terça-feira, 9 de abril de 2013

O meu namorado? É uma namorada.

Conheciam-se do trabalho. Só se viam das 9h às 19h. Ou às 20h30, 21h, nos dias mais atarefados. Com uma pausa para almoço. Subiam até ao 6.º piso do edifício espelhado, onde o Sol reflectia nos dias de Verão e fazia sonhar com destinos longínquos. Lá dentro, no entanto, não havia espaço para sonhos. Saíam do elevador, do alto dos seus saltos de longos centímetros, ajeitavam a camisa, abotoavam o blazer, arranjavam o cabelo e lançavam-se, decididas, corredor fora. Primeiro uma, depois outra. Depois outras dezenas de pessoas.

Conheciam-se do trabalho. Apenas. E só se viam das 9h às 19h. Mas sentiam uma certa empatia. Nas pausas para fumar duma, a outra acompanhava, juntamente com outra amiga. A outra nem era fumadora, mas sabia-lhe bem apanhar ar puro, ou quase puro - no meio duma grande cidade haverá ar puro? Conversavam sobre tudo menos trabalho. Sobre o fim-de-semana. Sobre o desejo da primeira de comprar um cão. Sobre desporto. "Devias experimentar jogar ténis, também. Ias gostar!", dizia-lhe a segunda. E o que é certo é que até foram ficando amigas.

Conheciam-se do trabalho. Só se viam das 9h às 19h. Com uma pausa para almoço. Começaram a almoçar. Não só as duas, o grupo foi aumentando. Conversavam sobre tudo. "Este fim-de-semana segui o teu conselho e fui para a cidade universitária. Gostei muito, tinhas razão", dizia-lhe a primeira. Aos poucos foram ficando realmente amigas. Conversavam sobre os namorados. Sobre o amor. Sobre a paixão. Ou desgostos. "Sofri muito com um ex namorado. Namorámos anos e quando acabou sentia que o mundo ia desabar", contava a primeira.

E as pausas para fumar eram cada vez mais uma pausa de amigas que de colegas de trabalho. Só que a primeira nunca se esqueceu que aquele edifício era de trabalho. Trabalho. E alguns segredos tinham que permanecer apenas seus. Até que um dia, a outra saiu da empresa. Depois, saiu ela. Continuavam a falar e a combinar encontros. Já não eram colegas de trabalho. Uma noite, foram sair, mais os antigos colegas. Fizeram-se brindes. Dançou-se. Tiraram-se fotografias. Saltou-se. Cantaram muito. E beberam mais ainda.
- Preciso de te contar uma coisa.
- Então?
- Antes não podia contar, porque éramos colegas de trabalho.
- Sim...
- Mas gosto muito de ti e quero que saibas que te vejo como amiga.
- Eu também te vejo como amiga.
- Sabes o namorado novo de que tanto falo?
- Sim, claro.
- Não sei como dizer isto, mas...
- Força.
- É uma namorada. Vais olhar-me de forma diferente, não vais?
- Claro que não! Que disparate.
- E o ex namorado também é uma ex.
- E por que tinhas problemas em dizer?
- Sabes como as pessoas são.
- Não sei. Só sei como eu sou. E para mim isso é absolutamente normal.

Nesse dia, esqueceram-se de onde se conheciam. Trabalho? Qual trabalho? Eram amigas. De sempre e para sempre. E ela podia gostar de quem quisesse. Ser amigo é isso mesmo.

13 comentários:

  1. Geralmente gosto dos teus textos/posts... Mas deste gostei mesmo muito :) Talvez por dar a conhecer a faceta mais doce das pessoas... Reforçar a ideia que nem toda a gente é má como actualmente nos querem fazer parecer :/

    Beijinho*

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  2. Sim, ser amigo é isso :)

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  3. Isto é amizade verdadeira, sem preconceitos!

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  4. Sou como tu, amizade a cima de tudo :D é uma amizade verdadeira sem duvida..

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  5. Acabei de te descobrir!

    E gostei muito do que li :) Eu vejo as coisas por essa perspectiva. A pessoa de quem se gosta, mais especificamente o género da pessoa de que se gosta em nada muda a essência duma pessoa :)

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  6. A historia vai continuar? Eu queria =)

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  7. Anónimo23:33

    fodasse!
    joao

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  8. Reli o primeiro paragrafo do teu post ai umas 5vezes...
    Abri num separador à parte e quando ia para ler aparecia-me qualquer coisa para fazer... mas fui deixando o seprador aberto.
    Finalmente li até ao fim. Valeu a espera.
    É para que saibas o quanto gosto da tua escrita.
    Gostei imenso do texto.
    As amizades devem ser exactamente assim, sem preconceito. =)

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  9. A amizade é isso mesmo!

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  10. A verdadeira amizade não condena o mais condenável. E uma orientação sentimental (não sexual, por ser gay tem muito mais para lá do gostar de fazer amor com pessoas do mesmo sexo), e sobre essas ninguém tem o direito de opinar, ou pôr de lado.

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  11. Concordo contigo e subscrevo totalmente. Não suporto homofobia.

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  12. Anónimo17:13

    Faria sentido nos anos 90.

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