segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Perdoa-me, que menti

Tinha tirado a carta há pouco tempo, mas sentia-me a maior condutora que alguma vez cruzou as estradas. O instrutor tinha-me elogiado tanto, que andava com o ego nas nuvens. Logo na primeira aula andámos duas horas em curvas apertadas e contra-curvas, andámos em vias rápidas e estacionámos. Ele dizia-me que tinha um jeito natural e nem acreditava que nunca tinha pegado num carro.
Eu sentia-me a maior. Tirei a carta com pouco esforço e num instante, tinha carro... O mundo era meu.
Querido instrutor... BIG MISTAKE!
Um dia, com a carta fresquinha nas mãos, estava a estacionar o carro num shopping, à campeã, super rápido. Nem reparei que tinha uma coluna atrás. Puum! Bati. Fiquei a tremer. Saí do carro e vi que tinha feito uma pequena mossa atrás. Pior que isso, a mossa tinha ficado vermelha, da cor da coluna. Fiquei fula comigo mesma. Como é que era possível tamanho erro? Era um lugar de estacionamento acessível, num shopping. Só tinha batido por ter demasiado pressa. Foi um erro de principiante.
Depois disso, sempre que ia ter com os meus pais, estacionava o carro o mais longe possível. Andava a tentar adiar o momento da descoberta enquanto conseguisse. Já sabia que ia ouvir um raspanete. E, sinceramente, era merecido.
As semanas iam passando. Um certo fim-de-semana, já quase esquecida da mossa vermelha, estacionei o carro ao pé de casa e fui almoçar com os meus pais. O almoço correu bem, conversámos sobre a semana e os meus pais foram dar uma volta no final. Quando voltaram, umas horas depois, o meu pai vinha furioso:
- Nem acredito! O teu carro tem uma mossa atrás.
- Uma ... mossa...?, repeti eu, bem devagar, a ganhar tempo enquanto me preparava para confessar tudo e arcar com as consequências.
- Sim, uma grande mossa. Mas não te preocupes. Já percebi tudo!
- Percebeste...?
- Sim. A marca é vermelha.
- Vermelha...?
- Sim... Quem é que tem um carro vermelho? O nosso vizinho, o X.
- O X...?
- Sim! Foi ele. Não tem cuidado nenhum a estacionar. Eu bem que o vi ainda há bocado a tirar o carro ao pé do teu. Reparou que eu estava a observar, até desviou o olhar. Devia saber muito bem que tinha acabado de te bater. Não sabe mesmo estacionar. Há tempos que reparo. Até tenho medo sempre que estacionas ali, porque já se sabia que mais cedo ou mais tarde ele te ia bater.
- Achas mesmo que foi ele...?
- Tenho a certeza. Estava completamente encostado ao teu carro. E desviou-me o olhar quando saiu, depois.
- Mas pode não ter sido. O carro já podia ter essa marca, não é...?
- Não tinha, não. E é da cor do carro. E a marca bate certa com o sítio em que o carro  do X estava estacionado. E ele tinha um ar comprometido. Que azelha.
- Mas então o que vais fazer?
- Não podemos fazer nada, porque não vi mesmo o embate, não é? E ele, surdo como é, nem deve ter ouvido. Mas devia ser homenzinho e assumir as culpas.
Verdade seja dita que a certeza do meu pai era tal que, naquele momento, eu própria acreditei que tinha sido o vizinho X, com o seu carro vermelho, e a sua azelhice ao volante, a bater no meu carro. Tentei convencer-me que, mesmo que tivesse dado um toque, ele tinha aumentado a marca. O meu pai tem a maior capacidade de persuasão que já conheci. Convencia um esquimó a comprar-lhe gelo, se quisesse.
No entanto, sempre que passo por esse vizinho, sinto-me mal. O meu pai e ele nunca se deram bem, é um facto, mas o que é certo é que há cerca de dez anos atrás, eu deitei mais uma acha para a fogueira.

Vizinho X, a verdade é que também não gosto muito de ti. És antipático, nunca respondes aos meus bons dias ou boas noites. Resmungas com todos os vizinhos, arranjas problemas e já bateste em alguns carros, graças à tua falta de jeito para a condução. Mas sou a favor da justiça e, neste caso, fui eu que falhei. Perdoa-me, que menti.

16 comentários:

  1. loooool

    Não lhe contes. Deixa-o manter o ódio pelo vizinho que é mais saudavel :P

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    1. Ai... mas então devemos dizer sempre a verdade? Pensei que iam concordar que tinha errado. :)

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  2. Ah ah ah!
    Ri-me imenso com este post.
    Mas tenho a certeza que toda a gente é assim quando tira a carta, todos nos achamos um Ás ao volante!

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    1. Somos é mais um perigo constante, com 18 aninhos... :)

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  3. Anónimo14:35

    Querida Vizinha Pippa,

    Eu posso ser surdo, mas não sou cego e ri-me logo que vi a mossa vermelha. Afinal, quem tem falta de jeito para a condução? Ainda me lembro. Sou surdo mas tenho boa memória.
    Eu sou surdo, como disse, e é por isso que não respondo aos seus bons dias, ou seja, porque não os oiço. Ou sou surdo para umas coisas e antipático para outras?
    Está perdoada em relação às culpas! Entrarei em contacto com o seu pai para esclarecer a situação.

    Bem haja!
    Seu Vizinho X

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    1. Obrigada, vizinho. Eu sabia que um dia me ia perdoar!! Já perdi 1kg depois de ler isto. Foi a minha consciência que ficou mais leve. ;)

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  4. não foi uma mentira muito grave e assim o teu pai não ficou a pensar que tinhas sido tu =)

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    1. Foi uma parvoíce de miúda. Na altura tive medo das consequências, mas se fosse hoje contava logo. :)

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  5. Já me safei mais ou menos da mesma maneira :)

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    1. A sério? Tens que contar, para me sentir menos mal!! :p

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  6. Anónimo19:31

    Não sou um poço de virtudes (nem nada que se pareça, lol) mas nunca deixaria que alguem - mesmo um vizinho ranhoso - fosse acusado injustamente... A injustiça - mesmo que sem consequências - é para mim insuportável.

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    1. Para mim também. Daí estar a falar disto, passados mais de dez anos. :(

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  7. Ahaha, eu acho q faria o mesmo, para ser sincera!

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  8. Anónimo20:20

    Foi uma mentirinha inocente do género "vou dormir a casa de uma amiga". Ninguém saiu prejudicado, é o que interessa xD

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