- Estás muito divertido.
- Desculpa, estava a responder a umas mensagens.
- Não tem mal. Quem é...?..., perguntou-lhe ela em surdina, quase.
- É a Maria. Mary. Eu chamo-lhe Mary.
- Mary?
- Sim, não conheces. É uma amiga minha.
- Amiga?
- Sim... "Amiga"..., disse ele, criando umas aspas imaginárias com os dedos de cada mão.
- Hmmm... E que tal, está a correr bem?
- Muito bem.
- Pelo menos engraçada já vi que é. Além de mim, nunca te tinha visto rir assim com uma mulher. Estás sempre a dizer que sou a única mulher que te faz rir.
- Pois, mas a Mary por acaso também faz. Tem um sentido de humor fora do vulgar.
- Hmm... E como é que ela é?
- Olha, é mais nova 4 anos que eu. É muito gira, cabelo castanho claro comprido, magrinha, tem um estilo descontraído. Usa quase sempre calças de ganga, All Star, uns tops engraçados... É muito querida comigo...
Ela já não estava a ouvir, ela não queria ouvir, mas uma Mary fictícia ia ganhando forma à sua frente, ia crescendo e ficando cada vez mais nítida. Estúpida e incontrolável imaginação fértil que não conseguia estar quietinha.
- Ok. Fico contente por ti.
A boca dela disse aquelas palavras, como se tivesse sido programada para tal. Disse aquilo sem pensar. Contente por ele? Como é que era possível estar contente por ele, se estava tão triste por ela? Tinha-o perdido. Por muito que quisesse alegrar-se por ele, o seu "eu" estava despedaçado. E nenhum ser despedaçado tem força por sentir alegria alheia, por muito que queira. Sentiu que o chão fugia debaixo dela, sentia-se cair para um qualquer abismo. Como é que continuava a vê-lo, sentado ali naquela praia, se ela estava já tão longe, perdida? Além disso... "Mary"? "Maria"! No limite seria a "Maria", como certamente constava da certidão de nascimento. "Maria", se faz favor!! Então ela não tinha alcunhas ou diminutivos ao fim de tanto tempo, e uma tipa qualquer já era carinhosamente apelidada de "Mary" ao fim duma semana? Não podia ser. Despediram-se, ela foi fula, despedaçada para casa. No dia seguinte, voltaram a conversar, mais por ele que por ela, que tinha decidido deixá-lo ser feliz com esse ser anglo-saxónico, enquanto ela seria consumida pela tristeza e solidão sozinha. Ele começou a insistir. Mandava uma mensagem, ligava, combinava programas. Ela não queria confusões, mas lá ia cedendo. Até que um dia, ao fim de muita conversa, não resistiu e perguntou-lhe por ela. Queria saber o que era feito daquela pessoa tão perfeita e divertida, que o fazia rir como ninguém. "Quem?". "Então? A Maria... A tua amiga com aspas". "Maria..??... Ahhh!!" Já não existia, explicou-lhe ele. "De certeza?" Ela queria saber. Não. Um redondo não. Não existia. E ela sorriu. Um sorriso que vem da alma e que, por muito que não chegue à superfície, tem reflexos em todo o corpo. Sorriu com a alma, sorriu com o corpo. Encostou-se para trás, suspirou. Deixou toda a tensão libertar-se, esticou-se. Estava feliz. Assim, ao fim de uns dias, já eles estavam aos beijos e a fazer juras de amor eterno.
Até que um certo dia, muito tempo depois, estavam todos juntos num bar qualquer, quando passou uma miúda igual à Mary imaginária dela. Igualzinha.
- Olha, não é aquela a Maria? É como a descreveste.
- Quem?
- A tua "ex". A Méeeeeerrrrry, disse ela, enrolando a língua em sinal de gozo.
- Ahhhhhhh.
E ele riu E riu. E riu.
- Que foi?
- Nunca percebeste?
- Nunca percebi o quê?
- Nunca percebeste quem era a Mary?
- Não!! Eu conheço, é?
- Conheces!! Está aqui. É o X.
- O quê?!
- Sim, a Mary nunca existiu. Naquele dia o X combinou que ia mandar mensagens para te fazermos ciúmes. Já te conheço tão bem. Sabia que era a única forma de te picar.
- Oh... A sério??
Chamaram o X. "Diz aí quem é a Mary"!. E ele riu. E riu. E riu. E confirmou tudo. A Mary. A Mary que mandava mensagens era afinal um Mary a escrever frases porcas, apenas para o telefone dele tocar naquela tarde. E por isso é que ele se ria tanto. A angelical Mary era afinal um Mary ordinário com desejos perversos e selvagens que o fazia chorar a rir por ter a cara do seu amigo X. A Mary que os tinha juntado era, afinal, um ele. Era um mito. Um mito que serviu para as suas linhas se juntarem e nunca mais se separarem. A Mary em carne e osso nunca existiu, mas as horas que durou a sua criação serviu para que ambos a adorassem até aos dias de hoje. Serviu para que a adorassem quase tanto como se adoram um ao outro, desde aquele dia. A/o "Mary" vai casar-se amanhã. E não poderá alguma vez imaginar que, além do papel que vai assinar amanha, teve já outro papel igualmente importante na vida: juntou estes dois. ;) Juntou-os para sempre.
Eu acho que, em jeito de homenagem, deviam chamar Maria ao/à vosso(a) primeiro(a)filho(a)! ;) Lá para 2022, não é? Beijinhos!!! R.
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