terça-feira, 26 de novembro de 2013

O dilema de ter filhos, esse pecado capital

Quase todos os dias há, a certa altura, um tema qualquer que gera discórdia aqui no trabalho e cria-se um mini debate. O tema é quase sempre política, não sei porquê, mas também se discutem assuntos mais banais e sem importância nenhuma para o mundo. No outro dia, no entanto, gerou-se uma discussão que me deixou a pensar. E deixou-me a pensar principalmente porque quase todos os homens pensavam da mesma forma. Então qual era a discórdia? Pelos vistos houve, em plenas autárquicas, uma candidata qualquer a determinada Junta de Freguesia que teve a ousadia de fazer campanha já… grávida! E o meu colega estava muito chocado a contar-nos. A preocupação dele não era o cansaço que ela pudesse sentir em plena campanha ou se faria mal ao feto tantas viagens, e comícios, e jantares. A preocupação eram os eleitores que, alegadamente, estavam a ser enganados. “Quem é que vai votar em alguém que já sabe que vai passar seis meses de baixa?”, perguntava ele, de forma retórica, como se a resposta fosse absoluta e inquestionavelmente – “ninguém!”. Só que gerou-se então o debate. Os meus argumentos do contra foram: primeiro, não era certo que tirasse seis meses de licença, podia tirar até só dois e depois ficar o marido em casa. Segundo, o facto de ficar dois ou três meses em casa não era sinónimo de ser uma má Presidente da Junta, pois podia continuar a colaborar ainda que não a tempo inteiro. Terceiro, todos tiram férias e viajam, por isso, podia até acontecer que, no total, ela viesse a trabalhar mais dias que muitos concorrentes não grávidos, mas com queda para as viagens. Quarto, se ele fosse boa candidata, com certeza iria compensar nos restantes 3 anos e muitos meses com um ótimo mandato.
O meu colega continuava: “ela está a assumir um compromisso com os eleitores. Está a candidatar-se, porque quer representá-los. Ora, estando grávida, já sabe que dali a uns meses não os vai poder representar.
“Então não pode candidatar-se?
”, perguntámos nós, mulheres, em coro.
“Pode candidatar-se no próximo mandato. Neste, não. Primeiro tem os filhos, depois pensa na política”.
Eu não estava a acreditar naquele argumento.
“Sabes que muitos homens em que votas podem vir a ser pais, não sabes? Simplesmente não vês a barriga, nem vão para o hospital para lhes ser retirada uma criança de dentro do corpo. Mas sabes que muitos homens em que votas podem vir a ser pais e querer ficar também em casa com a criança, não sabes? Então já agora não votes em ninguém em idade fértil. Ou não votes a menos que se comprometa a não cometer a ousadia de… ter um filho, esse pecado capital!”.

(sim, eu acho que me comecei a passar, porque comecei a “pessoalizar” a história, enquanto trabalhadora grávida)
“Eu não estou a ir tão longe. Se acontecer, aconteceu. Só que eu nunca votaria em alguém sabendo de antemão que ela não vai estar a representar-me nos próximos tempos. Só isso.”
Para mim, não era “só” isso. Para mim, era a prova de que as mulheres continuam a ser vistas de forma diferenciada só porque têm filhos. Para mim, era a prova de que mesmo com a história da licença partilhada pelo pai e pela mãe, há sempre a presunção de que a mãe é que vai ficar em casa meio ano a tomar conta do bebé, enquanto o pai vai continuar a sua vida, como se nada fosse. Pensei que as mentalidades estivessem mais evoluídas e já se presumisse que ambos vão ter participação nos primeiros tempos, seja pai ou mãe. E sim, posso estar a “pessoalizar” isto e não ter o distanciamento necessário para intervir de forma desapaixonada e neutra nesta discussão. Mas que se há-de fazer? Talvez os debates mais acesos surjam precisamente nestes casos, não?

8 comentários:

  1. Isso é puro machismo idiota. Ainda se vê muito disso nas empresas com mulheres a serem menosprezadas pelo patrão quando se apresentam grávidas.

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  2. Anónimo14:02

    Eu estou gravida e aparentemente a directora de recursos humanos anda fula da vida para arranjar alguem para me substituir porque "não são tempos para se estar grávida, implica muitos custos para a empresa". Quando é que eu vou engravidar? quando passar a crise ou for despedida? :) Eu tenho 33 anos, quando passar a crise deve ter uns 60 anos :)

    A sorte é que o meu chefe (homem) lhe disse que ia pagar à minha substituta e a mim quem me pagaria era a seg social!!!

    As mulheres são sempre discriminadas, por mais evoluida que possa estar a sociedade!!!

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  3. Anónimo14:39

    A maneira mais simples de acabar com este tipo de discriminação era introduzir a obrigatoriedade de o pai tirar de licença o mesmo tempo que a mãe.
    Mas vá dizer isso a certas mulheres... "ai que horror, o bebé precisa é da mãe"
    Pois...

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  4. infelizmente este preconceito ainda existe ( e muito) e vai continuar a existir.

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  5. Anónimo15:35

    Pippa,

    sou uma rapariga do Norte, e cá também é assim, é sintomatico do tipo de sociedade (machista) que vivemos.Quando vou a uma entrevista de trabalho, a seguir à idade,nome etc, querem saber se sou/vou/irei casar e se tenho planos de ter filhos!!!
    Logo,já dá para imaginar como anda o mercado de trabalho!
    Já agr,muitos PARABÉNS pela gravidez,fiquei muito feliz!
    Adoro a forma como os assuntos triviais são abordados :) !
    Exactamente como eu o faria!
    beijinho

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  6. Puro machismo!! Mas para mim o pior é quando se vê mulheres a terem esse tipo de atitudes para outras mulheres.

    Parece que na sociedade de hoje em dia temos obrigatóriamente por a carreira a frente de tudo e todos e quase é uma ofensa quando dizemos que gostariamos de conciliar a vida pessoal com a profissional, Sem falar que a crise agora é a desculpa para tudo!

    beijinho:)

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  7. Olha, eu fico doente com essas afirmações, concordo em pleno com o que diz a Roxy. Infelizmente para nós mulheres, ter filhos não é bem visto e bem aceite num mundo profissional que ainda é dominado pelos homens.

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  8. Anónimo15:23

    Bem vindo ao mundo real....

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