quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sorria. Por cinco euros à hora.

1. Ela estava a tirar o curso e, em simultâneo, trabalhava como hospedeira numa empresa de trabalho temporário. Congressos, reuniões, conferências, eventos variados. Ela estava lá. De farda, cabelo esticado, maquilhagem impecavelmente aplicada, collants nude e salto não muito alto. Sorria e ajudava no que fosse preciso. Tudo por cinco euros por hora, pagos a recibos verdes. Chegou a conhecer alguns políticos, empresários ou profissionais influentes. Sentia-se bem naquele meio. Ganhava para as férias. Não incluiu essa experiência no currículo, apenas porque trabalha na área da saúde e acha que não seria visto como mais-valia.

2. Ele estava à espera que o estágio na empresa em que tinha sido escolhido finalmente começasse. Tal seria apenas em Outubro. Por isso, até lá, decidiu que iria servir numa esplanada junto ao mar, de segunda a sexta. Aos sábados, trabalhava por vezes num bar perto de casa. Servia amigos, oferecia umas bebidas à miúdas mais giras e tornou-se um rapaz muito popular nesse verão. A empresa onde veio a estagiar e a tornar-se trabalhador, valorizava o seu empenho e ambição e aconselhou-o a incluir essa experiência no currículo. Para eles, era, sem dúvida, elemento valorizador.

3. Ele era novo, estava a estudar, mas gostava mesmo era de jogar futebol, bilhar e matraquilhos com os amigos. Tudo era pretexto para trocar os estudos por estas brincadeiras. Resultado? Mau aproveitamento. O pai pegou nele e obrigou-o a segui-lo nesse Verão. Para onde me levas, pai? Levo-te para o trabalho duro. Vai-te habituando. Foram cavar milho para a horta do avô. E as minhas férias nas praias dos Olhos de Água, pai? Estão lá os meus amigos todos! Esquece-as. Quem não se esforça, não merece ser recompensado. Junho a Setembro. Debaixo dum sol atordoante. Ele habituou-se. É hoje Presidente da República. E não tem pudores em partilhar esta história de aprendizagem sobre o valor do trabalho duro.

4. Ela tirou o curso de Engenharia Civil. Habituou-se a um ordenado milionário. E a uma vida passada nos melhores sítios e com o melhor. Tinha um grande futuro pela frente. Ou teria, porque a empresa fechou portas. É a conjuntura económica, repetiram-lhe vezes e vezes sem conta. É a conjuntura. O culpado tinha um nome, mas ela não sabia onde encontrá-lo para ajustar contas. Mandou currículos. E mais e mais e mais currículos. A conjuntura lá espreitava de mansinho e impedia-a de arranjar emprego. Até que, um ano depois, encontrou trabalho numa sapataria. Vai aceitar. E isto, deve pôr no currículo? Morre de vergonha. Habitou-se a um ordenado milionário. Tinha o futuro pela frente. Desde quando é que o futuro deu lugar a estas caixas de sapatos?, pergunta-se.

Em comum a estas histórias? A vergonha inicial. O sentir que estavam a trabalhar abaixo das suas capacidades, abaixo do seu estatuto. Mas a ambição e a necessidade supera tudo. E um deles chegou mesmo a Presidente da Republica, devo lembrar? Hoje, quero desejar toda a sorte em quem esteja neste momento em situações semelhantes. Conheço alguns casos e é perfeitamente normal. "É a conjuntura", dizem. Sei que há um grande preconceito em ir trabalhar para uma loja, ou para os ditos "trabalhos menores", tendo-se um curso superior. Custa, claro que sim. Mas sei que o trabalho árduo compensa sempre. A sorte protege os audazes. E acrescento que os trabalhadores também.

12 comentários:

  1. Olá Pippa! Sigo o teu blog há já uns meses, na altura em que fui elucidada (e muito bem) pelo Arrumadinho.

    Aprecio muito a tua escrita fluída e assertiva, que resulta sempre numa prosa harmoniosa, independentemente do tema.

    Sempre fui uma leitora discreta, mas hoje, queria agradecer-te por estas palavras oportunas. Por vezes preciso, que me relembrem, que "a sorte protege os audazes". :)

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    1. Protege, sim. Só é preciso não ir logo abaixo e continuar a lutar.

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  2. 5€/hora é quase o dobro do salário mínimo, e acima do salário médio. Nesta altura, tomara à maior parte.

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    1. Mas não se pode comparar um trabalho certo, com contrato, subsídio de férias, etc (mais subsídio de desemprego a que dá direito) com um trabalho esporádico, sem vínculo nenhum, e a recibos verdes. Esses trabalhos de hospedeira só aparecem de vez em quando...

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    2. É verdade. Apenas quis dizer que hoje em dia muita gente está disposta a trabalhar sem contrato e subsídios por bastante menos que os tais 5€/h.

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  3. É... Goog things come to those who... work hard!
    Sou muito apologista que a sorte é uma coisa que também se constrói. Trabalho árduo, talento e ambição levam as pessoas longe. Sei que é difícil no nosso país, mas as coisas podem melhorar. Temos de pensar assim. É não baixar os braços.

    Mas concordo com o Eduardo... 5 euros à hora... quem dera a muitos.

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  4. Infelizmente muita gente trabalha assim ou ainda pior hoje em dia...eu nem 5€ por hora ganho e era bem bom que ganhasse...

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  5. Muito bom este post!
    E concordo com a resposta que dás ao Eduardo. Uma senhora para ir fazer limpeza a uma casa, continua a ganhar 5€/hora. Mas por isso mesmo, não deixa de ser uma coisa esporádica, sem vínculos... mesmo que passe recibo! E isso acontece em todos os países, não é só em Portugal.

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  6. É preciso gente audaz em Portugal:)
    É preciso acreditar na vossa geração. Eu acredito, a minha até agora...uma desilusão e uma vergonha.

    Já estou como o outro a 2 a 3 a 4 ou a 5 à hora ter trabalho não é vergonha para ninguém é um trabalho é alguém tem de o fazer.

    Espero que a geração subsidio-dependente ( a minha) tenha percebido, por esta altura o mal que vos fez (aos mais novos...) e a gerações futuras.

    Jinhosss e parabéns Pippa!

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  7. Concordo a 100%! Sou Enfermeira e já trabalhei em 10 coisas diferentes, nunca me apeguei a um estatuto que neste país nunca me deu nada. Já trabalhei em dois supermercados, em promoções e como delegada comercial. Também senti na pele essa vergonha que as pessoas ainda têm mesmo quando nós não temos, quando estive no pingo doce de bata e touca na cabeça as pessoas reconheciam-me e perguntavam-me como é que eu conseguia estar ali a fazer aquilo. Neste momento vou embora em busca de um futuro melhor mas sei bem do quanto cresci em todos os sítios onde estive e quem me dera que toda a gente passasse um pouco por isto nem que seja pra sentir o quanto custa ser mais e melhor. Beijinhos Pippa, espero que essa sorte me proteja a mim tb ;)

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  8. Eu identifico-me com a primeira história, neste momento estou a terminar o meu Mestrado e os trabalhos que tenho tido são como hospedeira. Ganha-se bem? Sim. Mas não temos regalias nenhumas e chegamos a esperar quase 90 dias para receber :s

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  9. Este post é muito ilustrativo do que se passa com muita gente! Gostei mesmo de o ler :)!

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