quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Uma história de amor dos tempos modernos

Li a notícia ao acordar: o Facebook vai comprar o Whatsapp. Li os termos em que a compra foi feita, li o número de utilizadores diários que trocam mensagens instantâneas, li os euros envolvidos… Mas não consegui deixar de pensar sempre na Samantha, enquanto lia tudo. E quem é a Samantha? A Samantha é a protagonista do filme que fui ver ontem, o “Her”. Em “Her – Uma história de amor”, de Spike Jonze - passado num futuro próximo em que Los Angeles se assemelha a Xangai, cheio de arranha-céus, neons e luz, - as pessoas passeiam na rua sorridentes e com ar feliz. As pessoas transportam consigo uma aura de calma e tranquilidade. No entanto, se nos aproximarmos e olharmos bem, vemos que as pessoas não se olham. As pessoas passeiam sozinhas no seu mundo, com auriculares nos ouvidos, enquanto têm longas conversas com alguém que não está ali. As pessoas comunicam à distância, sorriem a quem está separado por quilómetros, enquanto ignoram quem está ali ao seu lado. Partilham o mundo com outra pessoa ao longe, mas isolam-se de quem está perto. E, de repente, o ar feliz e sorridente é visto de outro ângulo, e detetamos uma alienação naquele olhar, detetamos uma solidão profunda e um vazio total. A dada altura, surge um sistema operativo inteligente e intuitivo que vai ajudar estas pessoas do futuro a realizarem as suas tarefas quotidianas, que vai acompanhá-las e, quem sabe, preencher aquele vazio, terminar com aquela solidão.

O sistema operativo do nosso protagonista, o Theodore, chama-se Samantha. A Samantha é tudo o que uma mulher deve ser: tem uma voz quente e sexy, uma voz que sorri e faz sorrir, está sempre presente, quer ajudar o Theodore a ser uma pessoa melhor, diverte-o, quer saber tudo sobre ele, admira-o, adora a companhia dela… Só que Samantha não existe, Samantha não tem corpo, a Samantha são só palavras. E o assustador é que, a dada altura, o Theodore parece ser mais feliz com essas palavras que muitos homens com uma mulher de carne e osso.

Por isso, a pergunta coloca-se: o que é necessário numa história de amor? O que é o amor? É o que está para além do físico, é a partilha dos pensamentos, dos sonhos, das angústias, dos medos, dos desejos,…? O amor é rirem-se do que dizemos, fazerem-nos rir e preencherem-nos neste plano imaterial? O amor pode viver nas palavras, apenas? Sem um abraço, um beijo, um olhar? Ao vermos Theodore a falar com Samantha, acreditamos que sim.

E ao ler a notícia de hoje sobre o Facebook que comprou o Whatsapp foi nisto que pensei. Quantas Samanthas terão sido compradas hoje? E quantos Theodores estarão aí preparados para se apaixonarem por palavras? As palavras são importantes, os pensamentos são essenciais. Mas vai sempre fazer-me confusão imaginar um futuro próximo semelhante ao do filme, em que pessoas sorriem na rua, não a quem passa ao seu lado, mas a alguém que não está ali. As palavras são importantes, os pensamentos são essenciais. Só que acredito que, no final, vamos sempre querer desligar as palavras e encostar a cabeça num ombro, quente, acolhedor e real. Apenas assim, em silêncio, e celebrando a existência no aqui e agora.

Ps: se não forem ver o filme, oiçam pelo menos a banda sonora. Foi aprovada pela minha mini matrioska, que se fartou de dar pontapés enquanto a ouvia. E pareceram-me pontapés de prazer. :p

2 comentários:

  1. a presença física de alguém faz falta...pelo menos a mim faz! De que adianta ter palavras bonitas durante o dia se à noite nos vamos deitar numa cama vazia?! :( Para mim não faz sentido!!!

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  2. Que publicação tão bonita... :) gosto muito da forma como escreves. Já estava com ideias de ver este filme, nem que fosse pela voz da minha adorada Scarlett ou pelo meu admirado Joaquin Phoenix (que tenho visto a desempenhar papéis fabulosos nem sempre reconhecidos), mas a tua descrição diz-me que este filme vale mesmo a pena!!

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