terça-feira, 7 de maio de 2013

O meu gestor de conta

O meu gestor de conta começou por decidir que ia ser o meu melhor amigo. Eram e-mails com sugestões de formas para aplicar o meu salário. Eram telefonemas a apresentar novos produtos. Eram parabéns no meu aniversário. Parecia estar a iniciar-se uma bela amizade daquelas para a vida.

O meu gestor de conta sempre falou colocando ar entre cada palavra. Como se as soprasse. Ou, no caso, como "sehh hhhhas soprassehhh". Fala comigo e oiço uma brisa. Fala num tom grave. Sereno. E muito amistoso. Se não fosse gestor de conta, diria que poderia ser um novo João Chaves, do Oceano Pacífico.

O meu gestor de conta começou por decidir que ia ser o meu melhor amigo. Até que, um belo dia, eu decidi que ia deixar de ter um salário. E comecei a trabalhar com recibos verdes.

O meu gestor de conta pegou então no telefone. Perguntou-me se tinha havido algum erro no processamento do salário. Expliquei-lhe que não, que a partir daí ia começar a trabalhar como trabalhadora independente. E acrescentei ainda que não se preocupasse, porque ia continuar a receber. Nesse dia, não ouvi a habitual brisa. O tom sereno estava um pouco mais agitado.

O meu gestor de conta decidiu então que não podia mais ser o meu melhor amigo. Se primeiro aceitou a minha condição, depois lá terá estado a matutar naquilo. Um certo dia, atingiu o seu limite e decidiu ligar-me:
- Olá! Fala XX.
- Olá, como está?
- Bem, obrigado! A Pippa também?
- Sim, obrigada! (o meu gestor de conta é, como disse, muito amistoso e ficamos sempre cinco minutos a confirmar que estamos os dois efectivamente bem, seguido de mais três minutos de agradecimentos recíprocos pela preocupação)
- Sabe, estive a ver a sua conta.
- ... Sim?
- Está com 60 cêntimos de saldo negativo.
- Saldo negativo? Como é que é possível?
- Deve ter sido um erro informático. Nunca aconteceu.
- Pois... Nem estou a ver o que terei comprado para ficar com esses 60 cêntimos negativos.
- Permita-me então que lhe diga: foi no McDonald's. Adquiriu um McFlurry.

Esta história tem 5 anos. 5. Mas continuo a lembrar-me dela de cada vez que o meu gestor de conta me telefona, colocando ar entre cada palavra. Continuo a lembrar-me dela de cada vez que entro no McDonald's. Ou que "adquiro" um McFlurry. Porque não sei o que foi mais humilhante:
1- Ter-me ligado a dizer que tinha saldo negativo.
2- Ter-me ligado a dizer que o saldo negativo era de 60 cêntimos. 60 cêntimos! Como se fosse tão pobretanas e maltrapilha que nem pudesse ter um saldo negativo digno de gente grande.
3- Ter-me atirado à cara que, pior que ter saldo negativo, à mísera, desgraçada, sabe onde vou jantar, e sabe que vou a sítios de fast food.
4. Ou se foi ter-me atirado à cara que, além de ter saldo negativo, e daqueles saldos negativos de pobretanas, sabe onde vou comer e o quê especificamente - um triste gelado.

O meu gestor de conta ainda é meu amigo. Desde que o dinheiro continue a entrar na conta e não me ponha a adquirir gelados à maluca. A única coisa que não percebi até hoje foi só... Quem é que "adquire" gelados?!

19 comentários:

  1. Marta22:47

    Ahahah Tens sempre histórias tão engraçadas para contar. Esta fez-me rir :p

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  2. Está história é muito boa mas ao mesmo tempo assustadora... do tipo temos um gestor de contas e parece que estamos na casa dos segredos com alguém a seguir todos os nossos passos, até o mísero acto de comprar um gelado no Mc...

