas não, não serve.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Anónimo01:19

      Não serve? Eu frito sempre em azeite e fica óptimo

      Eliminar
    2. O azeite serve para saltear (um processo rápido e que necessita de pouca matéria prima), não para fritar. E isto deve se ao facto de o azeite ser altamente prejudicial acima de uma determinada temperatura, cerca de 160 graus. Mesmo para saltear, se puder usar manteiga ou manteiga clarificada, melhor ainda. Já se quiser confitar er o azeite é fantástico. Mas deve ter o cuidado de não deixá-lo ultrapassar os 60-70 graus

      Eliminar
  4. Acho que se começarmos a formar um movimento #desastrenacozinha vais perceber que não estás sozinha e que até as supostas meninas prendadas têm episódios assim!

    ResponderEliminar
  5. Olá Pippa! Voltei à blogosfera e o regresso ao teu blog foi logo de partir o côco a rir com este post :) ainda bem q conseguiram manter a boa disposição. Eu desenrasco-me bem na cozinha e a prova é q engordei o meu namorado desde q vivemos juntos, eheh. Mas tbm tenho episódios desses, não te preocupes ;)

    ResponderEliminar