- Então? O que estás a fazer?
- A ver televisão.
- Sem sono?
- Sem sono nenhum!!
- Olha, hoje não sei o que se passa. Talvez tenha sido por causa do jogo de futebol, mas estou a morrer de sono. Ando para aqui a arrastar-me, por isso já vou dormir.
- Já?
- Sim. É cedíssimo, não é? Mas estou a morrer… Ah… pus o alarme para a meia-noite, por isso ainda falamos.
- Claro, claro.
Pisquei o olho para o telefone. Achei aquilo tão mal disfarçado. Era óbvio agora, para mim, que ele estava a caminho. Nunca ia para a cama às 10h, por isso, era claramente um disfarce. Sorri e comecei a dar um jeitinho à casa, que se ia receber uma surpresa, queria ser surpreendida numa casa à altura do acontecimento. À meia-noite já eu estava a pé à espera da campainha. Trrrrim!!
- Sim?
- SURPRESA!!!
O choque. A voz não era dele. Eram vozes femininas, apenas.
- Suuu…baaaam….
E elas subiram: amigas e vizinhas, sorridentes e de braços abertos. Ainda espreitei por detrás delas. Ele não estava lá. Abracei-as. O telefone tocou:
- Parabéeeens!!
- Obrigadaa….
- Que vozinha é essa?
- A campainha tocou e eu, feita estúpida, estava com o pressentimento que eras tu. Aliás: estava mesmo convencida que eras tu.
- Oh porquê? Eu amanhã trabalho, tu sabes… E tu também. Como é que ia aparecer aí?
- Sei lá, podias vir aqui fazer uma surpresa e voltar de manhã cedo… Disseste que ias dormir às 10h e pensei que era um disfarce mal feito. Sou estúpida, pronto.
E lá fui sair com elas. No dia seguinte, no fim do trabalho, tive a sorte de ter um casal de amigos meus a fazer a mesma viagem, por isso, fomos juntos. Só que eles namoravam há duas semanas, o que resultou numa viagem cheia de beijos, e mãos, e olhares, e juras de amor, perante a minha cada vez maior solidão proporcional aos quilómetros que fazíamos. No final da viagem, eu era a pessoa mais solitária do mundo. Era dia de aniversário, e no dia de aniversário tudo o que sentimos multiplica-se pela idade que fazemos. Quando chegámos, eram 23h59. Saí e fui recebida por uns braços e beijos, e parabéns e mil mimos, mas o buraco gigante ainda não estava preenchido. Por isso, quando recebi os óculos como presente, ainda eu era todo um Donut humano e não estava apta a demonstrar calor e emoções. Podia ser o melhor presente do mundo, mas primeiro precisava de ser preenchida com amor. Ele nunca percebeu isso e ainda hoje esse episódio é recordado inúmeras vezes para justificar o facto de ter optado por não "inventar" mais surpresas:
- Lembras-te quando decidi inventar e te dei aqueles óculos? Qual foi a tua reação? Disseste que parecias uma mistura dum Basset hound deprimido com o Cristiano Ronaldo com aqueles óculos.
- Eu disse isso?
- Sim. Mas o pior é que realmente parecias. Eu não sei surpreender-te. Quando tento inventar algo que penso que podes gostar, para te surpreender, nunca acerto. Nunca.
- Oh… Os óculos até eram giros. Só não me ficavam bem.
- Ficavam péssimos, podes dizer frontalmente. Não sei surpreender-te.
Desde aí, tive que o guiar sempre. Ontem aconteceu outra vez. Qual estrela polar, guiei-o: “tens que ir ali, eu saio às X horas, podias ir buscar-me… depois podíamos…. blábláblá”. E assim foi. Sem grandes surpresas, fui surpreendida. Os homens perdem a capacidade de surpreender, após o primeiro erro. Mas eu nunca hei-de perder a vontade de o tentar continuar a guiar. Tudo na esperança que um dia ele volte a andar sozinho. Pelo que vejo do meu pai, de vez em quando ainda volta a tentar surpreender a minha mãe, mesmo que a medo, e mesmo depois de já ter errado. Digam-me lá: nós, mulheres, somos mesmo um bicho assim tão difícil de ser agradado? Somos um bicho assim tão difícil de perceber?
Não, não são, mas nós é que temos a mania que uma boa surpresa para vocês é oferecer-vos algo de material, o que já aprendi há muitos anos que não é verdade.
ResponderEliminarahahah, adorei o " Mas o pior é que realmente parecias." ehehehe :D
ResponderEliminarEu concordo com o Sr. de cima, às vezes nem é preciso muito para uma boa surpresa....uma flor quando menos se espera, um jantar, uma viagem não planeada.....eu, pelo menos nã me considero difícil de surpreender, mas o homem também não arrisca muito, verdade ;)
coisasquetaiseafins.blogspot.pt
Concordo que somos um bocadinho difíceis de ser surpreendidas, se recebemos X queremos Y ou se é vermelho queremos azul. Por vezes se não for eu a dar dicas, acho que até se esquecia das datas importantes (talvez pelo medo de não saber surpreender).
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