segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A minha fiel companheira morreu

Durante anos e anos sonhei ter um cão, mas os meus pais pesavam os prós e os contras e a resposta que me davam era sempre a mesma: "Não". E eu argumentava, e trazia mais prós à colação, e argumentava e argumentava. A resposta mantinha-se a mesma: "Não". E insistia: "Mas eu tomo conta dele! Eu passeio-o. Eu levo-o ao veterinário. Eu educo. Eu apanho os cocós". Era indiferente: "Não. Não. Não". Já não me lembro das explicações todas, mas lembro-me das principais: não, porque dava muito trabalho, não, porque gastava-se muito dinheiro com veterinários quando adoeciam e ainda não, porque doía muito quando morriam. Doía muito quando morriam. Nunca percebi bem esta. Não morre toda a gente? E é por isso que vamos ignorar laços e viver sozinhos? Não...

Quando me tornei independente e ganhei alguma estabilidade profissional (e emocional, porque acabaram por se alinhar ambas), percebi que estava na hora: eu ia ter um cão. A raça já estava mais ou menos definida: queria uma raça de tamanho médio, com personalidade, com energia, com independência e capacidade de se adaptar a uma família, a muita gente e a bebés. Sim, porque se tinha 28 anos e estava a pensar em ter um cão, tinha que pensar a longo prazo e na família que havia de vir um dia. Adorava os fox terrier de pelo de arame e, quanto mais lia sobre a raça e as características, mais percebia que se iria adaptar na perfeição à minha vida. Pesquisei criadores, fui à zona de Aveiro visitar aquele que, pelas pesquisas, me pareceu melhor, e apaixonei-me logo pelo casal de cães e pelos cachorrinhos recém-nascidos que o criador tinha. O criador era uma pessoa apaixonada pela raça, pela música e pela vida, por isso, facilmente me cativou. Fiquei horas a beber cada palavra e a convencer-me do que não precisava de "convencimento". Passado uma semana voltei para escolher o cachorrinho que iria levar, depois de levarem as vacinas e fazerem dois meses. Já só havia duas cadelinhas. Eu tinha pensado inicialmente num cão e não numa cadela (principalmente por causa do cio), mas mudei de ideias num segundo, quando as vi. Faltava escolher. Uma estava a olhar para mim, muito fixamente, e eu fui ter com ela e fazer-lhe uma festinha, enquanto ela abanava a cauda, de alegria. Até que o criador me deu uma dica:
- Deve ser a cadela a escolhê-la. Geralmente é assim que se faz... Não se mexa e veja qual a escolhe.
E eu fiquei ali quieta. Um pouco nervosa. A ver se alguma me escolhia. Nisto, enquanto uma delas descansava com ar tranquilo, a outra que cumprimentei inicialmente começou, com ar de traquina, a comer flores dum vaso. O criador deu um berro e tentou afastá-la do vaso. A malandra comeu na mesma as flores, de olhos fechados, enquanto ouvia o berro e, em dois segundos, fugiu. Foi a correr até um canto. Ficou ali quieta, a mastigar. Passados uns segundos, começou a tossir. E a vomitar as flores todas. E eu ria-me, com aquela rebeldia. E enquanto me ria, a outra acordou e veio, lentamente, ter comigo.
- Parece que já a escolheram.
Olhei para baixo. Vi aqueles olhos meigos a analisarem-me e a pedir mimo. E quase cedia.
- Desculpe, mas eu já escolhi aquela.
Eu não sou pessoa de decisão rápida, mas quando gosto, gosto mesmo. Ali não tive dúvidas.

Até hoje, sinto que, ao contrário do que seria suposto, fui, portanto, eu que a escolhi e não ela a mim. Mas nunca me importei. Sei que escolhi bem. Sempre soube.

Voltei para casa para tratar de toda a logística: ração, ossos, brinquedos, caminha, trela, coleira,... E, quando fui buscá-la, uns dias depois, sentia-me mais feliz que nunca. Era um sonho de criança a realizar-se. Naquele dia, não foi uma jovem mulher de 28 anos buscar um cão, mas uma criança de 6 anos que realizou o seu sonho. Na viagem de regresso, tinha o coração aos saltos. Não consegui resistir, peguei na cadelinha e trouxe-a ao colo. Vim a falar com ela a viagem toda, a falar sobre mim, a explicar que ia trata-la bem e que íamos ser muito felizes juntas. Era setembro. Estava calor. Respirava-se final de férias e ainda a calma e o otimismo dos reinícios. E eu sabia que o meu reinício de vida não podia ser melhor. E não me enganei.

(Continua...)

4 comentários:

  1. Até me deixaste o coração pequenino.. faz-me lembrar quando fui buscar a minha princesa canina <3

    ResponderEliminar
  2. que a dor passe! :( muita força para voces!!!

    ResponderEliminar
  3. Anónimo17:05

    a minha fiel companheira acompanhou-me durante 13 anos, adolescência e vida adulta.
    este mês faz 5 anos que partiu...as saudades continuam a ser muitas e lembro-me dela quase todos os dias :(
    muita força pippa. eles fazem parte da família, mais até do que certas pessoas. dão-nos amor sem exigir nada em troca.

    ResponderEliminar
  4. Olá Pippa, sinto muito muito muito e sei que neste momento não te servirão de nada as minhas palavras, mas acredita que são muito sentidas. A frustração e as saudades são demasiadas e a sensação de vazio que se instala ainda permanecerá durante algum tempo antes de dar lugar a todas as memórias felizes dos momentos que passaram juntas e em família. Nao te vou dizer que esta melhor no ceu porque e mentira e é , pelo menos para mim foi, das coisas que mais me custaram ouvir quando morreu o meu cão de 14 anos, há 2 meses. Mas nada mais resta senão recordar os bons momentos e aceitar, e custa muito muito, que as coisas acontecem e é preciso ter humilde de as aceitar se de facto não as podemos mudar! desejo-te toda a força e um grande beijinho ( nunca tinha comentado nenhum blogue mas senti que te devia dar força mesmo que nao te conheça, muita força !

    ResponderEliminar