segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O lado de quem fica

Estive quase sempre do lado de quem vai. Fui eu que fui para a faculdade e deixei os meus pais com um quarto da casa vazio, sem a minha voz logo de manhã, sem os meus passos nocturnos (adorava ir para a sala ver televisão sozinha, bem tarde, e sentir que a casa era só minha), sem o meu perfume ("filha, gastaste o frasco todo?"), sem a minha presença, enquanto partia feliz em busca da descoberta. Fui eu que parti, levando comigo mil conselhos, mil beijos e abraços demasiado apertados para quem tinha pressa de partir. Fui eu que parti, e era eu que sorria de manhã a caminho das aulas, ao ler as mensagens que o meu pai me escrevia, demonstrando um lado sensível que desconhecia. Fui eu que deixei tantas vezes o telemóvel tocar à noite, sem o conseguir ouvir no meio do barulho dos jantares que tinha. Fui eu que tantas vezes não percebi que aquelas chamadas não eram controlo paternal: eram, sim, o descontrolo das saudades. Não percebia nada, adolescente em descoberta. Fui eu que parti depois para outra cidade, ainda mais longe, quando os meus pais tinham uma leve esperança que voltasse para junto deles. Foi a minha irmã que partiu também, seguindo os meus passos. E a casa deles ficou cada vez mais vazia, silenciosa. O ninho deserto. Partimos, filhas ansiosas, ambiciosas, sonhadoras, a querer conhecer o mundo. Estivemos do lado que quem se faz à estrada, de quem não perde nada, de quem conhece, de quem esquece o que ficou.

E o lado de quem fica? Senti-o poucas vezes. Mas ontem, ao ler este texto tão simples e bonito, subitamente revivi o episódio mais marcante: o aeroporto, o saber que ia perder alguém, e que nem dois "kit de sobrevivência" iguais ao que lhe tinha feito poderiam permitir-nos sobreviver à distância. Revivi a saudade que me bateu como dois estalos secos e invisíveis, revivi a cidade que de repente se tornou desconhecida, percebi finalmente o cliché do aeroporto nos filmes, e da pessoa que fica a ver o avião a partir, com o coração pequenino; percebi porque é que a letra diz que "a cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte... Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas... Em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura". Revivi o que é voltar aos sítios onde fui feliz no plural, a pedir um café, assim, no singular. Revivi o que é, subitamente, parecer que a cidade perdeu o encanto, porque não há aquela pessoa com quem partilhar. Revivi o que é ficar a olhar para o telemóvel a pensar "gostava tanto que estivesses aqui para irmos almoçar e ouvir as tuas histórias!". Porque já vi partir amigas. Já vi partir uma pessoa especial. Já vi partir a minha irmã. E o texto que ontem li fez-me realmente reviver tudo e pensar também, pela primeira vez, em todos os pais que vêem os filhos sair de casa e não voltar... Se pudesse voltar atrás, tinha atendido cada chamada que me fizeram, é o que sei hoje. Tinha respondido com o mesmo sentimento a cada mensagem. Tinha mantido o abraço no tempo até os braços se cansarem. Desculpem, pais. Só depois de estarmos do outro lado percebemos algumas coisas... Será que sentiram este vazio quando partimos as duas? Será que sentiram esta tristeza de quem ficou? Desconfio que sim... E ainda bem que li este texto. Porque sem vocês saberem, amanha vão levar com um abraço cada um que vos vai deixar quase sem ar.

7 comentários:

  1. Aqui tens um texto de quem ficou e tem ficado, até, se calhar, também tiver que ir.

    http://nadinhadeimportante.blogspot.pt/2013/08/tu-es-minha-sobrinha-c.html

    ResponderEliminar
  2. as saudades são tramadas. estamos em época disso visto muitos emigrantes terem ido embora e ficam as saudades. familiares a partir e a voltarem adaqui a um ano.. post muito bom

    http://ocarteiravazia.blogspot.pt/

    ResponderEliminar
  3. Gostei muito e penso que todos ja passaram por essas partidas. E sem duvida quanto mais crescemos mais percebemos os nossos eternos anjos da guarda alcunhados como pais.

    ResponderEliminar
  4. Gostava que o meu filho mais velho lesse isto....

    ResponderEliminar
  5. Fogo Pipa!

    Há dias em que tenho a sensação que, mesmo sem me conheceres, me lês os pensamentos:)

    Maravilhoso

    ResponderEliminar
  6. I am really impressed by this excellent stuff on ZBrush which is a digital sculpting and painting program that has revolutionized the industry. I've enjoyed reading the nice post
    frases bonitases
    frases para tuenti
    estados para tuentis
    frases de amor
    frases celebres

    ResponderEliminar