terça-feira, 2 de julho de 2013

Guião para um filme a dois

Somos constantemente bombardeados com casais apaixonados, seja em qualquer anúncio televisivo, seja nos filmes, seja nas redes sociais, seja em vídeos no Youtube, seja até em livros e músicas. O romantismo persegue-nos. As viagens paradisíacas. Os presentes caros e maravilhosos. As surpresas hollywoodescas. Os gestos grandiosos. Os filmes sempre com um grand finale. É vê-los correr atrás dum avião para o impedir que levante voo e leve para sempre a sua amada. É vê-los comprar anéis da Tiffany a cada semana (eu tive um uma vez na vida, já não me queixo), sapatos com a tão ansiada sola vermelha, é vê-los reservar restaurantes inteiros só para poderem jantar os dois, é vê-los pedi-la em casamento no meio duma banda filarmónica a cantar a música preferida dela... Os exemplos não acabam. Tudo o que nos rodeia nos impinge romantismo. A vida a dois tem que ser romântica. Maravilhosa. Única. Sem o mínimo esforço. Tem que ser um sonho diário. Mas... e se não for?

E se, em casa, ele começar a resmungar, porque o dinheiro nunca chega para nada? E se ela começar a gritar que ele se tornou um desleixado? E se discutem por tudo e por nada? E se começam a fazer amor uma vez por mês, apenas, porque subitamente nenhum dos dois sente grande desejo? E se, de repente, ela chora de cada vez que vê um filme com o Richard Gere e sonha com o dia em que ele irá resgatá-la vestido de "Oficial e Cavalheiro"? Algo está mal. Acontece que esse mal não é irreversível.

O assunto não é novo, mas lembro-me dele recorrentemente. Ou porque o telefone toca e uma amiga se sente triste. Ou porque me enviam um vídeo do youtube com o maior pedido de casamento de sempre. É que estas últimas imagens estão tão distantes da realidade, do dia-a-dia, que basicamente era impossível não haver consequências.
- Ele já não me trata bem. Eu estava mal e ele nem perguntou se precisava de alguma coisa.
- Mas queixaste-te? Pediste ajuda?
- Não. Mas ele tem que perguntar na mesma. Se gostar de mim, preocupa-se
A verdade é que nos filmes nada se passa assim. Nos filmes, eles antecipam-se. Mais: nos filmes, eles já teriam composto uma música romântica a pensar em nós, a explicar o quanto nos amam e o medo que têm de nos perder enquanto nós tomávamos um Benuron. Nos filmes, a dor de cabeça passaria logo e sairíamos disparados de casa num descapotável, cabelos ao vento, em direcção ao pôr-do-sol. Só que na realidade temos que dizer com todas as letras: "ouve lá, dói-me a cabeça. Vais à farmácia comigo? E preciso mesmo de mimos, estou carente". Na realidade, temos que escrever o guião todos os dias e dar-lhe muitas vezes a parte dele para ele ler. Outras vezes, vamos esquecer-nos da fala certa e dizer asneiras. Vamos tentar apagar o diálogo e reescrevê-lo. Vamos repetir cenas. Vamos apagar folhas do guião de que não gostámos. Vamos treinar outra vez. Na realidade, o guião pode ser o que quisermos. Temos é que nos empenhar em escrevê-lo a dois.

7 comentários:

  1. É a realidade!
    Excelente publicação, parabéns!

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  2. Muito bom o teu guião Pippa. Guiões realistas destes é q fazem falta. Só eles permitem q existam muitos momentos felizes.
    Acho q o segredo não é ter um "final feliz", mas uma "repetição constante de alegria" ao longo da nossa história.
    E os momentos bons, quando acontecem na vida real, conseguem superar qualquer filme ;)

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  3. Anónimo14:54

    Pippa,

    O filme "Oficial e Cavalheiro" é com o Richard Gere...

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    1. Thanks! Já alterei. Fiz confusão: são os dois do mesmo estilo... :p

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  4. A vida se fosse tão perfeita como nos filmes não tinha tanta piada!

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  5. Anónimo10:03

    Tão mas tão verdade. Gostei muito. Cada vez gosto mais de passar por aqui. :)
    Sofia

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