quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A casa dele é mais arrumada que a minha.

Ontem fui conhecer a casa dum vizinho (amigo nosso) que mora num apartamento exactamente igual, mas noutro andar. Ele já lá tinha ido e tinha-me dito maravilhas, por isso quando insistiu para que fosse também, lá acedi em menos dum piscar de olhos. Mal entrei, fiquei encandeada. Sabem a sensação de entrar dentro duma revista de decoração? Foi a sensação que tive. Não havia um prato à vista em cima da mesa de jantar. Uma almofada no sofá fora do sítio. Uma peça de roupa à vista no quarto. Ou uma migalhinha a dar um ar da sua graça perdida em cima da banca da cozinha. Nada. Tudo brilhava. E brilhava à meia luz, que isto das casas das revistas de decoração tem sempre outro charme e suavidade. Tudo parecia gritar "fotografa-me, vá, estou aqui para isso", ou "cheira-me, ora vê lá que cheirinho a baunilha e sais de banho tenho". Mostrou-nos entrada, sala, casa-de-banho. E o quarto dele. Abriu o armário da roupa - tudo dividido por cores e devidamente pendurado. Senti-me um farrapo. Nem eu, que sou mulher, tenho a roupa assim tão impecavelmente exposta!!

Até que mostrou a cozinha. E abriu o frigorífico. Vazio. Abriu a despensa. Vazia. Explicou-nos que raramente fazia refeições em casa. Mais: explicou-nos que passava pouquíssimo tempo em casa, com um sorriso que me soou a tristeza. "Vida de solteiro, sabem como é!", acrescentou, tentando sorrir ainda mais. E a meia luz tornou-se uma penumbra. O brilho tornou-se em solidão. E até o cheirinho me pareceu, de repente, ser afinal a vazio. A casa não estava impecável - estava apenas vazia, sem uma mão feminina que a desarrumasse, e arrumasse outra vez, e tirasse novamente do sítio, e arranjasse. Uma mão que a aquecesse aquela casa. Que desfizesse aqueles lençóis de hotel. Que atirasse revistas para o chão. E depois pegasse outra vez. Uma mão feminina que ligasse aquela aparelhagem e pedisse para dançar. Uma presença feminina que fizesse uma marca no sofá, em frente à televisão. Que pedisse um ombro. E chorasse. E risse. E abraçasse. Uma presença que tirasse as almofadas do sítio. Deixasse cair cabelos no chão. Marcasse os tapetes com os seus saltos. E com os seus pés. Quatro pés a desarrumar.

Viemos embora. Entrámos em casa. Olhei para o chão. E nunca gostei tanto de ver quatro pés (e quatro patinhas, diga-se) a passearem e a desarrumarem tudo à sua passagem. As casas são para desarrumar. E arrumar. E desarrumar outra vez. As casas são para viver. Posso não ter uma casa de revista de decoração. Mas tenho uma casa cheia de coração.

8 comentários:

  1. Anónimo16:25

    "Uma casa arrumada é sinal de uma vida desperdiçada"!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Concordo contigo, pode parecer uma casa cheia...mas no final, a tua está, como disseste e bem, cheia "decoração" :)

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  4. As casas são para ser vividas; sem esse arruma/desarruma/arruma e sem alguma coisa fora do sitio as casas são só casas; para ser lar têm de ter alma, de ser vividas!

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  5. Lindo Pipaa. Eu tb ja visitei casa de cizinhos que para alem de estarem completamente todas mobiladas, tinham 4 pes estavam cheia e ate animais. Eeu senti ne miseravek. . Se calhar eles tb penso o mesmo da nossa. É que no fundo cobicamos sempre o que é dos outros ;)

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  6. Anónimo02:15

    que texto maravilhoso! :)

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