quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Eles não sabem surpreender

Ontem recebi uma surpresa. Ou, melhor dizendo: ontem fizeram-me o que sugeri. Se conta como surpresa? Gosto de acreditar que sim, que também entra no conceito amplo de “surpresa”, caso contrário, há muito que teria deixado de receber qualquer tipo de surpresas. Há algo nos homens que, após a primeira surpresa mal sucedida, lhes incute medo e os impede de renovar o ato – após o primeiro erro, nunca mais haverá surpresas. Comigo, aconteceu com uns óculos há muitos anos. Tinha feito anos numa Quinta-feira e vivíamos separados por umas centenas de quilómetros. Sabia que era improvável que estivéssemos juntos no meu dia de anos, porque ambos trabalhávamos, mas decidi tirar a Sexta-feira e, assim, passar o final do dia junto dele e o resto do fim-de-semana perto de quem mais gostava. No entanto, a dúvida mantinha-se: ele apareceria de surpresa ou não para me dar um beijinho de parabéns? Pelo sim, pelo não, tratei de tomar um banho no final da Quarta-feira, ao chegar a casa, vesti uma roupa mais gira, maquiilhei-me um pouco e pus-me a ver televisão. O mais certo era não aparecer ninguém, mas pelo menos não começava o dia de aniversário de pijama e cabelo desalinhado, e eu saberia sempre disso. Era uma questão minha. Às dez, uma chamada:
- Então? O que estás a fazer?
- A ver televisão.
- Sem sono?
- Sem sono nenhum!!
- Olha, hoje não sei o que se passa. Talvez tenha sido por causa do jogo de futebol, mas estou a morrer de sono. Ando para aqui a arrastar-me, por isso já vou dormir.
- Já?
- Sim. É cedíssimo, não é? Mas estou a morrer… Ah… pus o alarme para a meia-noite, por isso ainda falamos.
- Claro, claro.

Pisquei o olho para o telefone. Achei aquilo tão mal disfarçado. Era óbvio agora, para mim, que ele estava a caminho. Nunca ia para a cama às 10h, por isso, era claramente um disfarce. Sorri e comecei a dar um jeitinho à casa, que se ia receber uma surpresa, queria ser surpreendida numa casa à altura do acontecimento. À meia-noite já eu estava a pé à espera da campainha. Trrrrim!!
- Sim?
- SURPRESA!!!

O choque. A voz não era dele. Eram vozes femininas, apenas.
- Suuu…baaaam….
E elas subiram: amigas e vizinhas, sorridentes e de braços abertos. Ainda espreitei por detrás delas. Ele não estava lá. Abracei-as. O telefone tocou:
- Parabéeeens!!
- Obrigadaa….

- Que vozinha é essa?
- A campainha tocou e eu, feita estúpida, estava com o pressentimento que eras tu. Aliás: estava mesmo convencida que eras tu.
- Oh porquê? Eu amanhã trabalho, tu sabes… E tu também. Como é que ia aparecer aí?
- Sei lá, podias vir aqui fazer uma surpresa e voltar de manhã cedo… Disseste que ias dormir às 10h e pensei que era um disfarce mal feito. Sou estúpida, pronto.


E lá fui sair com elas. No dia seguinte, no fim do trabalho, tive a sorte de ter um casal de amigos meus a fazer a mesma viagem, por isso, fomos juntos. Só que eles namoravam há duas semanas, o que resultou numa viagem cheia de beijos, e mãos, e olhares, e juras de amor, perante a minha cada vez maior solidão proporcional aos quilómetros que fazíamos. No final da viagem, eu era a pessoa mais solitária do mundo. Era dia de aniversário, e no dia de aniversário tudo o que sentimos multiplica-se pela idade que fazemos. Quando chegámos, eram 23h59. Saí e fui recebida por uns braços e beijos, e parabéns e mil mimos, mas o buraco gigante ainda não estava preenchido. Por isso, quando recebi os óculos como presente, ainda eu era todo um Donut humano e não estava apta a demonstrar calor e emoções. Podia ser o melhor presente do mundo, mas primeiro precisava de ser preenchida com amor. Ele nunca percebeu isso e ainda hoje esse episódio é recordado inúmeras vezes para justificar o facto de ter optado por não "inventar" mais surpresas:

 - Lembras-te quando decidi inventar e te dei aqueles óculos? Qual foi a tua reação? Disseste que parecias uma mistura dum Basset hound deprimido com o Cristiano Ronaldo com aqueles óculos.
- Eu disse isso?
- Sim. Mas o pior é que realmente parecias. Eu não sei surpreender-te. Quando tento inventar algo que penso que podes gostar, para te surpreender, nunca acerto. Nunca.
- Oh… Os óculos até eram giros. Só não me ficavam bem.
- Ficavam péssimos, podes dizer frontalmente. Não sei surpreender-te.


Desde aí, tive que o guiar sempre. Ontem aconteceu outra vez. Qual estrela polar, guiei-o: “tens que ir ali, eu saio às X horas, podias ir buscar-me… depois podíamos…. blábláblá”. E assim foi. Sem grandes surpresas, fui surpreendida. Os homens perdem a capacidade de surpreender, após o primeiro erro. Mas eu nunca hei-de perder a vontade de o tentar continuar a guiar. Tudo na esperança que um dia ele volte a andar sozinho. Pelo que vejo do meu pai, de vez em quando ainda volta a tentar surpreender a minha mãe, mesmo que a medo, e mesmo depois de já ter errado. Digam-me lá: nós, mulheres, somos mesmo um bicho assim tão difícil de ser agradado? Somos um bicho assim tão difícil de perceber?

3 comentários:

  1. Não, não são, mas nós é que temos a mania que uma boa surpresa para vocês é oferecer-vos algo de material, o que já aprendi há muitos anos que não é verdade.

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  2. ahahah, adorei o " Mas o pior é que realmente parecias." ehehehe :D

    Eu concordo com o Sr. de cima, às vezes nem é preciso muito para uma boa surpresa....uma flor quando menos se espera, um jantar, uma viagem não planeada.....eu, pelo menos nã me considero difícil de surpreender, mas o homem também não arrisca muito, verdade ;)

    coisasquetaiseafins.blogspot.pt

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  3. Lúcia14:09

    Concordo que somos um bocadinho difíceis de ser surpreendidas, se recebemos X queremos Y ou se é vermelho queremos azul. Por vezes se não for eu a dar dicas, acho que até se esquecia das datas importantes (talvez pelo medo de não saber surpreender).

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