Amigos

Saíram à noite no Algarve. Ela, com as amigas dela. Ele, com os amigos.

Foram para um bar onde estava a dar uma latinada qualquer. Entre "bombas", "movimientos sexy" e outros que tal, os seus olhares iam cruzando. Ele gostou do sorriso dela. Ela, do ar maroto que ele tinha.

Aproximaram-se, com um pretexto qualquer inadiável. Falaram. Dançaram. E descobriram a ironia: viviam os dois da mesma cidade. Estudavam perto. E eram até da mesma idade.

No dia seguinte, encontraram-se na praia. E também à noite. E no dia seguinte novamente. E depois. E depois. No final das férias, combinaram-se encontrar-se na sua cidade.

Só que ela namorava. E ele também. Decidiram que iam ser amigos.

E amigos foram. Até que as saudades iam sendo muitas. E tinham que conversar. "Conversar com um amigo não tem mal, pois não?". Conversavam muito.

Deixaram, cada um, de namorar com os seus respectivos.

E estavam juntos. "Gosto de o ver. Ver os amigos não tem mal, pois não?" Portanto, viam-se muito.

E começaram a gostar de ver televisão juntos. "Vemos séries juntos, em minha casa. Não tem mal, pois não?" E viam muita televisão.

E a seguir jantavam. E tomavam café. Ele não queria ir embora. Nem ela se queria despedir. E nada tinha mal. Eram amigos.

E ela fazia-lhe festinhas no cabelo como ninguém. E ele fazia-a rir às gargalhadas como só ele.

E ele era capaz de estar em qualquer lugar em 15 minutos se ela precisasse, estivessem ambos onde estivessem. E ela era, para ele, a única mulher do mundo com sentido de humor apurado, meio à homem.

E eram tão amigos, tão amigos, que nunca mais se largaram. E ainda hoje, quase dez anos depois, conta a história que ela ainda faz arroz sem cebola como ele gosta, apesar de achar sempre que um dia o vai mudar. E ele ainda lhe aquece o leite com cereais ao pequeno-almoço, já sem resmungar que o leite quer-se frio, para os cereais não amolecerem.