quarta-feira, 24 de julho de 2013

Velha do Insta-Restelo-gram

A frase de abertura desse grande Livro resume tudo: "no princípio, era o Verbo". Pois de facto, parece que um certo dia, como culminar de toda uma evolução da espécie, os nossos antepassados começaram a caminhar apenas sobre os dois pés, e decidiram que era tempo de deixar de grunhir e começar a comunicar entre si com palavras. Parece também (e digo "parece", porque a verdade é que eu não estava lá...) que, um certo dia, alguns (muitos) pares de anos depois, os Chineses lá se lembraram de inventar algo a que chamaram "papel" exactamente para escrever essas palavras. "Temos papel, temos papel, já podemos esclevel!", lá terão comentado entre si. No entanto, reza a História que foi só no Egipto e na Mesopotâmia que acabou por se desenvolver a escrita propriamente dita. E ainda bem, porque, se assim não fosse, a esta hora podíamos estar aqui a falar entre nós em Chinês. Adiante...

Tudo isto para dizer que as tais palavras foram ganhando cada vez mais força. Escrever, escrever para manter as memórias registadas. Escrever a História, descrever as histórias. Mesmo com o desenvolvimento das tecnologias e das redes sociais, a tónica parecia estar sempre nas palavras: chats, Twitter, blogs, livros online, jornais, fóruns de discussão... E sempre a mesma preocupação: palavras, palavras, palavras. Quem dominasse as palavras, seria Rei e Senhor. Até ao dia. O dia em que se inventou o Instagram. Para quem não conhece o Instagram, eu explico em poucas palavras o que é e como funciona: o Instagram é o meio de comunicação por excelência das modelos da Victoria's Secret e das Rihannas deste mundo, onde, sem terem que escrever nada, partilham com o mundo fotografias perfeitas dos seus corpos perfeitos e vidas de sonho perfeitas em momentos igualmente perfeitos, espontâneos e belos.

E eu não estou com ciúmes. Nada disso. Ciúmes, eu? Ahaha. Nada. Elas nem são nada de especial. A sério que não... Só um bocadinho perfeitas demais, pronto. Mas não tenho ciúmes nenhuns, repito. Simplesmente parece-me que, em nome dos nossos antepassados que se esforçaram por deixar de grunhir e passar a falar; em nome dos Chineses que perderam horas a inventar o papel; em nome dos Egípcios que inventaram o papiro; em nome dos monges copistas; e em nome dos monges budistas e dos outros monges todos que não conheço, mas se dedicavam à escrita; em nome de todos os escritores; em nome dos Professores de Português e de todas as línguas faladas no mundo; em nome de __________ (completar com outras pessoas importantes que se lembrem, porque agora está-me a dar a preguiça)... em nome destes todos, penso que devíamos obrigar os tais utilizadores perfeitos do Instagram a escrever um textinho com pelo menos 1000 caracteres e sem erros. Vão ser perfeitos, cheios de fotografias perfeitas e vidas perfeitas, mas com trabalho de escrita antes, ok? Vamos ver se mantêm essas caras e corpos photoshopados depois de estarem uma hora em frente ao computador e ao dicionário... Muahahah.

11 comentários:

  1. lolol
    Eu nao sou famosa nem perfeita mas por acaso as vzs uso o instagram. E é mesmo qd naàse tem nada para dizer :)
    Adoro ler o teu blog.Gostava de saber me exprimir tao bem como tu. Es perfeita no que toca á blogosfera ;)

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    1. Bem, Susana... Longe longe de ser perfeita, mas bem perto de corar com este comentário. Obrigada!! :)

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  2. O maior problema era escrever sem erros! Ehehe

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    1. Ia adorar ler os erros. Adorar. Sou um bocado masoquista.

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  3. Também em nome de Luís de Camões, de Fernando Pessoa, de José Saramago, de Sophia de Mello Breyner... gosto dessa perspectiva!

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    1. Da Florbela Espanca, do José Régio, e de tantos outros...

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  4. Eheheh mas olha que após ver algumas das fotos existentes no instagram, dou graças a Deus das autoras/ autores das mesma não publicaram textos x). Tal não é a "profundidade" (ou falta dela) destas x)

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    1. Realmente não tinha visto dessa perspectiva. Mas pelo menos "humanizavam-se". Mostravam defeitos... A mim cansa-me um bocado ver barrigas perfeitas, mamas gigantes e caras de bonecas. Quero defeitos. Preciso de defeitos para viver a minha vida mais sossegada. :p

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  5. Por estas e por outras é que adoro o teu blog.

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    1. Acho que está a haver aqui um clima entre nós, Vera. Ou sou só eu...? :p

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  6. Mas quem diz Instagram pode dizer também Facebook ou outro tipo de rede social que funcione como "montra". Com a agravante que nessa última podes ter uma imagem projectada mais ou menos efabulada, acompanhada de uma micro-narrativa às vezes penosa.

    No entanto, vivemos na era da imagem e nunca faltará abundância de quem se preocupa mais com a imagem do seu perfil do que com o conteúdo do mesmo.

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