quinta-feira, 18 de abril de 2013

Só queria beijar-te

Ela era uma simplificadora. Mas tinha os seus momentos de complicadora. E, nos dias seguintes, não conseguia deixar de pensar naquele jantar. Na lasanha congelada. No National Geographic por ver. Na pele dele. Ou no sorriso. Encontraram-se novamente dias depois, num sítio por ele sugerido.
- Que lugar é este?
- É um lugar especial, para mim. Venho cá quando quero fugir ao barulho e à azáfama da cidade.
- Gosto muito!
- Queres beber o mesmo que eu? Vou pedir algo que gosto muito.
- Ok, confio em ti.
- Fazes bem confiar. Vais adorar.
Beberam um pouco. A cada gole, ele tornava-se mais bonito. Mas ela era uma simplificadora, não ia pensar - ia apenas viver o jantar.

- Um dia, gostava de construir uma casa junto à dos meus pais, para poder crescer longe da confusão e da poluição. Quero crescer e ter filhos junto ao rio.
- Queres muitos filhos?
- Sim. E quero chegar a casa, a ouvir as "Quatro Estações", do Vivaldi, e ver os meus filhos a correrem pelo campo.
- Já tens tudo delineado.
- Sim. Até a própria casa. Quero uma biblioteca, com livros de História antigos. Quero mapas para estudar as viagens da família. E sempre música clássica a dar, de fundo.
- Gosto da imagem.

A cada gole do vinho, ele era mais perfeito. Será que ele achava o mesmo dela? Será que a achava interessante, como ela o achava a ele? Não podia complicar. "Desliga o complicómetro", dizia a si mesma. "És uma simplificadora. És confiante e segura. Não questionas: ages."

No fim do jantar, foram passear junto ao mar. Estava tanto calor, depois daquela garrafa de vinho...! Passearam, bem próximos. Ela viu o seu reflexo numa montra, não estava mal de todo. O vinho deixava-a sempre um pouco rosada, mas costumavam elogiá-la quando estava assim. O cabelo estava mais macio, tinha ido experimentar um tratamento novo ao cabeleireiro, de manhã. E notar-se-ia a limpeza de pele que tinha feito na véspera? O vestido novo também parecia favorecê-la. Ela era simplificadora. Até o conhecer. Andava com a vida feita em mil dúvidas, desde a primeira vez que o tinha visto. Porque não a tinha ainda beijado? Porque não respondia às mensagens de forma querida?
- Só queria beijar-te.
- Diz?
- Oh... Falei? Disse em voz alta?
- Sim. Mas não percebi.
- Estava a dizer que está a ficar frio.
- Tens razão, vamos embora. Amanhã temos que trabalhar.
- Sim. Temos que trabalhar.

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