terça-feira, 9 de julho de 2013

Sou perita em enterranços

A praia para onde íamos de férias sempre foi a mesma desde que nasci. Foi, aliás, cenário de namoro dos meus pais, muito muito antes de eu existir. A casa da família ali situada permitia que fôssemos todos os Verões para lá pelo menos quinze dias. Só que, se até aos 13, 14, a família era mais que suficiente para fazer companhia, a dada altura comecei a sentir necessidade de levar também amigas. E então a mesma casa, a mesma praia, e as mesmas ruas tornaram-se sítios novos, como que percorridos pela primeira vez. Com as minhas amigas fizemos quilómetros de bicicleta. Jogámos horas de basquete. Andámos tardes de patins. Caímos juntas. E levantámo-nos. Perdemo-nos. Rimos. Trocámos confidências. E fizemos amigos para a vida. A dada altura, já não éramos duas ou três, mas sim uma massa de miúdos a percorrer as ruas de bicicleta. A encher o campo para jogar basquete. A encher a praia. As esplanadas. Uma massa de miúdos a conversar como adultos até as estrelas subirem ao céu e serem horas de ir embora. Conversávamos muito sobre música (havia uns músicos lá no meio), sobre o futuro, sobre a religião, sobre o amor... E, mesmo que tenha havido ali uns fraquinhos, nunca ninguém andou com ninguém. Éramos apenas amigos, rapazes e raparigas. Amigos de Verão. Amigos de férias. E alguns dias durante o resto do ano.

Guardo esses amigos no mesmo canto do coração onde guardo as minhas recordações mais felizes. Porque foi uma altura de meninice bonita, bem antes dos arrebatamentos da vida adulta. No outro dia, soube que um desses meus amigos ia actuar num hotel pertinho de minha casa. Fiquei curiosa e decidi ir espreitar. Afinal de contas, era pertinho e não tinha planos para essa noite. Quando cheguei, já ele estava com a guitarra em posição e preparava-se para começar a cantar. Acenei eufórica (já não o via há tanto tempo...) e sorri-lhe. Ele olhou de volta e - talvez encadeado pela luz? - fez um sorriso amarelo, de quem não via nada. Sentei-me. A primeira música, a segunda,... A dada altura, tocaram uma música mais calma e a luz baixou. Foi aí que ele me terá finalmente detectado no meio da multidão e sorriu de volta, com o mesmo sorriso de puto que lhe conhecia há quase vinte anos atrás. No fim, radiante por revê-lo, saltei para o palco improvisado para lhe dar um beijinho e um abraço.
- Oláaaa, músico!! Posso conhecê-lo?
- Que boa surpresa!
- Gostaste? Estavas a actuar aqui pertinho de mim, não tinha desculpa para não vir ver-te.
- Fizeste bem! Nem acreditei quando te vi. 
- Eu reparei na tua cara de surpresa!
- Foi da luz! Sabes, estás igualzinha!
- Tu também estás! Ar de puto!
- Mas tenho mais dez quilos.
- Oh cala-te. Tens nada.
E mandei-o calar, como só se mandam calar os amigos. De repente senti uns olhares nas costas. Virei-me. Era uma rapariga que presumi que fosse a namorada. Muito gira e com ar simpático, mas parecia estar à espera que eu saísse para lhe dar um beijinho. Senti-me a mais. E saí. Vejo grande beijo repenicado. Outro. E outro. Um "hmmm" saído a meio dum abraço apertado. Mais um beijo. Senti-me subitamente constrangida. Fomos amigos mil anos e percebi que era a primeira vez que estava a vê-lo como homem, porque a verdade é que nunca o tinha visto com namoradas. Para mim, era o meu amigo das férias e pronto, independentemente de ser do sexo oposto. De repente, ela virou-se para trás, tirou-me discretamente as medidas e sorriu. E foi aí percebi que ela não me conhecia e não estava a ver dois amigos de doze anos, calções e bicicletas, mas sim dois adultos com demasiada confiança, talvez. E fiz então o que se faz sempre que estamos atrapalhados e queremos mostrar que não é o que parece: meti os pés pelas mãos e disse o que não devia dizer.
- Olá, nem me apresentei. Sou a Pippa. Sou amiga do J....
- Olá! Eu sei. Já ouvi falar de ti e das vossas férias.
- Sério? De mim e dos nossos amigos todos, certo? Éramos muitos. Não era só eu. Éramos muitos amigos. Éramos um grupo muito grande.
- Pois... E já o tinhas visto a actuar com esta banda?
- Não, só com a anterior. Íamos a muitos concertos dele. Íamos, quer dizer: eu e os outros todos. Íamos sempre muitos.
- E que tal? Qual gostas mais?
- Desta. Acho que gostei mais desta banda. Adorei. Acho que vou ser fã número um.
- Acho que seres a número um já vai ser difícil.
- Pois claro. Desculpa. Claro que sim. Vou ser fã número dois. Ou três. Ou o número que der. Vou ser uma fã normal, aliás. O que queria dizer é que gostei da banda. É gira. E pronto, já é um bocadinho tarde...

Ficou um silêncio estúpido e pensei "pronto, chega de me enterrar". É que, não sei por que carga de água, fiquei obcecada em mostrar que éramos amigos, sem filmes nenhuns. Mas esforcei-me tanto por mostrar isso, que a única coisa que mostrei foi que era uma amiga sem noção do ridículo.

Cheguei a casa a sentir-me estúpida. Mensagem dele. "Gostei de te ver. E a minha namorada disse que eras de rir". Pudera... "Vou ser fã número dois! Ou três. Ou o número que der!" Se fosse um desenho animado, esta era a parte em que dava com a cabeça repetidamente na parede. Estúpida.

7 comentários:

  1. Muito bom Pippa ! já me fartei de rir...eu também sou assim..ás vezes faço cada figura que só me apetece bater em mim mesma...beijinhos

    ResponderEliminar
  2. AHAHAH esmeraste-te Pippa! A namorada dele até gostou de ti :)

    ResponderEliminar
  3. Que conversa hilariante!! Ahahhaah!! Muito divertido!

    ResponderEliminar
  4. Pippa o que conta é a intenção mais nada!!....essa do silêncio é que....pronto deixa para lá lol

    ResponderEliminar
  5. Deixa lá... foste ver o rapaz a actuar, gostaste e ele também... o resto é paisagem... e passa!!! (mas és um bocadinho cómica, não sendo a única, pois já todos passamos por isto, certo?)

    ResponderEliminar
  6. Não é que goste de trocar enterranços (shame on us) mas para que não te sintas tão mal, aqui vai http://atulhadodeideias.blogspot.pt/2013/05/a-rainha-das-gaffes.html

    ResponderEliminar