Foi e continua a ser a minha tarefa do dia de hoje: matar cada partícula de saudade que ainda exista no meu corpo. Matar todas, uma a uma, que as sacanas ainda eram muitas e reproduzem-se a uma velocidade vertiginosa aqui por estes lados. E porque é que tinham gerado tantas? Porque o meu menino andou longe, bem longe em trabalho e só voltou hoje. E enquanto eu esperava e antecipava o reencontro no aeroporto, sentia-me estranhamente irritada, por isso dei por mim a lembrar-me de algo que a minha mãe me contou muitas vezes. A minha mãe (que tem repetido, nos últimos anos, o quão parecida com o meu pai estou a ficar) contou-me várias vezes que, enquanto estava na faculdade (estava noutra cidade) o meu pai ia buscá-la ao comboio sempre com ar de chateado. Diz que, no início, aquilo a perturbava e que não conseguia entender. Diz que não percebia porque é que algumas amigas saíam do comboio e tinham namorados sorridentes e saltitantes, cheios de dentes e braços, e ela tinha apenas um namorado um pouco carrancudo e que mal a fitava. E acrescenta que só mais tarde percebeu, ao procurar no olhar dele, que ali não havia frieza nenhuma: havia uma fortaleza que tentava segurar algumas lágrimas certamente formadas de saudades.
Hoje senti-me o meu pai. As saudades todas da semana criaram um muro imenso que hoje me tornou só uma palerma meia irritada sem saber sequer porquê.
- É esta a receção?
- É. Temos que sair daqui rápido, porque o carro está mal estacionado e há polícia lá fora.
Só em casa, horas depois, senti o muro a cair. Ele abraçou-me do nada e desatei a chorar sem explicação aparente. E chorei, chorei, chorei naquele abraço até sentir que estava tudo bem, que o momento era real e palpável. Sou uma palerma com as saudades. Mas porque sinto-as duma forma que não desejo a ninguém. E agora vou matar mais algumas que ainda aqui ficaram. Até amanhã.
Engraçado. Nunca tinha ouvido (ou lido) alguém dizer isto que é tambem a forma como sinto as saudades. Tal e qual. Quanto mais tempo longe, pior eu fico. Mas pior no sentido de irritada, insuportável e não passa quando o vejo. Ou melhor, não no momento. É muito estranho mas tenho uma teoria que tem qualquer coisa a ver com essa barreira, essa tentativa de nos mantermos fortes quando não é isso que apetece. Tenho que me distanciar para não deixar as saudades tomarem conta demasiado e depois custa a voltar ao estado 'normal'. Por isso digo, relações à distância seriam para mim praticamente impossíveis. Não digo não nem nunca mas muito, muito dificilmente. Não tenho personalidade para aguentar isso.
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Deixa lá Pippa, há já dois anos que só estou com o meu namorado durante o fim de semana (e é sempre) e para mim continuo com o mesmo 'drama da despedida' e mau feitio do reencontro. Acho que nunca me vou habituar!
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