quarta-feira, 6 de março de 2013

Cor. Música. E uma guitarra.

Ela adorava o mês de Março. Lembrava-lhe cor. Morangos. E laranjas. Cheirava-lhe a relva molhada e a eucaliptos. Sabia a bolo de aniversário, cheio de luz, fruta e muito chantilly. Expectativa. Esperança.
E aproveitava sempre a despedida do Inverno e o regresso da sua estação preferida, a Primavera, para fazer um breve balanço da sua vida e abraçar novos sonhos e projectos. Março... Onde estava em Março há um ano atrás? E há dois? Ia recuando, neste exercício de memória, e procurando recordações. Onde estava... há treze, catorze, quinze anos??
Fecha os olhos. Tem 17 anos e está nos bastidores dum palco, com o coração descontrolado. As mãos geladas. A adrenalina descontrolada no corpo, como uma montanha russa de emoções. A cortina abre. A escuridão desaparece, e é substituída por uma luz imensa dirigida para o palco. Não vê ninguém. Assiste apenas ao próprio corpo que anda, sozinho. O cérebro, desligado. Observa as suas mãos, que pegam no microfone, a tremer. Já não tem controlo sobre nada. Será apenas um sonho? O silêncio. Absoluto. Treme. Treme tanto! E aquela luz? Não é forte demais? Desliguem a luz, por favor. A batida da bateria. Os acordes da guitarra. Ouve-se uma voz feminina. Ela gosta. "Sou eu?" Era. Como num sonho. Não sente nada. A voz canta, sozinha. Segura, até. "Um pouco mais de sol - eu era brasa. Um pouco mais de azul - eu era além.", diz a letra. "Conheço isto, não é um poema?". Os aplausos. Os aplausos. Os aplausos, que ecoam e ultrapassam o tempo e o espaço e são agora, mais de dez anos depois, tão reais.
Ela queria ser cantora. Pintora. E bailarina. O tempo ia, com certeza, dar para tudo, explicava à mãe. Aquele foi, no entanto, o auge da sua carreira como cantora - sim, aos 17 anos. Hoje em dia, veste-se de cores neutras e trabalha das 9h às 20h num escritório. Música, só aquela que ouve na rádio ou nos cds que continua a coleccionar.
Ele queria ser realizador e músico. Olhava à volta e tudo o inspirava. A luz, o anoitecer. Os carros que passavam. A música que ouvia, pela noite adentro, na solidão do seu quarto. As conversas que tinha. Imaginava argumentos, e realizava filmes em sonhos, ao som de Air, Radiohead ou de outras bandas que ia descobrindo.
Na Primavera daquele ano de 2001, quis o destino que aqueles dois jovens cheios de sonhos se cruzassem. Começaram a falar de música. "Gostas de Air? Adoro! Vêm cá dar um concerto, sabias?" ou "Radiohead? Qual é a tua música preferida?". Ele tinha uma guitarra. "Vamos lá experimentar: eu toco e acompanhas-me". Ele tinha uma voz que preenchia o espaço de forma simples e despretensiosa. Ela preferia ouvi-lo, apenas. "Black Star, sabes tocar?" Ele sabia. E ainda sabe, porque ela consegue continuar a ouvi-lo, tantos anos depois.
Na Primavera daquele ano de 2001, quis o destino que aqueles dois jovens cheios de sonhos se cruzassem. Se juntassem. E ganhassem até o 1.º lugar num concurso de karaoke dum bar qualquer. A música? Ela até contaria, mas ele tem vergonha de admitir, tantos anos depois.
Na Primavera daquele ano de 2001, eles cantaram, sonharam e, depois, cada um continuou com a sua vida. Hoje em dia, ela veste-se de cores neutras e trabalha das 9h às 20h fechada dentro de quatro paredes. Música, só aquela que ouve na rádio ou nos cds que continua a coleccionar.
Ele? Ele realizou todos os seus sonhos. É realizador. E músico. Olha à volta e tudo continua a inspirá-lo. A luz, o anoitecer. Os carros que passam. A música que ouve, pela noite adentro, em espaços que serão cada vez menos solitários. "Better not stop, better not stop moving", canta-nos ele. Na rádio. Nas ruas. Nos palcos. Na televisão. Enquanto escreve argumentos e realiza filmes. O tempo não existe. O tempo é irreal. Não será tudo isto um sonho, afinal? Porque parece que ele tem tempo para tudo. E consegue transportar-nos para o passado e o futuro, tirar-nos o presente, tirar-nos o real. Transporta-nos para bem longe daqui, faz-nos perder a noção de tempo ou de espaço.
Ele, o André, vai estar com o seu novo projecto, os There must be a place, em Lisboa no próximo dia 9, e no Porto, no próximo dia 13, entre outras cidades, depois do sucesso do primeiro álbum dos We trust. E merece ser ouvido. Porque é a prova de que os sonhos podem ser concretizados, desde que exista muito talento, força e persistência.
Ela adorava o mês de Março. Lembrava-lhe cor. E música. Uma guitarra. E uma voz que preenchia o espaço de forma simples e despretensiosa. Ela continua a ouvi-lo, nas suas memórias. Mas agora pode ouvi-lo também na rádio ou nos cds que continua a coleccionar. E vocês também. Espero (em nome dela) que gostem. ;)

3 comentários:

  1. E há sonhos que se transformam em realidade. Gostei.

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  2. Gostei =) Lutar pelo que sonhamos vale sempre a pena! Bjinhos***

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  3. É preciso muita força, determinação e coragem, para levarmos por diante o que sabemos nos fará felizes. A vida não pode ser só existir!

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