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    1. Eles sabem os sítios a que vamos, mas por acaso o meu me dá-me uma óptima ajuda e é realmente bom no que faz. Isto foi apenas uma excepção que, pela graça, parecia-me que valia a pena ser partilhada ;)

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    2. Teve muita graça sem dúvida e por um gelado tudo vale a pena :)

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  3. Anónimo01:38

    Que estranho esse pormenor do mcflurry! A minha mãe trabalha num banco e não aparece nada disso! Costuma aparecer o nome da loja ou da empresa que detém a loja, ela costumava ligar-me a brincar a perguntar o que tinha comprado em x lado, mas nunca soube o que eu comprava, ou então eu estava tramada :P Talvez a empresa do cartão tenha essa informação mas eles não a devem dar aos bancos assim de sem mais nada. De certeza que ele não é um stalker? ;P

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    1. Há sempre a hipótese de ele estar apenas a brincar comigo. Podia saber só o valor (dois euros?) e atirar à sorte. Só que até acertou. ;)

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  4. Anónimo06:20

    Pipa quem diria que a conclusão do texto
    era o"adquiriu" você é demais
    é só rir...

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  5. Também tenho uma história com a minha gestora de conta que tem apenas uma semana. Há dias reparei que me tinha sido cobrado a anuidade de um cartão de crédito (que nem sequer uso, só o adquiri para comprar bilhetes para um evento internacional e só o usei dessa vez).

    Na altura, a gestora de conta disse que o cartão não tinha qualquer anuidade que podia ficar com ele blablabla E assim foi, fiquei com ele, refundido numa qualquer gaveta do escritório. Há dias, vi que me tinham sido cobrados 26 euros relativos à anuidade do cartão. Questionei a gestora ao que ela me disse "de facto, foram alteradas as condições dos cartões de crédito por isso é que o valor foi retirado"

    Ao que eu respondi "ah, ta bem, e avisar, não?"

    A minha gestora de conta também sempre foi amorosa, mas desta vez estava capaz de a esganar! :)

    le-laissez-faire.blogspot.pt

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    1. E 26 euros ainda é dinheiro... Aii eu matava-a. Verbalmente, vá. ;)

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  6. Eu acho que não tenho um gestor de conta, mas de cada vez que vou ao banco falo sempre com a mesma pessoa. De cada vez que tenho dúvidas dirijo-me sempre a ele, quando quero resolver alguma coisa prefiro sempre que seja com ele, porque já estou habituada. Com ele não tenho de explicar as coisas muitas vezes. Esta relação é relativamente recente mas até nos tratamos pelo primeiro nome, que eu sou moça nova e é difícil que me levem a sério AHAHA

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  7. Opah, hilariante! :D
    Imagino a cara da minha 'conselheira de conta' (aqui há nomes chiques para tudo) quando viu um valor pago num estabelecimento de nome "Hot Brasil". Nada abonatório a meu favor, certamente...

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  8. Muito bom!! Adquiriu!!
    Fartei-me de rir

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  9. Essa história é muito estranha... Os bancos conseguem têm acesso aos nomes das lojas, ao valor e às horas onde se gasta o dinheiro. Os bancos não têm informação específica dos artigos que se compraram.
    Cá para mim ele era um stalker que andava a segui-la...

    O Caldeirão e a Colher de Pau

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    1. Daí ter respondido em cima a dizer que talvez tenha brincado comigo, apenas. Soube o sítio, acrescentou o "objecto de compra". Só que realmente acertou. ;)

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  10. eheh se era por isso que estava negativo foi por uma óptima causa a meu ver =)

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  11. Anónimo14:33

    realmente, como é que ele chegou ao mcflurry?

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  12. Anónimo16:18

    Muito bom mesmo Pippa! Adoro "lê-la"...
    Carla Nunes

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  13. Cláudia Sousa16:53

    Obrigada por me fazeres dar uma gargalhada em alto e bom som, num triste bar de uma Faculdade no Norte do país, que está praticamente deserto em época de Queima, mas cujos alunos do Mestrado têm aulas até às 22h!!! :p

    Obrigada por este texto*

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