sexta-feira, 12 de julho de 2013

Um almoço ao sol

O almoço entre os dois era de trabalho. Porque, quando o horário é apertado, todos os minutos contam. Nem que, para isso, o garfo e a faca tenham que ser acompanhados por uma caneta, e o guardanapo por um caderno. Assim, enquanto almoçavam, delineavam estratégias. Quem passava àquela hora por aquela mesa, reparava certamente no ar profissional de ambos. Na camisa impecavelmente passada a ferro dele, sem vincos, sem imperfeições. No nó da gravata de seda irrepreensível. E reparava também certamente no cabelo dela elegantemente penteado, e na maquilhagem com ar tão natural que com certeza teriam sido pensados ao pormenor. E quem passava àquela hora por aquela mesa, com certeza reparava também no ar formal com que se tratavam. Eram com certeza colegas a discutir o futuro de alguma empresa importante.

O almoço entre os dois era de trabalho. Porque a verdade é que só viviam para isso - para o trabalho. Na mão esquerda dele, a aliança escondia um casamento já no fim, depois de quase dez anos de vida em comum e três filhos. O divórcio estava nas mãos do advogado dele, e as discussões que andava a ter com a mulher por causa da casa de férias já lhe tinham tirado dias de sono e kgs de sossego. Já ela, nunca se tinha casado. Desde nova que sempre soube que era ambiciosa e concentrada na carreira a ponto de abdicar de paixões fugazes ou arrebatamentos passageiros. O coração não era assunto que lhe preocupasse - concentrava-se, isso sim, em que a sua cabeça fosse aproveitada ao máximo.

O almoço entre os dois era de trabalho. Como seria igualmente de trabalho o almoço na semana a seguir. E na outra. E na outra. E o jantar que veio depois também. Na mão esquerda dele, a aliança finalmente saiu. E ela viu-se certa vez a chorar numa das cenas do "Diário da nossa paixão", que passava um dia à noite num canal qualquer. Algo neles tinha mudado. Seria o ar de miúdo que ele fazia quando falava de alguma coisa que o apaixonava? Seria a pele perfeita dela, que parecia que reflectia o sol? Seria a gargalhada genuína dele que, de vez em quando, lhe saía? Seria aquela moleza que o cocktail de Sol e vinho por vezes lhes provocava? Ou seria tudo isso?... Algo tinha mudado.

Nesse dia, o almoço entre os dois era de trabalho. Porque o trabalho era a paixão que ambos partilhavam. Só que, nesse dia, ele já só seguia os raios de Sol que brincavam naquele pescoço e pareciam descer desafiadores para o decote dela. Ela já só via os lábios dele sussurrarem palavras sem sentido. O que diziam? Não sabia. Só via lábios carnudos, brilhantes. E, nesse dia, ele já não sabia o que dizia, porque as palavras saíam-lhe, desapareciam e transformavam-se em raios de Sol.
- Queres mais um copo de vinho?
- Não, obrigada. Estou bem assim.
- Também estou muito bem.
- Desculpa?
- Estou muito bem. Assim. Aqui. Não queria estar de outra forma.
- Somos mesmo obcecados pelo trabalho, não somos?
- Somos.... Somos...
E, nesse momento, ambos pensaram "até porque o meu trabalho, neste momento, és tu".
Pegaram na folha e na caneta. E continuaram a sarrabiscar qualquer coisa, com ar comprometido. Ele a pensar nos raios de Sol. E ela na boca dele.

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